Dilma, Serra e a Cepal

Quando começou o mercadismo desvariado no país, escrevi uma coluna sobre a Cepal, lembrando as raízes com o órgão do então Ministro do Planejamento José Serra. Ele me telefonou protestando, dizendo que a Cepal já não tinha relevância, que havia sido superada.

Acho que o Sergio Leo se deixou levar pela mesma ilusão minha, à época. Ou talvez não. Como a ativismo de Estado voltou à moda, é possível que Serra reavalie a reavaliação que fez sobre a Cepal.

Do Valor

Cepal ganhará peso, com Serra ou Dilma

Sergio Leo
12/04/2010

As pesquisas de opinião indicam séria disputa pela sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva entre a candidata governista Dilma Rousseff, e o candidato do PSDB e do DEM, José Serra; e a escolha ilumina uma tremenda coincidência. Seja Dilma, seja Serra, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), ícone do desenvolvimentismo, espera uma etapa de glória na relação com o Brasil. O ativismo estatal prepara uma volta triunfal.

“A Cepal poderá ser um canal com o restante da América Latina, de onde o Brasil, compartilhará experiências bem-sucedidas, que podem beneficiar outros países”, previu a secretária-executiva da comissão, Alicia Bárcena, ao Valor. Ela veio ao Brasil, na semana passada, para reuniões com autoridades federais, preparando a abertura do próximo “período de sessões” da Cepal, a reunião mais importante do órgão, vinculado às Nações Unidas. A abertura, em Brasília, no dia 30 de maio, inaugura a presidência do Brasil na Cepal, o que reforça as relações entre a comissão e o Brasil, e transformará o país em abrigo de discussões econômicas internacionais.

“O Brasil terá grande influência, de fato, porque presidir o período de sessões significa que país pode convocar reuniões, e nós poderemos convocar reuniões que o país presida, de temas de interesse brasileiro”, comenta Alicia. A cerimônia em Brasília servirá ao lançamento de novo documento da Cepal, sobre distribuição de renda e dos benefícios do crescimento, “Na hora da igualdade, lacunas por fechar e caminhos por abrir”, um estudo que, segundo a secretária-executiva da comissão, significa um “ponto de inflexão no pensamento crítico do desenvolvimento” na região.

Em resumo, os últimos seis meses do governo Lula e o próximo ano e meio do novo governo terão o apoio institucional e o peso político da Cepal para os projetos desenvolvimentistas. Uma eventual eleição do tucano José Serra não muda a previsão de que será um período favorável à maior atuação do Estado. “O escritório brasileiro da Cepal viveu um “periodo de ouro” durante a gestão de Serra no Ministério do Planejamento”, lembra o representante da Cepal no Brasil, o respeitado economista Renato Baumann. “Nunca houve tanto apoio e verbas para o trabalho da comissão em convênios com o governo”, garante.

Serra, mais que o presidente Fernando Henrique Cardoso, tem laços afetivos e ideológicos com a Cepal, onde trabalhou durante o exílio no Chile. Com a escolha, neste ano, do ex-representante do BNDES em Brasília, Antônio Prado, como secretário-executivo adjunto da Cepal, a ligação entre o comando da comissão e o governo do PT também passou a ser ainda mais forte. Prado, ex-coordenador do programa de governo de Lula, em 2002, é uma clara indicação do governo petista à Cepal. Ele comentou, ao Valor, o documento que a comissão divulgará em maio, com cenários desejáveis para a economia global.

“A questão é saber que estratégias podemos adotar quando os mercados estão integrados e as economias permanecem nacionais”, diz ele. Em um tom que faz lembrar críticas aos economistas ortodoxos, feitas tanto na equipe do ministro da Fazenda, Guido Mantega, quanto por Serra durante sua passagem pelo governo pré-Lula, a Cepal defende políticas de austeridade fiscal e de metas de inflação, mas sugere ajustes contra a aplicação tradicional dessas medidas. “O sistema de metas de inflação tem de ser mais complexo; não pode ter apenas a meta e instrumentos”, exemplifica Prado. “Deve levar em conta a situação do câmbio, gerar um sistema de câmbio flutuante, mas administrado, o chamado câmbio sujo.”

As ressalvas se aplicam também à entrada de capitais estrangeiros, segundo lembra o documento da Cepal, que faz menção aos regimes de severo controle no ingresso de moeda estrangeira no Chile e na Colômbia, nos anos 90, para defender a criação de mecanismos de barreira aos capitais especulativos. Os colombianos chegaram a manter uma espécie local de “taxa Tobin”, imposto proposto pelo prêmio Nobel James Tobin, sobre transações financeiras internacionais. “O Brasil também deu exemplo nesse ponto”, diz Alicia Bárcena, citando o aumento de IOF determinado sobre ingresso de capital, durante a crise financeira recente. Os elogios da dirigente da Cepal se espraiam, também, nas políticas sociais e de inovação do governo, algumas, nota, anteriores a Lula.

O importante, dizem os dirigentes da Cepal, é manter espaço para “políticas contracíclicas”, que permitam maior prudência em período de crescimento, como o que parece iniciar-se na região, mas estimule investimentos e gastos em educação e saúde; dando instrumentos de intervenção ao governo. O papel dos bancos públicos brasileiros e a ação do BNDES são apontados como modelo pela comissão das Nações Unidas.

A República Dominicana ganhou destaque inédito ao presidir o atual periodo de sessões da Cepal, e sediar encontros de autoridades e especialistas, marcantes para discussão da crise econômica, em 2008. O Brasil, já é estrela mundial, e terá, com a Cepal, envolvimento ainda maior nos projetos internacionais de desenvolvimento pós-crise financeira. Será interessante saber o que os candidatos à Presidência pretendem fazer com esse protagonismo.

Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras

E-mail: [email protected]

Luis Nassif

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