Campo de Debate do PT: política econômica e economia política no governo Dilma

Por Guilherme Santos Mello

A partir de agosto de 2011 até abril de 2013, o Brasil vivenciou uma profunda transformação no patamar de dois de seus preços macroeconômicos centrais: Na taxa de juros, chegou-se em 2012 ao patamar de 7,25% a.a., com juros reais beirando 1% a.a. No câmbio, a alteração no patamar dos juros abriu espaço para a desvalorização cambial, que pretendia melhorar as condições de competição da indústria nacional. Essa rápida mudança no patamar destes dois preços fazia parte do imaginário de boa parte dos economistas heterodoxos e era tido por alguns como fator central para desencadear uma nova onda de investimentos produtivos.

Os efeitos de tal transformação, no entanto, não foram propriamente os esperados. Em meio a um cenário econômico internacional recessivo e altamente competitivo, a desvalorização cambial se mostrou insuficiente. Da mesma forma, a queda nas taxas de juros não foi suficiente para criar um ciclo de crescimento sustentado dos investimentos, mesmo diante da redução no custo de capital, no custo da energia elétrica e de desonerações tributárias e fiscais. Além disso, observou-se um recrudescimento do processo inflacionário no final de 2012 e início de 2013, juntamente com uma deterioração nos indicadores fiscais. Ouriçados, os acólitos liberais e a nata das finanças nacional e internacional se apressam em decretar o fracasso do projeto desenvolvimentista do governo Dilma. Uma onda de pessimismo e críticas ao intervencionismo Estatal tomou conta do debate econômico, afetando diretamente as expectativas dos agentes privados e auto-realizando parte das teorias apocalípticas ora em voga.

Na realidade, a inflação não fugiu ao controle, sendo que sua elevação pontual se deveu a fatores exógenos, originados no lado da oferta. A alteração da estratégia econômica também não representou uma ruptura com o “tripé macroeconômico”, sendo apenas um ajuste em sua forma de implementação. Passou-se a utilizar outros instrumentos além da taxa de juros para realizar o controle da inflação e criou-se mecanismos de regulação do mercado de câmbio, impedindo que pressões especulativas valorizassem artificialmente nossa moeda. Do ponto de vista fiscal, a política de obtenção de superávits primários foi flexibilizada, sendo agora possível oficialmente abater da meta os investimentos realizados pelo governo no período. As metas de inflação e flutuação cambial ainda fundam o arcabouço teórico que orienta o regime macroeconômico atual, mas as formas de gerir estas políticas se alteraram, dando maior flexibilidade ao sistema.

Para além das rasas críticas liberais, eivadas de pura ideologia, a análise do atual momento histórico e da política econômica do governo Dilma só pode ser feita caso se leve em consideração a economia política do período. Após décadas de taxas de juros irreais, o conjunto do empresariado brasileiro, seja ele produtivo ou financeiro, imiscui-se em atividades puramente rentistas, se valendo da certeza de ganhos elevados em investimentos seguros e de elevada liquidez. A queda da taxa SELIC representou, para a maior parte dos empresários, um “incentivo à incerteza”, forçando-os a ampliação do investimento em atividades mais arriscadas. No entanto a mudança abrupta na rentabilidade do capital gerou o efeito oposto na maior parte dos empresários, levando-os a adotar uma estratégia defensiva, voltada para seu core-businness, cortando custos e investimentos para obter o retorno às taxas de rentabilidade anteriores. Mesmo diante da redução dos custos produtivos e da desvalorização cambial, a reação inicial defensiva do empresariado represou a taxa de crescimento da economia brasileira, que já vinha sendo afetada pela queda no investimento público e pela crise internacional.

Diante da crescente pressão rentista e do espraiamento do pessimismo para o conjunto relevante dos agentes econômicos, o governo recuou de sua estratégia inicial: voltou a utilizar a taxa de juros como principal mecanismo de combate a inflação, anunciou um reforço no ajuste fiscal para 2013, a diminuição da capitalização dos bancos públicos e comprou para si o discurso de manutenção do tripé macroeconômico como fundamento de uma política econômica sólida. Este recuo não necessariamente significa a adoção da saída liberal-conservadora para pensar o desenvolvimento futuro da economia brasileira. Ele apenas indica que uma nova formulação acerca da estratégia adotada para consolidar o projeto “desenvolvimentista” é necessária, ou seja, é preciso criar uma nova estratégia que coadune o ajuste perene dos preços macroeconômicos em conjunto com a adoção de uma política de investimentos público/privados que vá além dos incentivos fiscais recentes. 

