Os rumos da política fiscal, por Nakano

Do Valor

Política fiscal: ajuste ou estímulo?

Yoshiaki Nakano
13/07/2010

A reunião do G-20 no final do mês passado expôs duas posições opostas em relação à questão fiscal. De um lado, Estados Unidos e China que defendiam a manutenção do estímulo fiscal, e de outro, a Europa propondo e praticando a redução do déficit fiscal. Essa divergência entre Estados Unidos e China contra a posição da Europa é inteligível. Enquanto os primeiros podem estimular as suas economias incorrendo em déficits públicos sem dificuldade de financiamento, o mesmo não ocorre na Europa, com as crises de dívida soberanas na Grécia e outros países. Nos Estados Unidos o gigantesco aumento no déficit público permitiu uma recuperação mais forte da economia, e a política monetária de juros quase zero financia o seu déficit a custo muito baixo. Para os Estados Unidos e China, economias com crescimento potencial maior do que a Europa, o problema do endividamento público ainda não se colocou.

Mais importante, no caso dos Estados Unidos, por ser um país emissor de moeda-reserva internacional, o dólar, é possível financiar o seu déficit público por meio de investidores estrangeiros. Nesse particular, é importante lembrar que por trás da crise financeira está o desequilíbrio global: de um lado países com excesso de poupança doméstica, traduzidos em enormes superávits em transações correntes, como a China, Alemanha, Japão e países árabes exportadores de petróleo, e de outro os Estados Unidos com reduzida poupança doméstica e com enorme déficit em transações correntes.

Esses países, com excesso de poupança, na verdade geravam internamente um enorme excesso de demanda de ativos financeiros que, por sua vez, levou a sucessivas crises financeiras pelo mundo emergente, e finalmente nos Estados Unidos. Esses, antes da crise financeira, possuíam o mercado financeiro com maior credibilidade e liquidez, e consequentemente conseguiam suprir a forte demanda de ativos financeiros AAA por parte dos países superavitários. Depois da crise do sistema financeiro americano, o déficit público, com a emissão agora de títulos pelo Tesouro americano, que continua suprindo a demanda por ativos de baixo risco, com baixas taxas de juros, pois aqueles países superavitários não reduziram a sua poupança doméstica. Assim, o déficit público americano tem a sua funcionalidade ao nível global, mas significa que alguns dos fatores que desencadearam o endividamento das famílias americanas, o boom imobiliário e a crise financeira nos Estados Unidos, continuam em ação e deverão trazer novas instabilidades financeiras.

EnqEnquanto nos Estados Unidos a política monetária de juros zero não consegue estimular a economia (armadilha da liquidez), por isso a necessidade de recorrer à política fiscal para recuperar a demanda doméstica; na China, a política monetária tem sua eficácia. A recente redução na taxa de juros, nos depósitos compulsórios e nos limites de crédito já repercutiu positivamente na demanda doméstica e nos investimentos em construção. Dessa forma, para esses dois países é de seu interesse, e faz todo sentido, a expansão dos estímulos fiscais para promover a recuperação global, particularmente em países com superávits em transações correntes, como a Alemanha e Japão.

Se essas economias se recuperarem com estímulos à demanda doméstica, as exportações americanas poderão aumentar elevando o nível de emprego doméstico. Se isto não acontecer e a Alemanha e o Japão optarem também pela expansão das exportações, a recuperação americana fica mais difícil.

A situação na Europa, com exceção da Alemanha, é bastante diferente. Alguns países como a Grécia, Portugal, Bélgica e Portugal estão com endividamento público muito elevado e a taxa real de juros já aumentou substancialmente, particularmente com a crise da dívida grega. Com isso, o mercado financeiro está pressionando por ajuste fiscal e o financiamento por investidores estrangeiros já não é uma opção, visto que estes reduziram a compra de títulos de dívida dos governos da área do euro. Estamos assistindo ao retorno da volatilidade financeira e uma crise do euro, o que obrigou o Banco Central Europeu a socorrer os bancos privados, absorvendo títulos públicos de países em dificuldade de financiamento. Isto espalhou o medo e aumentou os riscos de contágio em todo o mundo. Para piorar este quadro também existe uma percepção generalizada de que o crescimento potencial na Europa nos próximos anos será bastante inferior comparado ao dos Estados Unidos. Neste quadro, certamente a extensão ou manutenção dos estímulos fiscais traz mais riscos do que ganhos. Mais déficits e aumento do endividamento público, num quadro de crescimento potencial baixo, não são sustentáveis. Dessa forma, o quadro mais provável na Europa é de uma semiestagnação por muitos anos, a exemplo do caso japonês na década de 90, a não ser que sejam implantadas medidas e políticas para aumentar o crescimento potencial da economia europeia.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo – FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras. 

Luis Nassif

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