O buraco nas contas externas

Do Valor

O déficit externo é mais embaixo

Por Marcelo Carvalho

O buraco das contas externas do Brasil é mais embaixo do que normalmente se imagina. O saldo da balança comercial deve simplesmente evaporar este ano. Na verdade, o superávit comercial deve se transformar em déficit até o ano que vem, pela primeira vez em mais de uma década. O chamado déficit em conta corrente, ou o buraco das contas externas, deve atingir US$ 100 bilhões no ano que vem (cerca de 4% do PIB), e não será mais financiado plenamente pelo investimento externo direto (IED). Isso não ajuda em nada o cenário para a taxa de câmbio, que deve se desvalorizar significativamente contra o dólar.

Por muitos anos, foi uma festa. As contas externas do Brasil se beneficiaram de um cenário global extremamente favorável ao longo da última década. Os chamados termos de troca do país (ou a relação entre preço das exportações e preço das importações) melhoraram muito com a fome da China por commodities que o Brasil exporta, como soja e minério de ferro. De fato, estimamos que, desde 2003, a melhora dos termos de troca ajudou o déficit em conta corrente do Brasil em cerca de 3 pontos percentuais do PIB por ano, tudo o mais constante. Infelizmente, os anos dourados de preços de commodities em contínua expansão provavelmente ficaram para trás, pois a economia chinesa deve crescer a um ritmo menor nos próximos anos do que cresceu nos últimos anos.

Em outras palavras, o aumento persistente dos preços de commodities no mercado internacional não deve mais salvar a lavoura, e a balança comercial do Brasil agora começa a balançar. Como resultado, com uma taxa de câmbio relativamente valorizada e baixa produtividade doméstica, o crescimento do volume de exportação deve fraquejar, enquanto o volume de importação continua firme. Por sua vez, a chamada conta de serviços na conta corrente – tais como viagens internacionais – já está no vermelho faz tempo. O resultado final: clara piora no nosso déficit em conta corrente.

O desempenho das exportações brasileiras tende a continuar medíocre. O crescimento do volume não tem sido nada espetacular, graças a um crescimento global lento, uma taxa de câmbio relativamente valorizada e baixa competitividade doméstica. O aumento do custo do trabalho em meio a taxas de desemprego historicamente baixas, pressões salariais crescentes, baixos ganhos de produtividade, e gargalos de infraestrutura – tudo isso conspira contra o desempenho das nossas exportações. Por sua vez, o volume de nossas importações tem crescido fortemente ao longo dos anos, já que a demanda doméstica tem se expandido muito mais rapidamente do que a oferta.

O resultado: o saldo da nossa balança comercial piora. Além da balança comercial, outros itens da nossa conta corrente têm ficado por muito tempo no vermelho. Considere viagens internacionais, por exemplo. Com suas praias paradisíacas funcionando como um grande destino turístico internacional, o Brasil goza de um superávit robusto em sua conta de turismo, certo? Errado. Uma taxa de câmbio valorizada, combinada com uma forte demanda doméstica, tem levado brasileiros a gastarem dinheiro no exterior como nunca antes. Você sabe que a taxa de câmbio está valorizada demais quando lojas da 5ª Avenida em Nova York contratam vendedores que falam português para atender clientes brasileiros. Ou porque vôos de volta de Miami para São Paulo estão repletos de mães brasileiras grávidas com malas cheias de compras para seus bebês.

O leitor deve ter percebido a essa altura que estamos bem mais pessimistas do que o consenso do mercado sobre as contas externas do Brasil. O superávit comercial do Brasil vai desaparecer este ano, tornando-se um déficit até o próximo ano, pela primeira vez desde 2000. Esta visão é de fato significativamente pior do que o consenso de mercado, o qual vê o superávit comercial de US$ 19 bilhões do ano passado encolhendo para um saldo ainda positivo neste ano e no próximo.

O déficit em conta corrente, de US$ 54 bilhões no ano passado (2,4% do PIB), deve escorregar para cerca de US$ 100 bilhões até o ano que vem (cerca de 4% do PIB). Isso é bem pior do que a projeção do consenso de mercado, ou do próprio Banco Central, de um déficit de cerca de US$ 70 bilhões.

E a chamada conta capital, ou seja, o fluxo de dinheiro que financia o buraco das contas externas? O governo gosta de se vangloriar de que o investimento estrangeiro direto (IED) tem coberto integralmente o déficit em conta corrente nos últimos anos. Esses dias acabaram. O IED no ano passado foi de US$ 65 bilhões. O Banco Central espera uma repetição do mesmo valor neste ano, o consenso de mercado prevê US$ 60 bilhões neste ano e no próximo, mas o receio é que o IED pode sofrer caso aumente a preocupação no exterior quanto à intervenção do governo em vários setores da economia.

Com o IED não mais cobrindo o déficit em conta corrente, o balanço de pagamentos do Brasil terá de contar mais uma vez sobre fluxos de carteira – para desgosto das autoridades locais, que normalmente não gostam de fluxos de capital de curto prazo, ou “especulativos”. Talvez o governo tenha que aprender a gostar desses fluxos.

Claro, com reservas internacionais de quase US$ 400 bilhões, o Brasil tem um bom colchão para resistir a pressões sobre as contas externas. Ainda assim, um déficit em conta corrente crescente, e não mais coberto por IED, não traz boas perspectivas para a taxa de câmbio, que pode se desvalorizar rapidamente em relação ao dólar.

Em resumo, o déficit nas contas externas é mais embaixo do que se imagina.

Marcelo Carvalho é economista chefe do banco BNP Paribas

Luis Nassif

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