O investimento público na América Latina

Do Outras Palavras

América Latina: o lento regresso do Estado

 
Cepal critica cortes de investimento em épocas de baixo crescimento e garante: poderíamos universalizar pensões para idosos sem estourar contas

Por Tadeu Breda | Imagem: Julio Alpuy

O investimento público — ou seja, dinheiro do Estado, que vem dos impostos que todos nós pagamos — aumentou na América Latina. Mais do que isso, em 2008 e 2009, os governos da região bateram um recorde ao injetar na economia 28,8% do Produto Interno Bruto (PIB) continental, maior valor já registrado nos últimos 20 anos. Apesar disso, o nível dos gastos públicos tem se matido relativamente estável desde 1990. Os investimentos sociais, porém, cresceram bastante. Se há duas décadas representavam 11,3% do PIB, atualmente absorvem 17,9%. Hoje em dia, a área social — educação, saúde, habitação, saneamento etc. — fica com a maioria dos recursos estatais: 62,2%.

As cifras constam do relatório Panorama Social 2011, publicado pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), órgão das Nações Unidas sediado em Santiago do Chile. Tanto número para dizer que, sim, nossos governos estão investindo mais e, sim, tais investimentos foram importantíssimos para que a recessão internacional atingisse os cidadãos latino-americanos com menos força. “Numa tentativa inédita para resistir aos efeitos da crise financeira, a maioria dos países da região tomaram medidas de aumento do gasto público para manter ativas as economias locais e regionais, conter o aumento do desemprego e da pobreza”, diz o relatório.

De acordo com a Cepal, as ações de combate à crise se deram em duas frentes. No campo fiscal, os governos da América Latina dimunuíram impostos, aumentaram subsídios e benefícios tributários e aumentaram ou anteciparam os investimentos públicos. No âmbito social e produtivo, destacam-se a destinação de mais verbas para a construção de habitações e realização de serviços de água e saneamento básico, além do fomento a pequenas e médias empresas (as que mais geram trabalho) e ao setor agropecuário, facilitando a concessão de créditos e alargando prazos. Isso sem esquecer do fortalecimento dos sistemas de transferência de renda (tipo Bolsa Família, modelo replicado em outros países) e das políticas trabalhistas, como seguro desemprego, subsídios a novas contratações e programas de emprego.

Panorama Social 2011 explica que, como frenquentemente acontece no mundo, os investimentos públicos no continente flutuam de acordo com a situação econômica dos países: quando as coisas vão bem, o Estado gasta mais; quando vão mal, gasta menos. É o que no jargão se conhece como medidas pró-cíclicas, ou seja, ações que acompanham a corrente geral da economia. O governo se comporta como um cidadão comum, que aperta o cinto quando, por exemplo, perde o emprego, mas resolve consumir mais ao receber uma promoção e ganhar um salário melhor.

A Cepal, porém, diz que os países não deveriam agir assim. E sugere que os investimentos sociais jamais deixem de existir ou sequer sejam diminuídos. “O gasto público deveria serpró-cíclico nas fases de prosperidade, expandindo gastos que permitam generalizar o exercício de direitos sociais — cuidando a sustentabilidade de seu financiamento a longo prazo —, e anti-cíclico nos períodos de freio no crescimento econômico”, afirma o relatório. Traduzindo: gastar na época de vacas gordas e continuar gastando nas vacas magras, mas sem deixar que as contas explodam.

Entre 1991 e 2009, a Cepal registrou 48 ocasiões em que os países da América Latina reduziram investimentos sociais devido a quedas na taxa de crescimento econômico. Em 42 delas, ou 88% dos casos, a queda do PIB foi menor do que os cortes de gasto. Ou seja, para seguir a tendência do mercado, cortou-se além do que era necessário. “Os ajustes que geralmente se aplicam sobre os gastos públicos e sociais por causa das diminuições no ritmo de crescimento afetam negativamente os mesmos processos que se pretende salvaguardar mediante o manejo fiscal prudente”, explica o Panorama Social 2011. Em outras palavras, isso significa que, de acordo com a Cepal, reduzir os investimentos sociais em épocas de baixo crescimento prejudica a economia ao invés de preservá-la das turbulências.

Todos os países da América Latina registraram aumento nas taxas de investimento social nos últimos 20 anos. Alguns mais do que outros. O destaque fica com Cuba, cujo governo é o que mais gasta em políticas de bem-estar destinadas à população: os cofres de Havana arcam com aporoximadamente 2 mil dólares para as despesas sociais de cada habitante. No Brasil, a cifra não ultrapassa os 1,4 mil dólares per cápita.

A área mais beneficiada pelo recorde de investimentos públicos na região foi a seguridade e assistência social, que, sozinha, consumiu 7,9% do PIB em 2009. A educação ficou em segundo lugar, com 4,9%. Saúde, saneamento básico (água e esgoto) e habitação ficaram na lanterna, de acordo com o relatório, devido “à progressiva privatização dos investimentos em infraestrutura sanitária e à externalização da execução de programas de moradia social, que combinaram financiamento público e privado das unidades habitacionais por meio do acesso a mecanismos hipotecários”.

Por fim, a Cepal oferece dados econômicos que rechaçam a ideia de que o sistema previdenciário da América Latina esteja correndo sérios riscos de entrar em colapso. “A maioria dos países da região teria disponibilidade financeira superior ou muito superior aos compromissos associados ao pagamento de pensões e aposentadorias”, defende oPanorama Social 2011. “Com os níveis de filiação à seguridade social e cobertura atual das aposentadorias e pensões, apenas cinco países geram ou gerarão déficit anual até 2030.” De acordo com o informe, o Brasil, por exemplo, possuirá no ano que vem um saldo positivo de 3,6% do PIB ao confrontar gastos e rendimentos previdenciários. Em 2030, o rescaldo, embora menor, permaneceria positivo, na ordem de 0,3% do PIB.

Com os números em mãos, o organismo da ONU vai ainda mais longe e afirma que é viável inclusive a existência de uma pensão universal para todos os idosos latino-americanos, independentemente do fato de cumprirem as exigências legais para requisitar aposentadoria. “O custo médio para disponibilizar cobertura universal em 2012 é de 1,7% do PIB, e esta porcentagem baixaria a 1% do PIB se restringirmos o benefício para idosos em situação de vulnerabilidade.” –@tadeubreda

Luis Nassif

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