O operador que causou um prejuízo de US$ 2 bi para o UBS

Do Valor

A ambição desmedida do operador do UBS

Por Edward Robinson | Bloomberg

Quando Oswald Grübel, então principal executivo do UBS, desembarcou do avião em Zurique no anoitecer de 14 de setembro de 2011, tinha uma mensagem urgente em seu celular do diretor do banco de investimento da instituição, Carsten Kengeter. As décadas de experiência de Grübel em finanças lhe diziam que isso só poderia significar más notícias, relembrou ele em entrevista concedida em outubro de 2012.

“O que está acontecendo?”, perguntou ele a Kengeter.

“Desta vez está acontecendo mesmo…”, respondeu Kengeter.

“É mais que um bilhão?”

“São dois.”

Kengeter disse a Grübel que um jovem operador de Londres chamado Kweku Adoboli tinha acumulado mais de US$ 8 bilhões em posições não autorizadas em contratos futuros atrelados a índices de ações e que as tinha ocultado com falsas operações de hedge. As apostas de Adoboli causaram um prejuízo de US$ 2,3 bilhões, no maior caso de transação ilícita da história do Reino Unido.

Grübel, de 69 anos, tinha deixado sua situação de aposentado em fevereiro de 2009 para reconstruir o UBS, depois da sangria de mais de US$ 50 bilhões sofrida pela instituição com o colapso dos contratos de crédito imobiliário subprime. Ele ficou desalentado com o golpe sofrido na reputação do banco após a prisão de Adoboli, em 15 de setembro de 2011. Três dias depois, o principal executivo da instituição se ofereceu para deixar o cargo afim de minimizar os danos e, em 24 de setembro, o conselho de administração aceitou seu pedido de demissão.

Durante 11 semanas de julgamento, um ano depois, Adoboli, de 32 anos, argumentou que nunca planejara enganar o banco e que tinha simplesmente perdido o controle sobre suas transações. Em 20 de novembro, um júri de Londres declarou-o culpado de duas acusações de fraude e inocente de quatro acusações de contabilidade falsa. Ele foi condenado a sete anos de prisão.

A derrocada de Adoboli é a história de como um jovem orgulhoso mentiu para seus colegas e para si mesmo para chegar à glória nos pregões da City de Londres. Seu caso também joga luz sobre o ambiente de permissividade que contribuiu para puxar o setor de banco de investimento da City para sua mais grave sucessão de escândalos em várias gerações.

“Temos uma cultura que deixou de punir de forma significativa as pessoas por falta de integridade”, diz Jon Moulton, presidente do conselho de administração da empresa de investimentos Better Capital, sediada em Londres. “Ao invés disso, elas são promovidas. Trata-se de ganhar dinheiro e não se preocupar com o resto.”

Depois que a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher desregulamentou o setor financeiro, como parte de sua política definida pelo pacote conhecido como Big Bang, em 1986, mais de 175 empresas financeiras estrangeiras chegaram à City e a transformaram no maior centro internacional de operações bancárias. Os órgãos reguladores confiaram por muito tempo que a City, em grande medida, se autopoliciava.

Adoboli, com sua voz melosa de ator de teatro, entrou nesse meio recém-saído da faculdade. A exemplo de tantos jovens brilhantes que acorreram a Londres para tentar a sorte, Adoboli, nascido em Gana, ficou fascinado com a vida de operador.

Por dia, ele e seus colegas do UBS apostavam milhões de dólares em ações, em busca de bônus de seis dígitos. À noite, entupiam os bares dos arredores da Liverpool Street Station para compartilhar histórias de suas vitórias – e dos prejuízos – com transações.

Adoboli praticava o “spread betting” com índices de valores mobiliários, uma atividade legal de sucesso junto aos jovens operadores de Londres, e torrou 123 mil libras esterlinas (US$ 198 mil) nesse tipo de aposta, baseada na concretização ou não de uma previsão. Quando dava festas em seu flat de luxo em Whitechapel, presenteava seus vizinhos com garrafas de champanhe como forma de se desculpar pelo barulho.

