Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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O desafio do setor elétrico: o uso dos reservatórios

Por Luciano Losekann do Blog Infopetro

A eletricidade é um bem não estocável. Assim, sua operação requer que o equilíbrio entre oferta e demanda ocorra em tempo real[1].  Essa característica torna mais complexa a coordenação de sistemas elétricos, envolvendo a necessidade de capacidade de reserva que implica em maiores custos de suprimento (Stoft, 2002). Globalmente, a difusão das fontes renováveis, particularmente eólica e solar, e da geração distribuída tornou mais crítico o gerenciamento do equilíbrio em tempo real e a busca por alternativas de estocagem de eletricidade. O desenvolvimento de baterias de maior capacidade com menores custos é dos principais drives tecnológicos atuais do setor elétrico, o que também está sendo impulsionado pela difusão de carros elétricos.

O caso da Alemanha é ilustrativo. O objetivo da política energética alemã é a transição energética dos fósseis para as renováveis (a Energiewende). A meta é alcançar 35% de participação de fontes renováveis na geração de eletricidade em 2020 e 80% em 2050.  O desenvolvimento de capacidade de estocagem é considerado crucial para cumprir as metas. Atualmente, o país conta com participação de 22% de geração renovável e com 40 GWh de capacidade de estocagem em reservatórios de bombeamento. A intermitência das renováveis é administrada através de centrais termelétricas. A percepção dos especialistas é que essa forma de operação é muito custosa e não pode perdurar com a ampliação da participação renovável.

O esquema de complementação com fontes renováveis tem implicado em sub-remuneração de centrais termelétricas. As centrais que usualmente operavam na base, passaram a ser despachadas nos momentos de menor produção renovável e maior demanda. Por essa razão, a E.On, uma das maiores empresas de geração do mundo, anunciou em janeiro de 2013 a intenção de retirar de operação várias centrais a gás natural. Para evitar a saída de operação de centrais termelétricas convencionais, o governo alemão introduziu na legislação restrições ao desligamento de centrais de grande porte (Lang e Mutschler, 2013).

Uma das apostas da Alemanha é a estocagem através de hidrogênio. Bullis (2012) aponta que nenhuma outra forma de estocar eletricidade é capaz de alcançar a escala requerida pela difusão eólica e solar. No projeto piloto P2G (power to gas)  a eletricidade excedente proveniente de fontes renováveis é utilizada para produzir hidrogênio que é transformado em metano e utilizado para gerar eletricidade nos momentos de queda da produção de eletricidade renovável. O plano Energiewende prevê gastos em pesquisas relacionadas à geração de eletricidade de 3,5 bilhões de euros até 2014, sendo 200 milhões de euros orientados a pesquisas de estocagem de eletricidade (Schiermeier, 2013). A Siemens estima que para alcançar uma participação de renováveis de 85% seria necessário uma capacidade de estocagem de 30 TWh (Bullis, 2012).

A principal particularidade do setor elétrico brasileiro é a presença de reservatórios hidrelétricos de grande porte. Atualmente, o potencial de armazenamento de energia nos reservatórios de eletricidade do Sistema Interligado Nacional é de 208 TWh. Esse potencial equivale a 40% do consumo de eletricidade em 2012 ou, aproximadamente, cinco meses do consumo de eletricidade.

Ainda que a razão potencial dos reservatórios e demanda venha caindo nos últimos anos, com a entrada em operação de centrais com pouca ou nenhuma capacidade de acumulação, a marca é bastante significativa quando comparada a capacidade de estocagem de outros países e com demais produtos (qual outro bem da economia que dispõe de estoques tão representativos?).

A capacidade de estocagem brasileira é bem superior ao que se estima suficiente na Alemanha para suportar 85% de geração renovável. No entanto, no Brasil os reservatórios não cumprem o papel de administrar a intermitência das fontes eólica e solar. Historicamente, os reservatórios brasileiros foram usados para a complementação entre bacias e para reduzir o custo de operação.

Uma vez que parte dos reservatórios brasileiros é reservada a administrar a intermitência eólica e solar, essas fontes podem experimentar maior difusão no país. Hoje, a experiência internacional indica que a participação de 20% a 30% seria um limite de participação para essas fontes sem implicar em custos de backup proibitivos e sem fragilizar demasiadamente a operação do sistema.  Por contar com reservatórios, o Brasil poderia considerar metas mais ambiciosas para a difusão de geração eólica e solar.

É claro que dedicar reservatórios para esse fim tem implicações significativas operacionais e financeiras no funcionamento do sistema elétrico brasileiro. Primeiramente, por ter mais utilidade, a água represada nos reservatórios se torna mais valiosa. Assim, o regime de operação deve implicar em despacho menos frequente de centrais hidrelétricas e mais frequente de centrais das demais fontes. Os reservatórios tendem a operar com maior nível de acumulação, o que contribui para uma maior segurança do abastecimento.

Tal regime de operação, a princípio, implicaria em menores receitas para as centrais hidrelétricas, tendo impacto na definição de energia assegurada. Esse é um tema bastante sensível, pois a geração hídrica já perdeu parcela significativa de sua receita com a lei 12.783/2012. (…) O texto continua no Blog Infopetro.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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