O falso otimismo do ministro para comemorar o recorde que não houve, por Lauro Veiga Filho

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Guedes manipula estatísticas do mercado de trabalho para apontar recuperação “vigorosa” (e mentirosa) da economia quando a pandemia já estava descontrolada

Agência Brasil

O falso otimismo do ministro para comemorar o recorde que não houve

por Lauro Veiga Filho

O ministro dos mercados e eventualmente da Economia, Paulo Guedes, resolveu fazer uma surpresa aos jornalistas que cobriam a divulgação das estatísticas de janeiro do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), na semana passada, e apareceu sem anúncio prévio na coletiva armada por seu ministério naquela terça-feira, 16. Informado com antecedência, evidentemente, o senhor ministro desembarcou na sala de imprensa disposto a soltar rojões para comemorar a “histórica” demonstração de vigor da economia ao alcançar, em janeiro deste ano, a marca de 260,35 mil empregos formais abertos no mês.

Afinal, tratava-se, como deixava bem nítida a apresentação feita pelo Ministério da Economia naquele dia, do melhor resultado colhido pelo emprego formal para o mês em três décadas, ou seja, desde 1992. Para comparação, o saldo entre contratados e demitidos em janeiro do ano passado havia se limitado a 117,79 mil vagas, com 1,508 milhões de admissões e 1,390 milhão de demissões. A divulgação e seu formato causaram estranheza entre aqueles que acompanham a economia mais de perto, especialmente numa fase em que os casos de contágio e de mortes causadas pelo Sars-CoV-2 começavam nova escalada, as famílias vulneráveis haviam perdido o auxílio emergencial, que deixou de ser pago em dezembro, com queda nas vendas do varejo e taxas de desemprego muito acima da média histórica.

Mas foi suficiente para o ministro exercitar sua capacidade histriônica de distorcer a realidade. Para Guedes, o dado reafirma de forma inequívoca a forte recuperação em curso na economia e mostra, ainda, que o Brasil sai de uma recessão pela primeira vez com avanço do emprego formal. O recorde no saldo entre contratações e demissões, no entanto, mostrou-se uma farsa, articulada para enganar o público em geral e tentar esconder a catástrofe humanitária que este desgoverno vem impondo ao País.

Manipulação escancarada

Na prática, os números do mercado formal de trabalho têm sido inflados pela inclusão de empregados temporários, antes opcional e agora obrigatória no chamado “Novo Caged”, em vigor desde janeiro do ano passado. O antigo Caged foi substituído pelo Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), com informações mais amplas sobre o mercado de trabalho. As duas séries de dados, como adverte o economista Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), em texto publicado na terça-feira, 23, no Blog do Ibre, não são comparáveis e podem levar, portanto, a conclusões equivocadas sobre o cenário atual naquela área.

Ottoni considera “errada” a prática “que vem sendo adotada pelo Ministério da Economia” ao divulgar os dados mensais do Caged. “A prática consiste em comparar os dados da nova série do Caged, iniciada em janeiro de 2020, com os números da série antiga, que se encerrou em dezembro de 2019”, reforça ele. Esse tipo de comparação, sem qualquer ajuste estatístico, prossegue o economista, não só não é recomendável como “pode conduzir a erros graves”. 

O ministro e sua equipe não sabiam disso? Basta ler a nota técnica divulgada em 27 de maio de 2020 pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, comandada pelo senhor Guedes: “Quanto à cobertura, é importante destacar que a declaração dos vínculos temporários no Caged é opcional, enquanto no eSocial é obrigatória. Assim, o volume de movimentações no eSocial, na média, tende a ser superior àquelas verificadas historicamente no Caged, uma vez que neste sistema, além dos vínculos temporários serem subdeclarados, não é possível discernir esse vínculo dos demais”.

Parece claro, não? Mas a nota faz questão de acrescentar, em um rodapé, a informação que se segue: “Uma análise a partir dos dados da RAIS 2017 e 2018 (quer dizer, da Relação Anual de Informações Sociais) mostrou que apenas 17% dos vínculos temporários foram informados no Caged nesses mesmos anos”. Quer dizer, a “margem de erro” entre a antiga e a nova série estatística pode superar os 80%.

Derrubando a versão oficial

O pesquisador do Ibre, no entanto, recorre a dados do próprio Ministério da Economia, referentes ao período entre abril e dezembro de 2019, que permitem comparar as estatísticas apuradas em cada uma das duas séries, representadas pelo “velho” e pelo “novo” Caged. Ottoni compara o saldo de empregos formais (a diferença entre contrações e demissões). Em abril de 2019, aponta ele, o Caged “antigo” indica a criação de 125,25 mil empregos formais, diante de 192,03 mil registrados pela série mais recente, baseada nas informações do eSocial. O mercado criou, na verdade, 66,786 mil empregos a mais do que o anotado com base na metodologia antiga. “Em termos percentuais isso significa um saldo 53,3% maior na série nova comparativamente a antiga”, acrescenta ele.

Poderia ser uma ocorrência isolada? Ottoni mostra que não. Em sua investigação, ele conclui que as diferenças não foram exceção, mas a norma. Em maio do mesmo ano, “a série nova apresenta uma geração de postos formais de trabalho que chega a ser 361,0% maior do que aquela encontrada no mesmo mês para a série antiga”. No acumulado entre abril e dezembro ainda de 2019, a série antiga registra 410,84 mil contratações novas, já descontados os desligamentos. Mas, na séria nova, o saldo chega a 715,17 mil aproximadamente, numa diferença de 74,1% (ou seja, 304,33 mil vagas a mais).

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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