O modo de vida desregrado em Londres foi pelos ares em 2008, quando a crise do subprime devastou as demonstrações financeiras dos grandes bancos e obrigou os contribuintes a socorrerem o Royal Bank of Scotland (RBS). Agora os órgãos reguladores britânicos e os Estados Unidos expuseram outras práticas autodestrutivas.

A investigação intercontinental da suposta manipulação generalizada da taxa interbancária Libor revelou como os operadores de Londres, Nova York e Tóquio manipularam um dos instrumentos mais importantes das finanças mundiais por vários anos. O Barclays, sediado em Londres, pagou US$ 450 milhões em multas por falsificar a Libor. E o RBS, sediado em Edimburgo, na Escócia, se prepara para encerrar com acordo acusações semelhantes.

Em 19 de dezembro, autoridades de Suíça, Reino Unido e Estados Unidos anunciaram que o UBS, sediado em Zurique, vai pagar cerca de US$ 1,5 bilhão em multas por manipular a Libor e outras taxas referenciais. Sua divisão japonesa aceitou declarar-se culpada por crime de fraude eletrônica. No UBS, Adoboli se viu num lugar em que a temeridade parecia ser a norma e seguir as regras parecia ser opcional, segundo seu depoimento de novembro. Ele e outros operadores muitas vezes estouravam seus limites de risco, com pouca interferência por parte dos supervisores.

Aos 30 anos, John Hughes, colega de Adoboli, foi autorizado a atuar como operador-chefe na mesa de fundos negociados em bolsa (ETFs, pela sigla em inglês) apesar de ter deixado, por 17 vezes, de concluir o treinamento exigido pelos supervisores.

Hughes, que declarou em seu depoimento ser preguiçoso, gostava de apostar o capital do banco no que ele denominava “transações de máquinas caça-níqueis”, apostas direcionadas não protegidas em ações, baseadas em pouco mais do que um palpite. Nesse ambiente, Adoboli desqualificou as políticas do UBS formuladas por escrito como obstáculo ao sucesso.

“Havia uma diferença entre a política traçada e a prática”, disse ele em seu depoimento. “Se você permanecesse fiel às políticas pré-determinadas, não ganhava dinheiro. Era simples assim.”

Adoboli ascendeu em menos de três anos de auxiliar administrativo para operador responsável por dezenas de milhões de dólares. Seu pai, John, era diretor de pessoal da Organização das Nações Unidas (ONU) e treinava funcionários para missões de manutenção da paz.

Na infância, Adoboli se deslocou com a família de Gana para Damasco, passando por Jerusalém, antes de entrar para um internato na Inglaterra. Ao se formar na Universidade de Nottingham, em 2003, com bacharelado em ciência da computação e administração, foi trabalhar na área de apoio administrativo do banco de investimento do UBS. Nos três anos seguintes, aprendeu como as transações que fluíam através de programas de computador eram contabilizadas e compensadas. “Ele se tornou íntimo conhecedor de como funcionavam os controles contábeis dos bancos”, disse a procuradora Sasha Wass no tribunal. “Ele sabia que tipo de ocorrências disparavam os alarmes e como evitar que isso acontecesse.”

Adoboli estava empolgado por trabalhar no banco. Em meados da década de 2000, o UBS estava se expandindo na área de vendas e transações com valores mobiliários como parte da tentativa de Marcel Ospel, o presidente de seu conselho de administração na época, de transformar a empresa no maior banco de investimentos do mundo. “Era um lugar cheio de oportunidades, no qual, se continuasse a me esforçar no trabalho, eu poderia alcançar algo de que me orgulhasse”, disse Adoboli no tribunal.

Adoboli saltou da área de apoio administrativo para o pregão em setembro de 2006. Dentro de um ano, Adoboli e Hughes receberam a responsabilidade de administrar por conta própria a mesa de ETF por vários meses.

A dupla, que tinha 30 meses de experiência combinada em transações, comprava e vendia ETFs, contratos futuros e de swap referenciados em índices de ações para clientes e para as contas de tesouraria do UBS. Adoboli estava surpreso com a autoridade e o poder sobre o mercado que ele de repente passara a possuir. “Fomos infantis”, disse ele no depoimento.

