Os humores no Fórum de Davos

Do Valor

Fórum contrabalança otimismo e preocupação com emergentes

Sergio Leo | De Davos
27/01/2011

Os integrantes da elite internacional que se reúnem anualmente na gelada cidade suíça de Davos para o Fórum Econômico Mundial mudaram de foco: das sombrias preocupações com a crise financeira internacional e seus impactos sobre governos e bancos, passaram a um forte interesse pelo que se chamava, num passado não muito remoto, de Terceiro Mundo. O novo peso mundial dos países emergentes e as consequências e riscos dessa situação, como as pressões inflacionárias, disputam o debate com as discussões sobre os efeitos da crise – mais otimistas neste ano que em 2010.

“Após a crise, há confiança na China, na Índia e vamos ver cada vez mais no Brasil”, comentou o principal executivo da WPP, gigante de mídia e propaganda dos EUA, Martin Sorrell, indicando que as economias asiáticas ainda são o maior alvo das atenções. “O crescimento claramente não está no Ocidente”, comentou, em seguida, sugerindo “tirar do dicionário os termos ‘em desenvolvimento’ e ‘emergente'”. Há até brincadeiras em Davos, de que o tema do Fórum, neste ano, “Normas Compartilhadas para a Nova Realidade”, se refere a como a economia mundial pretende se adaptar à liderança chinesa ou indiana.

OsteOs temores com a crise não abandonaram totalmente a cena, como lembrou o economista Nouriel Roubini, famoso por ter previsto a crise de 2008. Apontando o copo meio cheio, meio vazio à sua frente como uma metáfora da situação mundial, Roubini lamentou não haver instituições internacionais com força para coordenar as ações dos governos. “Não estamos num mundo do G7, nem num mundo do G20, é um mundo do Gzero, sem cooperação global”, disse, ao listar as políticas desarticuladas dos países para tratar dos próprios problemas.

Palestrantes e executivos que circulam pelo Fórum Econômico Mundial concordam quase unanimemente que o novo papel de países como China, Índia, Brasil ou Turquia se deve ao fato de que “sustentaram com êxito o crescimento global no ano passado”, como lembra Charles Dallara, diretor-gerente do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), que reúne 400 dos maiores bancos globais.

“Mas, com o sucesso, vêm desafios”, lembra Dallara, fazendo eco também às preocupações levantadas em relação às novas potências mundiais: relacionados também à inflação, há riscos de fluxos de investimento desordenados e dilemas no manejo das taxas de juros.

“As pressões inflacionárias são um problema em todas essas economias”, comenta Dallara, que soma à relação de países que ganharam importância, na América do Sul, como Chile e Colômbia. “Será crucial a esses países adaptar-se à nova situação.” No caso da China e Índia, parte da solução está em uma maior flexibilidade do câmbio, diz ele; no Brasil, aperto nas contas públicas. Poucos negam, porém, de que os governos têm manejado bem os problemas, ainda que haja dúvidas sobre o futuro.

A importância atribuída aos países antes emergentes para evitar uma recaída na crise motiva metáforas como a de Martin Sorrel, da WPP, que classifica os países Brics (Brasil, Índia, China e Brasil) como “da primeira divisão na economia mundial, como no futebol. Alemanha e Estados Unidos, com seus indícios de recuperação econômica, estariam na segunda divisão, acima da Europa, na terceira. “O crescimento é nosso”, ironizou o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. “Está cada vez mais claro: as soluções globais passam por esses países.”

“O mercado está otimista e isso é positivo, mas nãos e podem subestimar os riscos”, comentou o consultor especial do Fundo Monetário Internacional (FMI), Min Zhu. A forte entrada de investimentos nos países emergentes, por exemplo, tem ajudado a inflacionar os preços, como alertou o presidente da Comissão de Regulação dos bancos da China, Liu Mingkang, também presente no Fórum. Os países precisam encontrar um modelo sustentável de crescimento, alertou Min Zhu. “O modelo (dos EUA) não funcionou, a questão é qual será o modelo”, comentou o ex-dirigente do Banco da China. O governo chinês busca depender cada vez mais do consumo interno, mas copiar o padrão de consumo ocidental “não vai funcionar”, prevê.

Entre os riscos do novo cenário global, os observadores do Fórum veem a crescente insatisfação social com os aumentos de preços e o aumento da desigualdade, principalmente nos países asiáticos. Desigualdade será uma palavra muito repetida neste Fórum, previu um dos integrantes da mesa de debates com Min Zhu e Roubini.

A derrubada do governo por protestos populares na Tunísia é um tema apenas mencionado em Davos; mas os reflexos da revolta, na região, chegaram à Suíça: a delegação do Egito, por exemplo, foi desfalcada com o cancelamento, na última hora, da participação de autoridades, como o ministro do Comércio, Investimento e Desenvolvimento, Rachid Mohamed Rachid. Rachid preferiu permanecer no Egito, país que tem sido abalado por protestos violentos, inspirados nos acontecimentos tunisianos.

A abertura do evento em Davos também foi marcada pela violência política: escalado para a cerimônia, o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, atrasou sua viagem e encurtou para apenas duas horas e meia a estadia em Davos, por causa do atentado terrorista em Moscou, que matou 35 pessoas, nesta semana. Medvedev manteve a viagem para estimular a plateia do Fórum a fazer investimentos em novas tecnologias na Rússia e usou um Ipad para ler o longo discurso com sua lista de ofertas aos investidores (leia no texto abaixo).

As oportunidades de investimento e o crescimento nos países emergentes ajudou a levantar os ânimos dos empresários, que, segundo pesquisa da Price Waterhouse divulgada na véspera com 1,2 mil executivos de 69 países, voltaram a ter o nível de confiança nas perspectivas da economia que tinham em 2007, antes da crise. Subiu de 31% para 48% o número dos que disseram esperar crescimento nos próximos 12 meses.

Neste ano, ao contrário do ano passado, quase todos os grandes bancos americanos enviaram seus presidentes, que, no entanto, têm participação discreta.

Desprezando as aparições públicas em favor de encontros privados, banqueiros dos EUA e Europa buscam contatos com autoridades governamentais, de quem querem iniciativas para reduzir as duras restrições impostas ao setor financeiro após a crise. 

Luis Nassif

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