Dez anos da morte de Moreira Salles

Coluna Econômica

Há dez anos, durante o carnaval de 2001, falecia um dos brasileiros do século 20: Walther Moreira Salles.

Foi uma morte tranquila.

Antes, convidou toda a família, filhos, noras e netos, para passar o carnaval na casa em …. Brincou com os netos, entrou na piscina – feito raro -, depois ouviu a exposição do filho Pedro sobre a compra do Banco Nacional.

Morreu tranquilamente.

A família não sabia que, depois de sua última viagem a Houston, onde fazia seu checkup anual, voltou com o diagnóstico de que tinha pouco tempo de vida. Contou para o amigo José Luiz Bulhões Pedreira, em um jantar a sós.

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AlisAli se encerrava a vida do mais internacional dos brasileiros do século 20 e do mais brasileiro dos empresários da época. Sua história se confunde com a própria história econômica e política do país. E foi especialmente marcante em um período – anos 40 aos 60 – em que se forja o moderno capitalismo brasileiro.

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Embora sua paixão maior fosse pela França, Moreira Salles faz parte de uma geração de empresários brasileiros profundamente afetados pelas mudanças que ocorriam nos Estados Unidos – especialmente pelo papel dos empresários na política e na condução da coisa pública.

Contribuiu para isso as relações de seu pai João Moreira Salles – que tinha uma casa comissária de café – com a American Coffee, dos Rockefeller. Em carta ao filho, dos anos 30, João enaltece a maneira como os empresários americanos conferiram objetividade às políticas públicas do país.

Estava-se em plena era Roosevelt, com o New Deal incendiando corações.

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O primeiro ativo de Walther foi a rede de relações que construiu em Poços de Caldas – cidade sede do grupo – durante os anos dourados da cidade, década de 30, em que recebia a nata das classes política e empresarial brasileiras.

A casa comissária evoluíra para banco. Uma corrida contra a instituição – ainda nos anos 30 – mudaria sua vida. Concorrentes soltaram o boato de que a American Coffee recusara uma partida de café da casa comissária. O banco foi salvo por fazendeiros da região, amigos de João Moreira Salles, e pelo gerente da agência do Banco do Brasil em São João da Boa Vista.

A crise levou-o à embaixada americana, no Rio, onde conheceu o conselheiro Edward Miller, de quem arrancou uma declaração desmentindo o boato. Miller seria sua primeira fonte de contatos com o mundo diplomático e financeiro norte-americano, ao lado de Berent Friele, descendente da uma família de noruegueses, donos da primeira empresa a exportar café brasileiro, ainda no século 19, e que se transformara no principal executivo da American Coffee para a América Latina.

De Poços, Walther estendeu sua rede de relações para o Rio, Estados Unidos, Europa, até se fixar no centro do capitalismo mundial da época, o último período do capitalismo de família.

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O segundo ensinamento foi sobre a necessidade de dar musculatura para o banco e de se liberar do dia a dia para vôos mais altos. Esse movimento levou-o a uma associação com o Banco de Botelhos de Pedro di Perna. Não apenas ganhou musculatura, mas um sócio fiel que passou a conduzir o dia-a-dia do banco, liberando-o para a mais ousada aventura empresarial brasileira do período.

Com os financistas de NY

Walther mudou-se para o Rio. Depois, passou um período estagiando no mercado financeiro de Nova York, trabalhando com uma geração de jovens bancários que, nas décadas seguintes, passariam a comandar Wall Street. E aí começou a sobressair duas qualidades que seriam retomadas pelo capitalismo brasileiro apenas nos anos 90 em diante: a do aglutinador de capitais para investir em novos setores da economia.

O financismo brasileiro

Teve visão de futuro, de saber identificar os setores que comandariam a economia nas décadas seguintes. E capacidade de juntar capitais para investir nesses setores. Para isso foi de imensa valia sua participação na missão brasileira que participação dos trabalhos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, também como diretor da carteira comercial do Banco do Brasil e, posteriormente, diretor da SUMOC (Superintendência de Moeda e Crédito), embrião do Banco Central.

Os fundos de investimento

Com o auxílio de San Thiago Dantas formatou o que seria o embrião dos modernos fundos de investimento. O modelo permitiu juntar capitais de outros investidores, tanto do Rio quanto do Sul de Minas, e passar a enveredar por caminhos nunca antes navegados pelo incipiente capitalismo brasileiro. Foi o capital de Walther que salvou do fracasso a primeira grande refinaria brasileira, a União.

Os novos setores

Antes, investiu pesadamente no rodoviarismo, assumindo a representação da Caterpillar no Brasil. Mas seu grande salto ocorreu com os ensinamentos de financistas judeus húngaros (católicos) que fugiram da Segunda Guerra para o Brasil. Após o tratado de Bretton Woods, esse grupo passou a dominar o recém-criado mercado internacional de títulos públicos e de câmbio, que operava especialmente na praça de Zurique.

Os títulos da dívida – 1

Através dos ensinamentos do banqueiro francês Andrés Rueff e do húngaro Emeric Khan, Walther penetra no novo mundo financeiro que se formava globalmente. Através da praça de Zurique negociou dívidas do governo inglês com tal maestria que se tornou controlador da Brazil Warrant, maior empresa inglesa no Brasil, sem praticamente desembolsar um tostão.

Os títulos da dívida – 2

Com o Ex-Secretário de Estado norte-americano Douglas Dillon, negociou títulos da dívida brasileira – títulos privados espalhados por todos os EUA. E, ainda em Zurich, negociou títulos da dívida paulista, emitidos no período Ademar de Barros. O capital acumulado servia para injetar dinheiro em novos setores em formação, como o mercado de capitais, a petroquímica, o nióbio. 

Luis Nassif

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