Emergentes entrarão em nova era de política monetária

Da Carta Capital

Emergentes vão enfrentar nova era de política monetária

O crescimento econômico global pálido e dados decepcionantes na China, no Brasil e na Rússia contribuíram para a mudança de sentimento do investidor 

Os investidores reagiram com certo alarme aos indícios de que o Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos) poderá em breve retroceder na “facilitação quantitativa” (FQ). As últimas semanas viram uma grande liquidação em ativos dos mercados emergentes, pois os investidores preveem retornos maiores nos EUA. Isto reavivou preocupações sobre o financiamento externo em alguns mercados emergentes vulneráveis. Embora a eventual normalização da política monetária no mundo rico não precise ser calamitosa para os mercados emergentes, muitos dos quais têm hoje balanços externos mais fortes que no passado, as vulnerabilidades estão aumentando. Além disso, fatos recentes podem indicar uma reavaliação mais fundamental das perspectivas econômicas dos mercados emergentes.

Deve-se notar desde o início que a liquidação não foi somente o resultado de sinais da política monetária dos EUA, e que seu começo precede a especulação sobre a retirada de liquidez pelo Fed. O crescimento econômico global pálido e dados decepcionantes em vários mercados emergentes, notadamente a China, mas também Brasil e Rússia, contribuíram para a mudança de sentimento do investidor, assim como os recentes protestos na Turquia e no Brasil. No entanto, a mudança de tom do Fed desde meados de maio provocou um recuo mais drásticos dos ativos de mercados emergentes. O inevitável processo de ajuste, depois de anos de extraordinária acomodação monetária desde a crise econômica de 2008-09, em última instância levará a taxas de juros mais altas nos EUA. Se tudo o mais se mantiver igual, as taxas maiores nos EUA tornariam os ativos dos mercados emergentes relativamente menos atraentes para os investidores.

Os mercados estão incluindo o preço da mudança na política monetária norte-americana muito à frente do fato: mesmo quando a FQ for totalmente eliminada, o primeiro aumento na meta de taxa básica do Fed provavelmente será daqui a dois anos, e nesse sentido os investidores estão combinando uma redução no ritmo da facilitação monetária com um arrocho real – dois fenômenos muito diferentes. O Fed tem se esforçado para mostrar a diferença, lembrando aos observadores que uma redução em suas compras de títulos sob a FQ constituiria “aliviar um pouco o acelerador” em vez de pisar no freio, para usar a analogia do presidente do Fed, Ben Bernanke. Não obstante, a mera expectativa de um recuo na liquidez fez as taxas de juros no mercado norte-americano subirem, tornando os temores sobre fuga de capitais dos mercados emergentes parcialmente autorrealizáveis.

A liquidação foi drástica. Desde 8 de maio, o índice de equidade FTSE All Emerging All-Cap caiu 15%. Virtualmente todas as moedas de mercados emergentes, com exceção do renminbi chinês, caíram acentuadamente em relação ao dólar. O real brasileiro, o rand sul-africano, a rúpia indiana e a lira turca caíram de 8 a 11% no mesmo período. A rúpia indonésia sofreu pressão, contribuindo para uma decisão do banco central de aumentar as taxas de juros em meados de junho. O peso mexicano também caiu acentuadamente contra o dólar (o México é um dos mercados emergentes de maior liquidez, o que o torna um alvo preferido para a liquidação de ativos de risco). Os rendimentos de títulos soberanos de mercados emergentes em moeda local e moedas seguras aumentaram acentuadamente.

Principais fatores de vulnerabilidade

Os investidores estão questionando o que o fim da era do dinheiro fácil poderá significar para os mercados emergentes. A vulnerabilidade de países individuais a uma súbita inversão de fluxos de capital varia amplamente, dadas as diferenças em seus fundamentos macroeconômicos, perfis de dívida externa e qualidade da gestão econômica. Em termos gerais, as economias com maior probabilidade de sofrer tensão são as que têm grandes déficits de conta corrente e contam fortemente com influxos de investimento volátil de portfólios. E isso explica parcialmente por que a Turquia, a Índia e África do Sul (com déficits de conta corrente equivalentes a 5 a 7% do PIB) foram afetadas pela inversão de sentimento. Nesses países os fluxos de carteiras, que podem ser rapidamente invertidos quando os investidores se assustam, têm um papel importante para financiar os déficits de conta corrente.

