Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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“Não vem ao caso”: não há debate sobre o setor elétrico, por Ronaldo Bicalho

Depois de mais de oitenta anos, o Estado resolve sair do setor, abandonando o seu papel histórico na garantia da segurança energética brasileira

Não há debate sobre o setor elétrico. Não vem ao caso.

Por Ronaldo Bicalho

1 – Se o Brasil vender seu parque hidroelétrico será o ponto fora da curva entre o seleto número de sistemas semelhantes.

Resposta: Não vem ao caso.

2 – Os dados mostram que nos últimos 25 anos o setor privado foi altamente dependente de BNDES e Eletrobras e não foi só os frigoríficos como o Paulo Guedes gosta de dizer.

Resposta: Não vem ao caso.

3 – A Eletrobras investiu nas distribuidoras, apesar de ter recebido esse presente de grego. Em algumas, o valor supera o prometido pelos que arremataram as empresas. Não vem ao caso.

Resposta: Não vem ao caso.

4- A tarifa está altíssima e não é só por que os impostos são altos. Só de energia de reserva, defeito do modelo, 155 bilhões de custo.

Resposta: Não vem ao caso.

5- A Eletrobrás tem o menor índice empregado/MW instalado comparada com as maiores empresas do setor.

Resposta: Não vem ao caso.

6- Vender ativos dá uma ilusão de que o investimento voltou ao Brasil, mas na realidade, não há expansão da oferta. Zero empregos criados. Já aconteceu em 2001.

Resposta: Não vem ao caso.

7- O Brasil é um país hidráulico. Neste momento não há solução definida para o risco hidrológico – que envolve uma disputa de bilhões de Reais. Trocando em miúdos, o país que obtém a sua eletricidade a partir da água não sabe o que fazer quando não chove.

Resposta: Não vem ao caso.

8- A grande panaceia para os problemas do setor é a ampliação do mercado livre. O problema é que o atual consumidor cativo das distribuidoras, segundo os projetos de lei que se encontram no Congresso, só terá acesso a esse mercado dez anos depois da aprovação da lei. Enquanto isso os grandes consumidores terão acesso à energia mais barata via o mercado livre. Como vêm tendo desde a criação desse mercado.

Resposta: Não vem ao caso.

9- A varinha mágica que vai permitir o mercado livre deslanchar é a separação entre lastro e energia. O problema que não é nada claro o que venha a ser isso. Falta de clareza muito bem-vinda, diante dos enormes interesses envolvidos na revisão das garantias físicas e na escolha de quem vai ficar com o prejuízo dessa revisão.

Resposta: Não vem ao caso.

10- Diante dos maiores desafios enfrentados pelo setor elétrico aqui e no mundo, face à transformação mais radical de toda a sua história, plena de riscos, incertezas e ameaças à segurança do abastecimento, o Estado brasileiro, depois de mais de oitenta anos, resolve sair do setor, abandonando o seu papel histórico na garantia da segurança energética brasileira, em um movimento sui generis no mundo atual.

Resposta: Não vem ao caso.

Na verdade, o que não vem ao caso é o País. O seu futuro e a sua gente.

 

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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