O déficit da indústria de média tecnologia

Do Valor

Déficit da indústria chega ao setor de média tecnologia

João Villaverde | De São Paulo
25/10/2010 

O déficit comercial da indústria brasileira chegou aonde nunca esteve: o segmento de média-baixa tecnologia. Esse setor, que sempre apresentou superávits e chegou a atingir saldo de US$ 8 bilhões nos primeiros três trimestres de 2006, registra neste ano um déficit de US$ 6,3 bilhões até setembro. É o primeiro saldo negativo do segmento e representa uma reversão de quase US$ 11 bilhões em apenas dois anos, pois em 2008 o setor teve superávit de US$ 4,6 bilhões no acumulado até setembro. Um passo à frente na escala de valor agregado, as fábricas de bens de média-alta tecnologia apresentaram o maior rombo entre os segmentos industriais: déficit de US$ 28,1 bilhões – 20% mais que em igual período de 2008, então o pior resultado do setor.

Os números, pertencentes a um levantamento realizado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento da Indústria (Iedi), são os mais fracos desde 1989, à exceção do segmento de baixa tecnologia, que apresentou superávit superior ao de 2009. A indústria de alta tecnologia, onde estão inseridos os segmentos de eletroeletrônicos, computadores, instrumentos médicos, produtos farmacêuticos e aviões, apresentou déficit de US$ 19,9 bilhões entre janeiro e setembro deste ano. 

OuniO único segmento que atenuou o rombo comercial da indústria foi o segmento produtor de bens com baixo teor tecnológico, que registrou superávit de US$ 28,6 bilhões – todo construído pelo saldo de US$ 24,2 bilhões dos fabricantes de alimentos e bebidas.

“A dimensão que esses déficits estão tomando são preocupantes. Ouço reclamações de praticamente todos os segmentos industriais”, diz Rogério César de Souza, economista-chefe do Iedi, e coordenador do levantamento, para quem o “péssimo” resultado comercial está assentado em dois pontos: o câmbio valorizado e a enorme oferta global de bens industrializados. Enquanto a valorização do real reduz a remuneração das exportações e torna os importados mais baratos, o cenário de fraco crescimento dos países industrializados aponta para uma corrida de promoções.

“Como não podem se fiar em seus mercados domésticos, as empresas de países ricos estão cortando preços de seus produtos, o que, combinado com o incentivo dado pelo câmbio, acaba produzindo um efeito de mão dupla”, explica Souza, em referência à importação atingindo altas históricas e às exportações decrescentes.

Há casos em que a combinação entre preços de bens industrializados em queda e câmbio valorizado compensa, inclusive, a carga de impostos que incide sobre o produto importado que conta com um similar nacional. “Já vemos isso ocorrendo claramente no setor de bens de capital”, diz Souza.

Os fabricantes de máquinas e equipamentos elétricos viram seu déficit duplicar em 2010 frente ao resultado dos últimos dois anos, atingindo US$ 4,2 bilhões no acumulado do ano até setembro. Já os produtores de máquinas e equipamentos mecânicos tiveram um saldo 31,4% pior neste ano que em igual período de 2009, registrando déficit de US$ 8,9 bilhões no acumulado de 2010.

As importações em alta também atingem o miolo da cadeia produtiva, os bens intermediários. O saldo comercial da indústria de produtos metálicos foi cortado pela metade duas vezes – dos US$ 8,9 bilhões de 2008 para os US$ 4,9 bilhões de 2009 e destes para os US$ 2,6 bilhões de 2010. “O fato de a economia estar crescendo muito joga uma cortina de fumaça sobre esse processo” diz o economista-chefe do Iedi.

Um exemplo é a indústria automobilística. As vendas internas de veículos aumentaram 10,8% no primeiro semestre deste ano frente a igual período de 2009, quando já havia aumentado 10% sobre o ano anterior. Os veículos importados, no entanto, vem ganhando maior peso no consumo interno – representavam 5% no primeiro semestre de 2005, e saltaram para 17% em igual período deste ano, segundo dados da Anfavea, associação do setor. As exportações também perdem força, tendo caído de 35% do total produzido entre janeiro e junho de 2005 para 20% em 2010.

“Isso é muito grave, quer dizer, quando passamos da importação de insumos para a importação de bens finais”, diz Nelson Marconi, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV). Marconi destaca que as empresas no Brasil estão fazendo o “hedge produtivo” em relação ao câmbio. Ao mesmo tempo em que reduz as receitas de exportação, o câmbio valorizado diminui os custos com importação de insumos, que passam a ganhar o espaço antes ocupado por um fornecedor nacional. Para o economista, a importação de peças e insumos para produção ou montagem, “desmontam” a cadeia produtiva, enquanto a compra de bens finais do exterior “desindustrializa” diretamente, uma vez que uma fábrica deixa de produzir e passa a revender os bens comprados de fora.

“Falaram muito de uma mexicanização política no Brasil, sobre a perpetuação do PT no poder como o PRI no México, mas o que há de fato é uma mexicanização econômica do Brasil”, avalia Marconi, em referência ao processo pelo qual passou o México a partir de 1988, quando o governo de Salinas de Gortari permitiu uma forte valorização cambial, que barateou os importados, que passaram a ser “maquiados” pela indústria local.

Souza, do Iedi, avalia que a redução das taxas de juros resolveria dois problemas de uma vez. Não só reduziria a valorização do real, como diminuiria o diferencial com as taxas de juros internacionais, que estão próximas a zero em países como Estados Unidos e Japão – no Brasil, os juros básicos estão em 10,75% ao ano. “O industrial, lá fora, toma empréstimos a juro zero para investir e aumentar a produção, o que, por si só, já deixa o produto mais barato. Em seguida, ele aceita fazer todo tipo de promoção de preços, porque não há tantos compradores. Como competir com isso?”, questiona. 

Luis Nassif

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