Em 2009, o diretor-executivo Ronald Greenidge assumiu a supervisão da mesa de ETF, acumulando essa responsabilidade a suas outras funções, de supervisão das transações europeias no mercado à vista. Greenidge desenvolveu um relacionamento paternal com Adoboli e confiava que ele não ultrapassaria o limite diário de risco de US$ 50 milhões, segundo o depoimento de Adoboli.

Quando Greenidge recordou esse período em seu depoimento, ele ficou tão nervoso que quase desmaiou no banco das testemunhas, quando Adoboli, sentado na mesa da defesa, chorou.

Greenidge, um veterano com 19 anos no UBS, contava com o controle de riscos do banco para manter seus dois jovens operadores sob controle. Eles eram obrigados a assumir hedge contra qualquer operação que pusesse em risco o capital próprio do UBS. Operações a descoberto (sem hedge) apareceriam em um sistema monitorado pelo departamento de contabilidade.

Adoboli chegava à sua mesa antes de 7 da manhã na maioria dos dias e às vezes trabalhava até tão tarde que dormia no escritório. Seu talento para explicar as complexidades dos ETFs em linguagem compreensível tornou-o popular entre o pessoal de vendas e clientes do banco. O operador participou de um programa de treinamento de liderança denominado Ascent.

De 2007 a 2010, a remuneração anual total de Adoboli quadruplicou, chegando a 360 mil libras.

Quando o sistema financeiro mundial sofreu um abalo em outubro de 2008, Adoboli teve um prejuízo relativamente pequeno de US$ 400 mil na conta do cliente. Em vez de assumir o prejuízo, ele registrou uma falsa operação de hedge envolvendo o índice FTSE 100 (UKX) que demonstrava um lucro de US$ 400 mil. Graças a seu conhecimento do funcionamento do back-office, o operador sabia que seu hedge fictício ocultaria seu prejuízo.

Todavia, Adoboli também sabia que a aposta somente funcionaria por um breve período, pois a perda de US$ 400 mil acabaria por aparecer no balanço da mesa de operações, disse o promotor Wass.

Por isso, ele começou a falsificar operações de hedge para suas outras transações reais e a injetar os lucros num “caixa dois”. Então, ele começou a alimentar aos pouquinhos o dinheiro de volta à contabilidade de sua mesa de operações para cobrir o prejuízo original de US$ 400 mil.

Ele apelidou sua invenção de “o guarda-chuva”.

À medida que foi usando o guarda-chuva para cobrir seus prejuízos e incrementar os lucros no decorrer do ano seguinte, Adoboli o considerou como uma inovação financeira e não um esquema desonesto. “Às vezes, para realizar alguma coisa, você tem que experimentar”, disse ele, de queixo empinado, agarrado às laterais do pódio das testemunhas.

Adoboli ficou ainda mais ousado quando Grübel anunciou, em novembro de 2009, que o UBS estava pronto para voltar à ofensiva após sobreviver ao desastre do subprime com uma ajuda de 6 bilhões de francos (US$ 5 bilhões) do governo suíço. Grübel disse que o UBS tinha uma meta de lucro (antes de impostos) de 15 bilhões de francos em três a cinco anos.

“A oportunidade pode aparecer apenas uma vez, mas vamos fazê-lo, não vamos descansar”, disse Grübel em um vídeo corporativo que levou Adoboli às lágrimas quando foi exibido durante o julgamento. Adoboli interpretou os comentários como uma autorização para assumir mais riscos. “O clima no UBS estava mais confiante”, depôs ele. “Era algo do tipo precisamos nos empenhar mais, vamos forçar os limites.”

Em janeiro de 2011, disse Adoboli em seu depoimento ao tribunal, ele tinha ficado tão confiante em que seu esquema do “guarda-chuva” poderia incrementar o desempenho da mesa de operações que revelou seu segredo a Hughes e a dois operadores juniores, Simon Taylor e Christophe Bertrand. “Muitas vezes chove, então eu montei um guarda-chuva”, escreveu Adoboli em um e-mail a Hughes naquele mês.