Em termos de avaliar a vulnerabilidade, as companhias parecem mais inclinadas que os governos a encontrar problemas de fundos se a liquidez global apertar, dada a tendência à emissão de dívida nos mercados emergentes. Nos últimos anos a emissão de dívida corporativa em moeda segura em mercados emergentes superou a dos governos. Desde o início de 2012, somente, as corporações de mercados emergentes emitiram cerca de 540 bilhões de dólares em títulos – uma quantia quase equivalente a todos os títulos emitidos da dívida soberana em moeda forte dos mercados emergentes. O fato de que os mutuários corporativos geralmente rolam sua dívida com maior frequência que os governos é mais uma fonte de vulnerabilidade.

Muitos outros fatores determinam a disposição dos investidores a manter seu dinheiro em determinado país. A Turquia, por exemplo, foi abalada por protestos contra o governo nas últimas semanas. Na África do Sul, a queda do rand reflete em parte tensões trabalhistas no setor mineiro (o que ameaça as exportações) e a queda dos preços dos metais preciosos (embora esta também esteja ligada à posição política do Fed). Mas em ambos os países o ambiente político é relativamente sólido. O setor bancário da Turquia é bem capitalizado. É uma história potencialmente diferente para países com circunstâncias mais desafiadoras, como a Ucrânia, que está tentando defender uma atrelagem da moeda com o dólar, tendo reservas estrangeiras muito baixas. O governo da Ucrânia resiste às reformas de energia e cambial que poderiam lhe permitir o acesso a um programa de empréstimos do FMI. Em vez disso, com a política econômica dominada por considerações políticas, as autoridades vêm recorrendo a medidas cada vez mais quixotescas e casuais, como a venda compulsória de 50% dos lucros dos exportadores e limites a transações em dinheiro, em um esforço para contrabalançar os crescentes sinais de desequilíbrio econômico e tensão financeira.

Balanços mais fortes

Apesar dos riscos que representa uma retirada de liquidez do Fed, vários fatores deveriam mitigar seu impacto nos mercados emergentes e tornar menos provável crises de moeda e balança de pagamentos do tipo dos anos 1990. Primeiro, os balanços dos mercados emergentes, de modo geral, são muito mais fortes do que eram há uma década ou duas, enquanto as estruturas políticas melhoraram (incluindo uma mudança para bancos centrais mais independentes e taxas de câmbio flutuantes). Muitos mercados emergentes acumularam substanciais reservas cambiais. Estas oferecem certa proteção contra dificuldades na balança de pagamentos, mas continuam suscetíveis ao rápido esgotamento em uma crise. As reservas internacionais dos países não pertencentes à OCDE aumentaram do equivalente a 45% de sua dívida externa em 2000 para 155% em 2012. (O agregado é, admitidamente, inflado pelo enorme acúmulo de reservas pela China, em cerca de 3,3 trilhões de dólares.) Essa tendência reduz o potencial de que as dívidas nominais em moeda estrangeira se tornem inatingíveis em termos de moeda local. Muitos mercados emergentes, em todo caso, tornaram-se menos dependentes de empréstimos em moeda estrangeira, encorajando o desenvolvimento de mercados com fundos em moeda local.

Um segundo fator atenuante é que o ambiente de taxas de juros ultrabaixas engendrado pela FQ no mundo rico permitiu que alguns governos e corporações de mercados emergentes pré-financiassem suas necessidades, emitindo dívida com taxas atraentes. Os recentes aumentos nos rendimentos de títulos tornarão isso mais difícil e caro, mas em retrospectiva aqueles que emprestaram antes da liquidação no mercado – incluindo vários governos e corporações da América Latina – hoje parecem muito inteligentes.

