O Voto do Nordeste

O VOTO DO NORDESTE: para além do preconceito

Tânia Bacelar de Araujo*

A ampla vantagem da candidata Dilma Rousseff no primeiro turno no Nordeste reacende o
preconceito de parte de nossas elites e da grande mídia face às camadas mais pobres da
sociedade brasileira e em especial face ao voto dos nordestinos. Como se a população mais
pobre não fosse capaz de compreender a vida política e nela atuar em favor de seus
interesses e em defesa de seus direitos. Não “soubesse” votar.

Desta vez, a correlação com os programas de proteção social, em especial o “Bolsa
Família” serviu de lastro para essas análises parciais e eivadas de preconceito. E como a
maior parte da população pobre do país está no Nordeste, no Norte e nas periferias das
grandes cidades (vale lembrar que o Sudeste abriga 25% das famílias atendidas pelo “Bolsa
Família”), os “grotões”- como nos tratam tais analistas ? teriam avermelhado. Mas os
beneficiários destes Programas no Nordeste não são suficientemente numerosos para
responder pelos percentuais elevados obtidos por Dilma no primeiro turno : mais de 2/3 dos
votos no MA, PI e CE, mais de 50% nos demais estados, e cerca de 60% no total ( contra
20% dados a Serra).

A visão simplista e preconceituosa não consegue dar conta do que se passou nesta região
nos anos recentes e que explica a tendência do voto para Governadores, parlamentares e
candidatos a Presidente no Nordeste.

A marca importante do Governo Lula foi a retomada gradual de políticas nacionais,
valendo destacar que elas foram um dos principais focos do desmonte do Estado nos anos
90. Muitas tiveram como norte o combate às desigualdades sociais e regionais do Brasil. E
isso é bom para o Nordeste.

Por outro lado, ao invés da opção estratégica pela “inserção competitiva” do Brasil na
globalização – que concentra investimentos nas regiões já mais estruturadas e dinâmicas e
que marcou os dois governos do PSDB -, os Governos de Lula optaram pela integração
nacional ao fundar a estratégia de crescimento na produção e consumo de massa, o que
favoreceu enormemente o Nordeste. Na inserção competitiva, o Nordeste era visto apenas
por alguns “clusters” (turismo, fruticultura irrigada, agronegócio graneleiro…) enquanto
nos anos recentes a maioria dos seus segmentos produtivos se dinamizaram, fazendo a
região ser revisitada pelos empreendedores nacionais e internacionais.

Por seu turno, a estratégia de atacar pelo lado da demanda, com políticas sociais, política de
reajuste real elevado do salário mínimo e a de ampliação significativa do crédito, teve
impacto muito positivo no Nordeste. A região liderou – junto com o Norte – as vendas no
comercio varejista do país entre 2003 e 2009. E o dinamismo do consumo atraiu
investimentos para a região. Redes de supermercados, grandes magazines, indústrias
alimentares e de bebidas, entre outros, expandiram sua presença no Nordeste ao mesmo
tempo em que as pequenas e medias empresas locais ampliavam sua produção.

Além disso, mudanças nas políticas da Petrobras influíram muito na dinâmica econômica
regional como a decisão de investir em novas refinarias (uma em construção e mais duas
previstas) e em patrocinar – via suas compras – a retomada da indústria naval brasileira, o
que levou o Nordeste a captar vários estaleiros.
Igualmente importante foi a política de ampliação dos investimentos em infra-estrutura –
foco principal do PAC – que beneficiou o Nordeste com recursos que somados tem peso no
total dos investimentos previstos superior a participação do Nordeste na economia nacional.

No seu rastro,a construção civil “bombou” na região.

A política de ampliação das Universidades Federais e de expansão da rede de ensino
profissional também atingiu favoravelmente o Nordeste, em especial cidades médias de seu
interior. Merece destaque ainda a ampliação dos investimentos em C&T que trouxe para
Universidades do Nordeste a liderança de Institutos Nacionais ? antes fortemente
concentrados no Sudeste – dentre os quais se destaca o Instituto de Fármacos ( na UFPE) e
o Instituto de Neurociências instalado na região metropolitana de Natal sob a liderança do
cientista brasileiro Miguel Nicolelis que organizará uma verdadeira ?cidade da ciência?
num dos municípios mais pobres do RN ( Macaíba).

Igualmente importante foi quebrar o mito de que a agricultura familiar era inviável. O
PRONAF mais que sextuplicou seus investimentos entre 2002 e 2010 e outros programas e
instrumentos de política foram criados ( seguro ? safra , Programa de Compra de
Alimentos, estimulo a compras locais pela Merenda Escolar, entre outros) e o recente
Censo Agropecuário mostrou que a agropecuária de base familiar gera 3 em cada 4
empregos rurais do país e responde por quase 40% do valor da produção agrícola nacional.

E o Nordeste se beneficiou muito desta política, pois abriga 43% da população
economicamente ativa do setor agrícola brasileiro.

Resultado: o Nordeste liderou o crescimento do emprego formal no país com 5,9% de
crescimento ao ano entre 2003 e 2009, taxa superior a de 5,4% registrada para o Brasil
como um todo, e aos 5,2% do Sudeste, segundo dados da RAIS.

Daí a ampla aprovação do Governo Lula em todos os Estados e nas diversas camadas da
sociedade nordestina se refletir na acolhida a Dilma. Não é o voto da submissão – como
antes – da desinformação, ou da ignorância. É o voto da auto- confiança recuperada, do
reconhecimento do correto direcionamento de políticas estratégicas e da esperança na
consolidação de avanços alcançados – alguns ainda incipientes e outros insuficientes. É o
voto na aposta de que o Nordeste não é só miséria (e, portanto, “Bolsa Família”), mas uma
região plena de potencialidades.

*Tânia Bacelar de Araujo é especialista em desenvolvimento regional, economista,
socióloga e professora do Departamento de Economia da UFPE (Universidade Federal de
Pernambuco).

Luis Nassif

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