Os efeitos benéficos e nefastos da tecnologia no agronegócio, por Rui Daher

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Enviado por Rui Daher

De sua coluna, na Carta Capital

Avanço tecnológico torna produção americana até 20% mais eficiente do que a brasileira

Tecnologia no campo é a única forma de aumentar a produtividade do agronegócio

Em nenhuma das três últimas colunas procurei defender ou atacar o agronegócio. Nem me declarei enamorado de alguma Kátia. Apenas pontuei um caminho irreversível que, como outros, não evita efeitos colaterais nefastos.

Atividade milenar, essencial para o planeta, fartas interações econômicas, políticas e sociais, aí incluídas pobrezas hegemônicas ou periféricas, segurança alimentar, preservação ambiental, vista assim do alto ou com lupa não dá espaço a discussões maniqueístas ou ideológico-partidárias.

A despeito de toda a benevolência climática, territorial e de recursos naturais “abençoados por Deus”, durante muito tempo frequentamos o pelotão intermediário na maratona mundial da agropecuária.

Ciclos monocultores, falta de planejamento, ocupação desregulada de terras, pouca bola da sociedade e das folhas e telas cotidianas, além da pequena influência política, faziam governos irem e virem sem olhar para o setor como vocação séria que, bem tratada, forneceria comida barata à população e traria boa grana do exterior.

Longe dos primeiros colocados, lá de trás, avistava-se uma faixa enorme anunciando o biotônico que nos faltava: tecnologia. Somente a partir da década de 1980, começamos a desenvolvê-lo e evoluir.

Chegar aos capítulos finais do livro, no entanto, exigirá entender páginas complexas. Antes de ir ao que nos espera, dou breve passada no que temos para hoje.

Em 70 milhões de hectares plantados com soja e milho, os EUA acabam de colher 712 milhões de toneladas. O Brasil, em 47 milhões de hectares (consideradas duas safras de milho), segundo estimativa da CONAB, produzirá 175 milhões de toneladas dos dois grãos, na safra 2014/15.

Vale dizer que, de cada hectare, Tio Sam arrancou 10.200 kg, enquanto nós tiraremos 8.150 kg, 20% a menos.

Não digo que estamos mal. Pelo contrário, melhoramos muito. Vinte safras atrás, tirávamos 4.850 kg/ha, enquanto os filhos das senhoras que ganham concursos de geleia no Mid-West produziam entre 40% e 50% mais. É verdade que com baitas subsídios nunca d’antes navegados por aqui.

A recém-colhida produção norte-americana, confirmadas as projeções para milho e soja no Brasil e Argentina, levará os estoques mundiais de grãos aos maiores níveis dos últimos anos. Resultado: preços em queda.

Para fazer caírem os preços bastam anúncios plantados pelas tradings. Nem é preciso que vagens ou espigas saiam dos pés.

Nos últimos 12 meses, as cotações da soja, em Chicago, baixaram 20%; as do milho 6%. Prevê-se que depois de colhidas as safras do hemisfério sul, caiam ainda mais. Crescerá o perrengue do produtor e amenizará a fome da FAO, que sabe e não confessa que o problema não é de produção insuficiente, e sim de má distribuição, desperdício e sistemas políticos corruptos e ditatoriais.

Bem, mas isso é o presente, que parece ser muito mais bonzinho conosco do que poderá vir a ser o futuro.

Pensem num pequeno robô. Sim, para facilitar a imaginação comentarista pode ser igual àquele do seriado Perdidos no Espaço (CBS, 1965/68), o “B9”, amigo do atabalhoado Dr. Zachary Smith.

Os norte-americanos inventaram um sucedâneo capaz de percorrer suas lavouras e, delas, através de detecção por raio infravermelho, retirar matos daninhos capazes de prejudicarem a produtividade.

Não que isso os façam desistir de colheitadeiras que valem US$ 500 mil, monoculturas com variedades mais fáceis de cultivar, transgenia adoidada, medições precisas com 2,5 centímetros entre cada sulco, fertilizantes na dose certa a cada metro quadrado de solo analisado, e drones que regulam a intensidade da irrigação.

Nos campos de Iowa, “espertos telefones”, dotados de aplicativo meteorológico, informam de meia em meia hora previsões, inclusive com dados pluviométricos históricos da região.

Sistemas de computação estão nas nuvens assim como aqui as irregulares chuvas de São Pedro.

Enquanto isso, na Federação de Corporações, preocupa-nos o falso dilema agricultura empresarial ou familiar, sem imaginar que a primeira só sobreviverá se passar por inovações tecnológicas de alto custo, mão de obra altamente qualificada, até juntar-se aos robôs.

Para a outra, tão importante quanto a primeira, no início, o bom e velho Estado. Fortes doses de instrução, apoio técnico, financiamento, tecnologias específicas para culturas de maior valor agregado em pequenas extensões de terra, e inserção em cadeias produtivas organizadas.

O padrão tecnológico norte-americano atual, em parte já adotado aqui por grandes produtores, está fazendo retornar ao campo, como filhos pródigos, antigos exilados para zonas urbanas. O mesmo poderá acontecer com a agricultura familiar. Bastam garantia de renda e conforto social.

Se eu não mudar de ideia, na próxima coluna, volto ao assunto.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

7 Comentários

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  1. Não com esse BB que está aí

    “Para a outra, tão importante quanto a primeira, no início, o bom e velho Estado. Fortes doses de instrução, apoio técnico, financiamento, tecnologias específicas para culturas de maior valor agregado em pequenas extensões de terra, e inserção em cadeias produtivas organizadas.”