Em terceiro lugar, a reação negativa dos mercados à perspectiva de redução da FQ ignora o fato de que qualquer retirada de liquidez será gradual e cautelosa, e que a normalização da política monetária pelo Fed implica uma melhora nos fundamentos econômicos dos EUA que deverá beneficiar o resto do mundo por meio de maior comércio e investimento.

Um ferrão pró-cíclico na cauda?

Mas enquanto os mercados emergentes geralmente estão em melhor posição para suportar uma realocação de ativos globais do que estavam nas décadas de 1990 ou 2000, isso não significa que o ajuste será suave ou que a ausência de problemas de balança de pagamentos evitará dificuldades de outros tipos. Enquanto o Fed busca acertadamente produzir uma saída cuidadosamente planejada e sinalizada da FQ, ajustes de políticas abruptas e reativas poderão se mostrar inevitáveis para alguns bancos centrais de mercados emergentes, se a liquidação de ativos continuar. O Brasil e a Turquia endureceram a política monetária recentemente, como parte de um esforço para aliviar a pressão descendente sobre suas moedas. Um maior endurecimento é quase certo no Brasil, diante do aumento das pressões inflacionárias, e uma possibilidade na Turquia. Mas essas medidas seriam pró-cíclicas diante de condições econômicas relativamente fracas nos dois países, e taxas de juros maiores poderão sufocar a recuperação. Compare, por exemplo, a situação da Turquia com a de 2011, a última vez em que houve uma corrida à lira turca e o banco central teve de aumentar as taxas de juros para atrair fluxos de capital. Naquela época a economia estava crescendo cerca de 9% ao ano. Hoje está em cerca de 3%.

Há muitos outros potenciais distúrbios. O Brasil, por exemplo, abandonou um imposto sobre transações financeiras implementado anteriormente em uma tentativa de conter a valorização do real. Diante de preocupações sobre o modelo político estatizante e cada vez mais intervencionista do governo, essa súbita reversão – embora bem-vinda ao remover um controle de capital distorsivo – poderia reforçar a impressão dos investidores estrangeiros de uma imprevisibilidade política. A fraqueza da moeda em várias outras economias latino-americanas é amplamente bem-vinda agora, mas a depreciação continuada, se somada à maior inflação, poderia empurrar a política monetária em direções não totalmente garantidas pelos fundamentos domésticos. O banco central da Colômbia já conteve a facilitação monetária, em parte por causa de recentes acontecimentos nos mercados globais. No México, um peso mais fraco poderá incentivar o Banco do México a evitar o corte das taxas de juros, apesar do crescimento econômico morno.

Questões maiores

A volatilidade no setor financeiro também pode mascarar preocupações mais fundamentais. A previsão de crescimento dos mercados emergentes obscureceu conforme os dados da China, em particular, decepcionaram no início de 2013 e ficou claro que a segunda maior economia do mundo está passando por uma mudança secular em direção a um crescimento mais lento. Um aumento recente das taxas interbancárias quase não ajudou, alimentando temores de crise financeira no maior mercado emergente depois de anos de rápido crescimento do crédito. The Economist Intelligence Unit ainda está relativamente positiva sobre as perspectivas gerais dos mercados emergentes. Prevemos que o crescimento do PIB agregado em países não-OCDE vai acelerar de 4,7% em 2012 para 6,3% em 2016 com a melhora da economia global. Mas há desafios, e os políticos poderão ter de abordá-los ao mesmo tempo que ocorre uma mudança de liquidez global. Nos últimos anos, a liquidez abundante reforçou as economias e os mercados financeiros dos mercados emergentes, ajudando a evitar quedas mais acentuadas nas economias desenvolvidas com as quais os mercados emergentes negociam e suprimindo rendimentos de títulos no mundo rico, assim encorajando a canalização do dinheiro para os países em desenvolvimento. O início do fim do dinheiro fácil ainda não chegou, mas os mercados começam a apreçá-lo – em perspectiva, é uma reavaliação generalizada da capacidade de os mercados emergentes sustentarem os recentes índices de crescimento quando as condições monetárias nas economias avançadas se normalizarem.

Luis Nassif

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