Doutor em economia pela Unicamp e membro do CECON/IE- Unicamp

 

Redação

7 Comentários

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  1. Redução de custos ?????

    …Mesmo diante da redução dos custos produtivos e da desvalorização cambial…

     

    Piada do mês no blog do Nassif, afirmação inacreditavelmente mentirosa. Todos os custos (especialmente serviços) se elevam a taxas muito maiores do que em qualquer outro governo. Não estou nem falando da qualidade do serviço, sabidamente péssima.

     

    Em relação aos “rentistas” (palavra que mais adoro no blog, puro recurso ad hominem de quinta categoria), a gigantesca maioria das aplicações financeiras do governo Dilma rende muito menos que a inflação. Ou seja, se você se esforça para poupar seu salário e tentar comprar um imóvel em dez anos, isso será impossível, pois esse governo fomentou uma bolha imobiliária irresponsável, e pretende nos tornar escravos de financiamento imobiliário a perder de vista dos amiguinhos da Dilma (os grandes bancos).

     

    Continuo achando que a oposição ainda não ofereceu nenhuma solução que preste. Entendo o medo (especialmente dos funcionários públicos) de encarar o PSDB de novo, um partido fomentador de ódios e péssimo negociador. Mas que esse governo atual é abaixo da crítica, isso podem ter certeza que é.

     

    PS: pelo conteúdo do texto descobrimos que esse desempenho medíocre no crescimento é culpa dos empresários, que não confiam nas “boas intenções” do governo. Por que não estatizar tudo e tornar o inacreditável ditador supremo da economia. É certeza de desastre…

  2. “o Brasil vivenciou uma

    “o Brasil vivenciou uma profunda transformação no patamar de dois de seus preços macroeconômicos centrais:”

    A política econômica não escolhe ser o que é nos deveres a seu respeito, confere a referência do desenvolvimento do Brasil ao patamar de dois preços macroeconômicos centrais: Taxa de juros e câmbio de referência exterior, como indicios que fazem parte de criação da nossa moeda.

    Mas, de que se trata? Queremos ser governados ou ser governantes de algo perfeitamente explicável da nação?

    Não seremos capazes de fazer a forma econômica que reitegra a reforma política do Brasil a revelia de uma formula que funcione como modelo central de medir a frequência do crescimento (sem objetivos) acerca de uma ordem mundial consciente.

    O desenvolvimento, a que podemos chamar teórico, é o resultado de um certo conhecimento, em que o crescimento econômico constituirá um corpo referencial (emissão de moeda) o qual valida a produção; ou, no que se quer acima de preços macroeconômicos centrais, é a ideia de um espaço mundial em que se faz o passado do fundamento do investimento, visto que o desenvolvimento da produção é a causa do seu valor real. 

     

  3. reforma política

    Gostaria de incluir um tema para discussão dentro da reforma política. Entendo que o Brasil vive uma eterna crise de representação enquanto o poder legislativo não assumir sua missão principal que é a de fiscalizar o poder executivo. Como as eleições são casadas, ou seja, vota-se no mesmo ato, seja para o executivo, seja para o legislativo, não se dá muita importância ao poder legislativo (as campanhas ficam sempre focadas no representante majoritário. A solução seria simples: a cada dois anos, o voto seria alternativo –  uma eleição escolheria o representante dos executivos municipais, estaduais e nacional. Na eleição seguinte seriam eleitos os representantes do legislativo. A médio prazo teriamos o fortalecimento do Legislativo, e por consequência, os Executivos passariam a  ter maior responsabilidade, deixando de viver cooptando legisladores eleitos para fiscalizar a máquina do Estado

  4. reforma política

    Gostaria de incluir um tema para discussão dentro da reforma política. Entendo que o Brasil vive uma eterna crise de representação enquanto o poder legislativo não assumir sua missão principal que é a de fiscalizar o poder executivo. Como as eleições são casadas, ou seja, vota-se no mesmo ato, seja para o executivo, seja para o legislativo, não se dá muita importância ao poder legislativo (as campanhas ficam sempre focadas no representante majoritário. A solução seria simples: a cada dois anos, o voto seria alternativo –  uma eleição escolheria o representante dos executivos municipais, estaduais e nacional. Na eleição seguinte seriam eleitos os representantes do legislativo. A médio prazo teriamos o fortalecimento do Legislativo, e por consequência, os Executivos passariam a  ter maior responsabilidade, deixando de viver cooptando legisladores eleitos para fiscalizar a máquina do Estado

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