    Salvo certas regiões do país (Centro Sul), onde já existe uma agricultura familiar tradicional, organizada e tecnificada, próxima de órgãos como Emater, o restante do país pena (NO/NE) com a total ausência do BB. Claro, eles têm sempre várias planilhas e power points para exibir para o governante provando que o Banco está “cumprindo seu papel”. Grossa mentira. Não existe acompanhamento, libera-se o financiamento e o produtor familiar fica ao Deus dará. Financiar a agricultura familiar significa acompanhamento, dedicação (o gerente tem de sacrificar seu final de semana e ir conferir nas propriedades o desenvolvimento do projeto), recursos humanos, fiscais rurais – foram extintos, a fiscalização é feita por amostragem 1/200, no mínimo -, agrônomos ( no Pará, o agrônomo sediado em Santarém responde por uma área que vai do Oeste do Pará até a Transamazônica, de extremo a extremo são mais de 1.000 Km, sem falar o transporte por barcos). Seus funcionários não querem e não tem nenhum interesse em se envolver e se aborrecer com esse negócio sem futuro de financiar a agricultura familiar, dá muito mais resultado liberar CDC a 4 a 5% a.m., vender seguros e previdência para bater/entregar metas e cumprir o Acordo de Trabalho (que é igual para o Gerente de Contas Pessoa Física tanto para quem trabalha no interior do RS e no Oeste do PA)para garantir a PLR. 

    Não com esse BB que está aí. 

    1. Quem é responsável pela assistência técnica. . .

      Quem é responsável pela prestação de assistência técnica ao produtor rural é a empresa elaboradora do projeto técnico e não o  Banco do Brasil. Cabe ao banco analisar se o projeto é viável técnica e economicamente. A fiscalização do crédito rural é feita por amostragem, conforme normas do Banco Central. Vale lembrar que sem o apoio do crédito rural, especialmente da atuação do  Banco do Brasil não seria possível  dobrar a produção agrícola em praticamente pouco mais de 10 anos, indo de 95 milhões de toneladas no ano de 2.000, para cerca de 195 milhões de toneladas nesta safra 2013/14. Nesse tempo também não faltou apoio à agricultura familiar através da linha PRONAF, os recursos para essa linha de crédito foram quadruplicados nesse período  com juros muito baixos e com apoio do sistema EMATER de assistência técnica e dos sindicatos dos trabalhadores rurais.

  2. A média do milho em 1994

    Caro Agro Rui, 

    Em 1994, há exatos 20 anos, na região noroeste de SP, o produtor chegava ao Banco para financiar sua lavoura de milho, trazia o projeto técnico elaborado por empresas de Assistência Técnica (obrigatório para obter o financiamento). O projeto informava a produção esperada, estava cravado lá, míseros 3.600 Kg/ha. (60 sacas), que era a média regional.Produtores que informavam produção esperada acima disso, é porque iriam utilizar tecnologia “sofisticada” (plantio, semente, insumos)

  3. Números

    Tem algo de errado ou incompleto com esses números:

    Produtividade USA = 712/70 = 10.171 kg/ha

    Produtividade BRA = 175/47 = 3.723 kg/ha

    De onde sairam os 8.150 kg/ha  ?

    1. Prezado Paulo,

      Os 8.150 saíram das estimativas mais atuais da Conab para os grãos. Eu mesmo fiz a conta como vc. É que, para o milho a Conab e o IBGE levam em conta que o Brasil planta duas safras da cultura. A considerar a divisão simples, seu número estaria correto. Pode conferir no site da Conab, inclusive para toda a série histórica lá apresentada.

  4. Dúvida

    Gostaria de ver uma série histórica comparando os ganhos de produtividade com os preços ao consumidor do milho, da soja e da carne.

    Será que eses ganhos foram apropriados pelos produtores, pelos intermediários ou pelos consumidores?

     

  5. O grande responsável por essa diferença de produtividade. . .

    O grande responsável por essa diferença de produtividade é a cultura do milho, enquanto que nos Estados Unidos a produtividade desse cereal ultrapassa os 10.000 kg/ha, no Brasil é pouco superior a 5000 kg/ha (5.400 kg/ha). Só  nesta safra 2014, os Estados Unidos produzirão 354 milhões de toneladas de milho contra 195 milhões do Brasil, de todos os grãos somados.

    Vale lembrar que grande parte do milho americano é destinado à produção de etanol e o restante para rações para engorda de aves, suínos e de gado bovino.

    Os Estados Unidos tem duas grandes vantagens na produção de milho comparado ao Brasil, uma grande área com terras de alta fertilidade, o famoso “corn belt” do meio oeste americano, a outra vantagem é a altiude, a cultura do milho apresenta maiores produtividades em climais mais frescos, com altitudes acima de 800 m, que é a altitude média do meio oeste americano. No Brasil as altitudes médias são bem menores, geralmente abaixo dos 500 m. No Estado do Paraná, em regiões com altitudes superiores a 800 m, Mauá da Serra, Campos Gerais e Guarapuava se consegue produtividades de milho semelhantes às dos Estados Unidos, ou seja acima de 10.000 kg/ha.

    No que tange à soja as produtividades brasileira e americanas são parecidas ao redor de 3.000 kg/ha.

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