O sabor amargo do açúcar

Trabalho de psicóloga aponta condições precárias no cotidiano dos  trabalhadores das lavouras de cana

Um estudo sobre a rotina diária de trabalhadores rurais cortadores de cana de açúcar – os conhecidos “bóias frias” – nas lavouras do município de Sertãozinho, em São Paulo, e os reflexos deste trabalho em suas condições de vida e saúde serão tema de trabalho apresentado  na 2ª Mostra Nacional de Práticas em Psicologia, a ser realizada entre os dias 20 e 22 de setembro, em São Paulo (SP).

“Espero que isso chame a atenção não só dos psicólogos, mas de toda a sociedade sobre o cotidiano dos trabalhadores, que enfrentam condições que muitas vezes chegam a ser desumanas pelos fatores de risco e desgaste relacionados ao trabalho no contexto rural ”, explica a autora do projeto, a psicóloga Aline Almussa.  

A pesquisa é fruto do mestrado de Aline na Universidade Estadual Paulista do município de Assis (Unesp-Assis), mas a ideia surgiu quando a psicóloga ainda cursava graduação em Psicologia na Unesp e, durante um  estágio supervisionado em Saúde do Trabalhador, reparou que o tema da saúde dos trabalhadores rurais vinha frequentemente  à tona.  “A princípio pretendíamos averiguar os reflexos do uso de agrotóxicos na saúde ocupacional dos trabalhadores rurais, no entanto, ao longo da empreitada, as condições de trabalho dessas pessoas chamaram nossa atenção”, conta.

Por meio do contato com agentes comunitários da saúde, Aline e sua orientadora, a doutora em Psicologia Maria Luiza Schmidt, entrevistaram 46 trabalhadores rurais – tanto em seus locais de trabalho, nas lavouras de cana de açúcar, quanto em suas residências.

A pesquisa

Na pesquisa, foram apresentados aspectos das condições de vida, saúde e trabalho deste grupo, ilustrando, por meio de imagens e discursos, uma realidade desgastante e pouco percebida pela maioria.

“O cotidiano dos trabalhadores rurais é um assunto que deve ser estudado e denunciado. As publicações, em sua maioria, se atentam para os aspectos físicos do trabalho e, a nosso ver, existem impactos psicossociais que merecem ser descritos”, constata Aline.  

A maioria dos trabalhadores entrevistados, segundo ela,  veio de estados do Nordeste e migrou para Sertãozinho em busca de melhores condições de vida e trabalho.

“Constatamos que os trabalhadores conseguiam perceber os riscos e desgastes da carga de trabalho. Além disso, estratégias de defesas individuais e coletivas, como negação de riscos e consumo de bebidas alcoólicas eram evidentes”, conta a autora.

Baixos salários, jornadas extensas, falta de instalações sanitárias dignas e o  não-fornecimento de alimentação durante a jornada de trabalho foram outros dos problemas apontados.

“Revivemos, com esse estudo, o sabor amargo do açúcar, que para ser produzido requer um esforço avassalador do indivíduo, levando-o a um desgaste que fere tanto sua integridade física, como mental e social”, conclui Aline.  

Sobre a Mostra

A 2ª Mostra Nacional de Práticas em Psicologia marca o ápice das comemorações dos 50 anos da regulamentação da profissão no Brasil. Ao todo, já são mais de 19 mil inscritos em todo o País.

Será um evento rico em experiências, trocas e intercâmbios entre psicólogas, psicólogos e sociedade. A entrada é gratuita e as inscrições podem ser feitas no site: http://mostra.cfp.org.br.

Luis Nassif

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