O risco da desindustrialização

Do Valor

Especialistas se dividem sobre ameaça à indústria

Sergio Leo, de Brasília
15/07/2010

O debate sobre a possivel desindustrialização do país divide economistas e empresários e é provocado pela valorização do real, pelo aumento recorde nas importações e pela insatisfação de associações industriais com empresas em dificuldades. Os indicadores da indústria parecem contrariar a tese: o emprego em maio cresceu em 15 das 18 regiões pesquisadas pelo IBGE e aumentaram o número de horas trabalhadas, os investimentos, o faturamento e a ocupação das fábricas. Mas cresce também o componente importado nos produtos, e dirigentes empresariais afirmam que o vigor industrial é desigual e ameaça acabar.

A maioria dos especialistas reconhece como ameaça o aumento de importações e a perda de competitividade das empresas no país. Essa, tem crescido principalmente graças ao apoio do governo e ao abrupto crescimento do mercado interno nos últimos meses. Um consenso é a necessidade de medidas de melhoria da infraestrutura de produção e exportação, de redução de tributos e de mecanismos para favorecer a inovação, sem a qual será impossível sobreviver à competição estrangeira. Não há certeza, porém, sobre o futuro da indústria.

“Essa é uma área em que, como muita coisa em economia, assim é, se lhe parece”, ironiza o economista Régis Bonelli, autor, com Samuel de Abreu Pessoa, de um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) sobre “Desindustrialização no Brasil”. Bonelli está entre os que acreditam que os dados disponíveis no país não confirmam a desindustrialização. Admite que existe o risco, mas considera remoto. Há uma tendência mundial de perda de importância da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) dos países, até na China, onde é alta a parcela industrial do PIB, argumenta.

No eNo estudo da FGV, ele mostra que as flutuações no desempenho da indústria têm acompanhado fatores conjunturais, como as crises externas, e defende, apoiado em estatísticas mundiais, que, além de próxima ao padrão internacional, a perda real de participação da indústria no PIB do Brasil, foi pequena, de apenas cinco pontos percentuais do PIB desde a década de 70 – a perda de emprego no setor industrial foi mais forte no período liberalizante da década de 90 e reduziu-se desde então.

Bonelli defende que, embora o dólar desvalorizado afete a competitividade da indústria, a única maneira de superar esse problema seria aumentar a taxa de poupança no país, com políticas de menor gasto público, por exemplo. Como Bonelli, os céticos em relação à tese da desindustrialização citam os dados de crescimento da indústria no Brasil, especialmente os de produção de máquinas e equipamentos, como prova da resistência do setor industrial, apesar da maior presença de bens primários, como soja e ferro na pauta de exportações.

“As estatísticas não informam verdadeiramente o que ocorre; ainda não apareceram os efeitos da perda de mercado para os importados”, discorda o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato. “O crescimento que ocorre é em relação à pior base histórica em 30 anos”, concorda o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luis Aubert Neto. Os empresários têm apoio de economistas como Nélson Marconi e Fernando Barbi, da FGV, para quem a menor importância da indústria, no PIB e nas exportações, veio cedo demais e ameaça tornar o país excessivamente dependente de produtos de menor valor agregado, com menor geração de emprego e renda.

Para o Instituto Econômico de Desenvolvimento Industrial (Iedi), os últimos dados sobre o crescimento da indústria mostram, na maioria das regiões, desaceleração no crescimento verificado recentemente; a cada mês, o aumento da produção é inferior ao mês anterior, e, em maio, houve queda em relação a abril.

A emergência da China como grande poder econômico é menção obrigatória no debate sobre as ameaças à indústria, e é, paradoxalmente, o que leva o economista Antônio Barros de Castro, um dos maiores especialistas em indústria e desenvolvimento no país, a afirmar que o Brasil “não corre risco de desindustrialização”. O país, com sua indústria diversificada, grau razoável de proteção tarifária e políticas governamentais ativas, tem condições de prevenir a deterioração do parque industrial, acredita o economista.

“Investimentos estão sendo anunciados, o que prova que o país tem oportunidades mesmo com o câmbio atual (real valorizado em relação ao dólar)”, diz Barros de Castro. Ele alerta, porém, que a imensa competitividade chinesa obrigará todos os países a remodelar seu parque industrial, buscando vantagens competitivas. “O ponto central é que tem de haver transformação na indústria, não mais do mesmo”, defende Barros de Castro. “Não há risco de industrialização, mas o coeficiente de sobrevivência da indústria será afetado por políticas mais preservadoras ou menos preservadoras”, avalia.

Entre os que negam o risco de desindustrialização há quem ressalte a necessidade de políticas específicas do governo, como Barros de Castro, os que acreditam que a ênfase deve ser em políticas microeconômicas, como Bonelli, que defende estímulos à inovação e ajustes de eficiência nas empresas, e os que chamam atenção para a capacidade de adaptação das empresas brasileiras, que, como defende o economista-chefe do Bradesco, Octávio de Barros, poderia ser “potencializada” com melhores políticas de infraestrutura, educação e tributos, por exemplo.

“O que ocorre muitas vezes com algumas empresas, e até mesmo setores, diante da maior inserção do Brasil na economia global, é um penoso processo de reestruturação, que pode gerar custos econômicos e sociais elevados”, diz Octávio de Barros. “Não quer dizer, contudo, que o tecido industrial corra o risco de definhar”. Baseado nas pesquisas com empresas industriais feitas por sua equipe, ele afirma que o “patamar ótimo” de câmbio para os exportadores reduziu-se nos últimos anos. “O câmbio não é o problema em si, mas é apontado como tal porque desnuda as ineficiências da economia brasileira, tais como o sistema tributário e a infraestrutura”, insiste. 

Luis Nassif

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