Calçados chineses mudam de nacionalidade no navio

Para Milton Cardoso, presidente da empresa, País faz ‘papel de bobo’ ao não coibir fraudes à lei antidumping contra calçado chinês

Marina Gazzoni, iG São Paulo | 16/05/2011 05:33

Dias depois de suspender a produção no município de Parobé (RS), Milton Cardoso, presidente da Vulcabras, a maior indústria calçadista brasileira, foi categórico: a empresa não tem planos de expandir seu parque fabril no Brasil. A migração da Vulcabras e de outras empresas do setor para países com custos de produção mais baixos, a seu ver, é consequencia da passividade do governo em reagir à valorização da moeda e à competição desleal de produtos importados

“A Vulcabras não tomou uma decisão isolada. Há um movimento claro de saída da indústria calçadista do Brasil. Só um observador que não está atento se surpreende com esses fatos pré-anunciados”, diz Cardoso, que também é presidente da Abicalçados.

A valorização do real azedou o humor da indústria calçadista nacional. A onda de otimismo iniciada em setembro de 2009, após a aprovação de uma taxa antidumping contra o calçado chinês, está chegando ao fim. A cobrança da tarifa é resultado de uma investigação de defesa comercial feita pelo Ministério do Desenvolvimento a pedido da Abicalçados, um processo de 40 mil páginas, que correu durante 18 meses.

A medida reduziu as importações do pares de calçados da China em 22% em um ano, mas elevou a entrada de outros países asiáticos. O Brasil passou a importar mais da Malásia em 2010 (1.356% de crescimento), Vietnã (81%), Indonésia (93%) e até de regiões que quase não possuem fábricas do produto, como Hong Kong (132%) e Taiwan (428%).

A suspeita da Abicalçados é a prática de triangulação, ou seja, o sapato fabricado na China chega ao Brasil com o certificado de origem de outro país. Assim, o produto se livra da incidência da taxa de US$ 13,85 por par.

Em janeiro deste ano, a Abicalçados entrou com um pedido de extensão da cobrança da tarifa antidumping contra o sapato chinês para produtos da Malásia, Indonésia e Vietnã. “O processo está parado porque a Receita se recusa a fornecer dados de importação”, diz Cardoso. Procurados pelo iG, o Ministério da Fazenda e do Desenvolvimento não se pronunciaram até fechamento desta edição.

Sem conseguir barrar a importação da China e com o câmbio mais valorizado, a Abicalçados vai revisar para baixo suas projeções feitas no início do ano.

Na época, a associação esperava um crescimento de 5,5% na produção e 5% no emprego da indústria calçadista em 2011. Hoje, o Brasil emprega cerca de 350 mil pessoas no setor. “Temo que nos próximos meses não haverá criação de vagas no setor. Estamos à beira de uma crise”, diz Cardoso.

 

Veja trechos da entrevista de Milton Cardoso, presidente da Vulcabras e da Abicalçados:

iG: Por que as indústrias calçadistas estão transferindo sua produção para fora do Brasil?
Milton Cardoso: Há uma série de razões, mas o câmbio é o problema mais grave. A indústria produz onde for mais competitivo. Há dois anos, quando o dólar custava R$ 2,20, o ministro Guido Mantega (Fazenda) disse que o Brasil tinha um arsenal para enfrentar a guerra cambial e iria usá-lo. De lá para cá, o dólar caiu 30% e os salários cresceram 20% no Brasil. Não dá para competir com os importados com esta diferença de custos. Só um observador que não está atendo não vê estes dados.

iG: O senhor acha que o governo foi negligente com a questão do câmbio?
Milton Cardoso: Da nossa ótima, a atuação do Ministério da Fazenda deixou a desejar.

iG: Vocês têm conversados com o governo?
Milton Cardoso: A Abicalçados tem reuniões toda a semana no Ministério do Desenvolvimento. Não queremos tratar a questão politicamente, mas queremos que a lei seja cumprida. O Brasil está fazendo papel de bobo [na questão do antidumping contra o calçado chinês]. Enquanto os dados do Brasil indicavam importação de 6 milhões de pares de calçado chinês, os dados da China apontam para 27 milhões. Desapareceram milhões de pares ou eles mudaram de nacionalidade no porão do navio. Isso é fraude e o governo brasileiro tem que agir.

