Democracia e as políticas econômicas implantadas na Europa

Do Le Monde Diplomatique

Idade Média europeia

Os especuladores saíram de cena sem perder um centavo dos empréstimos que tinham concedido a Atenas com taxas e juros astronômicas

por Serge Halimi

As políticas econômicas impostas pela manutenção do euro ainda são compatíveis com as práticas democráticas? A televisão pública grega foi criada no fim de uma ditadura militar. Sem autorização do Parlamento, o governo que executa em Atenas as ordens expressas da União Europeia (UE) escolheu substituir o canal por uma tela preta. Enquanto espera que a Justiça grega suspenda a decisão, a comissão de Bruxelas poderia ter lembrado os textos da União, segundo os quais “o sistema de audiovisual público dos Estados-membros está diretamente ligado às necessidades democráticas, sociais e culturais de qualquer sociedade”. Ela preferiu legitimar o golpe de força alegando, no dia 12 de junho, que esse fechamento se inscrevia “no contexto dos esforços consideráveis e necessários que as autoridades realizavam para modernizar a economia grega”.

Os europeus tiveram a experiência de projetos constitucionais rejeitados pelo sufrágio popular, mas que, ainda assim, foram aplicados. Eles se lembram dos candidatos que, depois de terem se comprometido a renegociar um tratado, o fizeram ser ratificado sem que, no meio-tempo, uma vírgula tenha sido alterada. No Chipre, eles quase sucumbiram à retirada autoritária de todos os seus depósitos bancários.1 Uma etapa suplementar acaba de ser agora ultrapassada: a comissão de Bruxelas lava as mãos a respeito da destruição das mídias gregas que ainda não pertencem a grandes grupos econômicos se isso permitir a demissão imediata de 2,8 mil trabalhadores de um setor público que ela sempre execrou – e, desse modo, manter os objetivos de supressão de empregos ditados pela Troika2 a um país onde 60% dos jovens estão desempregados.

Essa obstinação coincide com a publicação pela imprensa norte-americana de um relatório confidencial do Fundo Monetário Internacional (FMI) que admite que as políticas em vigor na Grécia nos últimos três anos se revelaram “fracassos flagrantes”. Trata-se de um equívoco unicamente imputável a previsões de crescimento embelezadas? Sem dúvida que não. Segundo a interpretação feita pelo Wall Street Journal de um texto extremamente prolixo, o FMI confessa que uma “reestruturação imediata [da dívida grega] teria sido melhor para os contribuintes europeus, pois os credores do setor privado foram integralmente reembolsados graças ao dinheiro que Atenas pegou emprestado. A dívida grega então não foi reduzida, mas agora é devida ao FMI e aos contribuintes da zona do euro, em vez dos bancos e dos fundos especulativos”.3

Assim, os especuladores saíram de cena sem perder um centavo dos empréstimos que tinham concedido a Atenas com taxas de juros astronômicas. Concebemos que tal maestria em roubar os contribuintes europeus em proveito de fundos especulativos confere uma autoridade particular à Troika por martirizar um pouco mais o povo grego. Mas, depois da televisão pública, não restam hospitais, escolas e universidades que poderíamos fechar sem maiores problemas? E não somente na Grécia. Pois é apenas a esse custo que a Europa inteira manterá sua posição na corrida triunfal em direção à Idade Média…

Luis Nassif

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