Os freios do crescimento econômico

Do Le Monde Diplomatique

Tirar o pé do freio

É fundamental estimular o consumo e o investimento, mas mais importante é remover o potente conjunto de freios ao crescimento que o governo ainda mantém por medo da inflação. São eles: taxa Selic, juros bancários e carga tributária, cujos índices estão entre os mais altos do mundo e cuja liquidez é uma das mais baixas

por Amir Khair

Após o insucesso de vários pacotes de estímulos setoriais, o governo desistiu de sua meta de crescimento de 4,5% para este ano, baixando-a para 3%, e o Banco Central reduziu sua previsão de 3,5% para 2,5%.

Temendo repetir o fraco crescimento de 2011, o governo vem tentando ativar a economia pelo lado da oferta com desonerações a setores selecionados; já pelo lado da demanda: a) acena com investimentos ao setor privado com programa de concessões e parcerias para logística e infraestrutura e oferta de crédito pelo BNDES para investimentos; b) pressiona os bancos privados para elevarem o crédito com redução dos juros ao consumidor.

Este artigo apresenta, de forma sucinta, as desonerações e seu limite, avalia propostas para reativar a economia pela via do investimento público, aponta o potente sistema de freio imposto ao crescimento e propõe medidas de curto e longo prazo que poderão removê-lo.

1. Desoneração: estão sendo colocadas em prática desonerações tributárias no IPI (móveis, linha branca, material de construção e veículos), no PIS/Cofins (trigo, farinha e massas) e no INSS pela substituição da cota patronal de 20% sobre a folha de pagamento pela tributação sobre o faturamento de alíquotas variando entre 1% e 2%.

Segundo o Ministério da Fazenda, o total das desonerações anunciadas de 2010 a 2012 impactam neste ano R$ 48,6 bilhões (1% do PIB), e a desoneração sobre a folha de pagamento atinge R$ 7,4 bilhões por ano. Entre essas desonerações, está a relativa à cesta básica de alimentos, que reduz a 0% as alíquotas de IPI, PIS e Cofins.

Essas desonerações podem contribuir para os setores beneficiados, mas têm efeito limitado, pois: a) há o compromisso do governo em manter o superávit primário (receitas menos despesas, exclusive financeiras) em 3,1% do PIB; b) a arrecadação vem perdendo força; c) a demora para reduzir a Selic tornou elevado o encargo com juros (5,3% do PIB nos últimos doze meses até junho).

2. Avaliação de propostas: algumas análises priorizam o estímulo ao investimento em vez do consumo e culpam a insuficiência dos investimentos como causa dessa paralisia econômica, mas reconhecem que: a) para atingir o nível que consideram necessário vai levar tempo, e o que se deseja é uma recuperação mais rápida; b) a crise internacional vem derrubando o crescimento em todos os países, e, nesse ambiente, investir é arriscado para as empresas.

Diante da insuficiência do investimento privado, propõem como solução que o governo federal invista mais − o que, no entanto, pode levar a um beco sem saída, pois: a) o investimento direto do Tesouro Nacional responde por apenas 3% do investimento total do país; b) o investimento que pode ser induzido pelo governo por meio de concessões e parcerias leva tempo para maturar e ultrapassa em muito as previsões originais de recursos e prazos, além da precária fiscalização sobre sua realização e operação.

A ampliação das exportações esbarra num mercado externo saturado e fortemente vendedor. A não ser em algumas commodities, na agricultura e pecuária é possível algum resultado, mas mesmo assim sem expansão significativa sobre 2011.

Equivocadamente, algumas análises, que priorizam o investimento como principal indutor do crescimento, abandonam a indução via consumo, pois consideram que as famílias atingiram um endividamento excessivo. Parecem ignorar que cerca da metade da dívida é com juros.

Segundo a Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), desde o início da série histórica em janeiro de 2009, os juros médios para doze meses à pessoa física sempre estiveram acima de 100%, e à pessoa jurídica, acima de 50%. Mesmo com a pressão do governo sobre os bancos, passaram de 107% em abril para 106% (!) em junho.

3. Propostas: é fundamental estimular o consumo e o investimento, mas mais importante é remover o potente conjunto de freios ao crescimento que o governo ainda mantém por medo do fantasma da inflação. São eles: taxa Selic, juros bancários e carga tributária sobre o consumo, cujos índices estão entre os mais altos do mundo e cuja liquidez é uma das mais baixas. Para remover esses freios, são necessárias medidas de curto e longo prazo.

A curto prazo, impõe-se a redução dos juros básicos e bancários e do superávit primário. A redução dos juros bancários vai aliviar o orçamento doméstico e o capital de giro da empresa.

A redução do superávit primário e da Selic para 5% (nível dos países emergentes) até o final do ano vai permitir substanciais recursos ao governo para fortalecer suas ações de estímulo à economia. Além disso, a queda da Selic reduz os ganhos de tesouraria dos bancos, e, se forem tabeladas e reduzidas as tarifas bancárias, os bancos serão forçados a ampliar a oferta de crédito, gerando a necessária concorrência bancária, com, aí sim, a redução dos juros.

Para ativar exportações, a medida de maior eficácia é a desvalorização cambial, que pode ser alcançada sem ônus via duplicação gradual da liquidez de 6% do PIB, o que a igualaria à existente na Argentina e no México. O câmbio para equilibrar as contas externas deve ficar pouco acima de R$ 3, considerando o histórico do resultado das transações correntes.

A longo prazo, é fundamental aprovar a reforma tributária ‑ não nos moldes de mera simplificação do ICMS, que pouco efeito teria sobre a carga e a distribuição tributária −, desonerando o consumo, que é supertributado, reduz o poder aquisitivo da população e faz quem ganha até dois salários mínimos pagar 49% do que recebe em tributos e quem ganha acima de trinta salários mínimos arcar somente com 26%. Essa é a trava mais difícil de ser removida, pois é secular.

Isso ocorre principalmente em razão do ICMS, que onera cerca da metade da tributação sobre o consumo. O ICMS é um imposto estadual e o que mais pesa na carga tributária. Para reduzi-lo, é necessário estabelecer alíquotas inferiores às atuais, especialmente para as que gravam os bens e serviços de consumo popular.

Os estados sempre barraram a aprovação da reforma tributária temendo perder arrecadação do ICMS, que seria alterado para ser cobrado no destino onde a mercadoria é consumida ou usada. O governo federal informou que garantirá a compensação integral aos estados que poderão perder com a alteração no ICMS. Segundo estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), essa compensação é inferior a 3% da receita do Tesouro Nacional. Deu, assim, o sinal verde. Agora é preciso mudar o sinal vermelho dos estados.

Para as empresas retomarem o poder competitivo, é também necessária a redução dos custos externos à sua porta: logística e infraestrutura, que podem melhorar em função da evolução dos investimentos do PAC, dos programas para logística e infraestrutura e da ação das empresas, que investem por não poder esperar pela ação governamental.

Mas, se o governo continuar só acreditando nos pacotes de estímulo e não remover os freios que ele próprio impôs ao desenvolvimento, dificilmente irá conseguir ultrapassar o crescimento de 2,7% de 2011. É hora, pois, de tirar o pé do freio (juros e carga tributária elevados e liquidez baixa) e deixar o país crescer.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV. Foi secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo, consultor do BID e presidente da Abrasf. É consultor na área fiscal, orçamentária e tributária.

Luis Nassif

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