iG: Se o governo aprovar a cobrança da tarifa antidumping para calçados de outros países asiáticos a indústria voltará a investir no Brasil?
Milton Cardoso:
 Sim. O setor calçadista se expande, migra e encolhe muito rapidamente. Nos três últimos meses de 2008, com o avanço da crise, o setor fechou 13% das suas vagas. Foi um corte de 44 mil empregos. Mas, seis meses depois do início da cobrança da tarifa antidumping contra o calçado chinês, a indústria criou 70 mil vagas. A triangulação para driblar a tarifa esfriou o otimismo. Se nós afastássemos essa ameaça da concorrência desleal, teríamos uma reação rápida. Poderíamos encerrar o ano com mais de 500 mil vagas no setor.

http://economia.ig.com.br/empresas/industria/calcados+chineses+mudam+de+nacionalidade+no+navio+diz+vulcabras/n1596953689602.html

 

RECORDANDO:

Vulcabras/Azaleia demite 800 e encerra produção de calçados no RS

Empresa justifica a decisão pela competição com importados; demissão em Parobé (RS) foi um dos temas mais comentados no Twitter

Marina Gazzoni, iG São Paulo | 09/05/2011 18:41

A marca Azaleia parou de produzir calçados nesta segunda-feira na sua cidade natal, o município de Parobé, no Rio Grande de Sul. A Vulcabras, dona da marca, demitiu cerca de 800 funcionários da unidade e encerrou a produção de calçados do grupo no Estado. As demissões colocaram a cidade de Parobé entre os dez assuntos mais comentados hoje na rede social Twitter.

O fim da produção em Parobé trará uma redução de 8.000 pares por dia ao grupo Vulcabras, hoje capaz de fabricar 250 mil calçados. A unidade gaúcha era a menor fábrica e, por não ter uma operação em grande escala, gerava prejuízo, afirmou ao iG o presidente da Vulcabras, Milton Cardoso.

A unidade de Parobé continuará a operar apenas como centro de desenvolvimento de produtos, segmento que emprega 1500 pessoas. Com uma população em torno de 50 mil habitantes, Parobé faz parte do polo calçadista do Vale do Paranhana.

A expectativa do Sindicato dos Sapateiros de Parobé é de que os trabalhadores sejam absorvidos por outras indústrias presentes na região.

“A Vulcabras vem enxugando a fábrica há anos. A decisão de demitir todos da produção não nos surpreende”, diz o vice-presidente do sindicato, Gaspar Nehering.

Migração da indústria

A suspensão da produção da Vulcabras no Rio Grande do Sul faz parte de um processo de migração da indústria calçadista, afirma Cardoso. Dentro do país, produzir no Grande do Sul, tradicional reduto da indústria calçadista, hoje é menos vantajoso do ponto de vista fiscal do que em outros Estados, principalmente na região Nordeste.

Do ponto de vista global, o País como um todo não favorece o setor, diz Cardoso. O real valorizado, a alta carga tributária e as obrigações trabalhistas encarecem a produção. “As importações voltaram a crescer. E esses produtos chegam ao país com vantagens competitivas”, afirma o presidente da Vulcabras.

A alternativa encontrada pela empresa foi expandir sua produção no exterior. A Vulcabras anunciou no mês passado a compra de uma fábrica na Índia, que iniciará a produção em agosto.

Será nesta unidade que a empresa produzirá os cabedais dos calçados que vão para a América Latina, mesmo que precise percorrer um trajeto intercontinental . “Vamos produzir com custos menores para atender mercados que perdemos por não conseguir competir a partir do Brasil”, diz.

Apesar da expansão internacional, a empresa afirmou que não pretende fechar outras fábricas no Brasil.

A Vulcabras possui outras três unidades no País – no Ceará, em Sergipe na Bahia – e uma na Argentina , além da fábrica indiana recém-adquirida.

http://economia.ig.com.br/empresas/industria/vulcabrasazaleia+demite+800+e+encerra+producao+de+calcados+no+rs/n1596937400928.html

 

Luis Nassif

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