Ao enfrentar a turbulência diária dos mercados, os operadores tornam-se irmãos de combate. Eles apelidaram Bertrand, um francês intenso com uma “pinta de astro do cinema”, de “Bateman”, numa referência ao banqueiro de investimentos “serial killer” do filme “American Psycho”, de 2000. Hughes admirava o apetite de Adoboli para operações de alto risco e o qualifcava como “lenda” nas inúmeras salas de bate-papo na internet por eles compartilhadas.

“Estou contente por ter alguém na retaguarda com tanta ousadia”, escreveu Hughes a Adoboli no início de 2011.

Hughes, que sentiu-se culpado por contar a Greenidge que Adoboli tinha avançado além de seu limite de risco em dezembro de 2010, optou por não denunciar a existência de seu “caixa dois”. Hughes ainda estava nervoso.

“Nós vamos ser demitidos por causa do guarda-chuva”, ele escreveu a Adoboli em março 2011. “Veja a semana passada toda, você não consegue parar. Só há uma maneira de fazer você parar, mas eu não vou fazer isso.”

Adoboli, Hughes e Taylor referiam-se ao “caixa dois” como “Rihanna”, numa referência ao sucesso, “Umbrella” da popstar. “Libere um pouco da Rihanna”, escreveu Hughes a Adoboli quando precisava de um empurrão de liquidez. Em março de 2011, Adoboli disse a Hughes que a mesa de operações estava positiva em US$ 6,2 milhões até aquele momento.

Em abril, a mesa foi transferida da unidade de Greenidge para a equipe Global Synthetic Equities. Ela acumulou US$ 60 milhões em lucros até 30 de junho, mais de cinco vezes o que a mesa tinha ganho em 2010 inteiro.

Sem o conhecimento de seus três colegas de mesa de operações, Adoboli começou a fazer grandes apostas direcionais em junho e a ocultá-las com falsas operações de hedge.

Quando suas operações foram para o brejo, ele entrou em pânico. Negativo em US$ 50 milhões em 1º de julho, ele trocou suas posições nos índices Standard & Poor’s 500 e Euro-Stoxx 50 de vendidas para compradas em US$ 1 bilhão. O S&P 500 caiu 16,4% entre 1º de julho e 8 agosto, enquanto o presidente Barack Obama brigava com os republicanos no Congresso para elevar o limite de endividamento do governo americano e a S&P rebaixou a nota de crédito dos EUA.

Desesperado para recuperar seus crescentes prejuízos, Adoboli continuou aumentando suas apostas, até que em 8 de agosto seu risco chegara a US$ 12 bilhões. Para o UBS a mesa parecia exposta em apenas US$ 2,3 milhões. “Eu tinha perdido o controle”, disse ele no tribunal.

Em meados de agosto, o contador William Steward começou a perguntar a Adoboli por que seus hedges não estavam “fechando”. Durante as cinco semanas seguintes, Adoboli manteve Steward a distância, fabricando histórias complicadas sobre a complexidade de suas operações.

Segundo depoimento de Adoboli no tribunal, ele contou a Hughes, Taylor e Bertrand sobre seus prejuízos em agosto. Também no tribunal, todos os três testemunharam não conseguirem se lembrar de ter conversado com Adoboli sobre suas operações secretas.

Em 14 de setembro, Adoboli percebeu a impossibilidade de persistir com sua fraude e teria de confessar que suas contrapartes eram fantasmas. Ele foi até uma igreja próxima ao UBS e orou.

De sua casa, naquela tarde, ele enviou um e-mail para Steward revelando sua fraude. Então, retornou ao edifício de aço negro do UBS na City para relatar toda a sua história perante os advogados e executivos do banco durante 10 horas. Às 3h30 da madrugada de 15 de setembro, ele foi preso pela polícia da City de Londres. (Tradução de Rachel Warszawski e Sérgio Blum)

Luis Nassif

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