Renda dos mais ricos nos EUA volta a crescer

Do Valor

1% mais ricos voltam a ganhar renda nos EUA

Alex Ribeiro

A renda dos 1% mais ricos voltou a crescer nos Estados Unidos, eliminando as esperanças de que a Grande Recessão poderia interromper a tendência de concentração de renda das últimas três décadas. O sonho americano do pós-guerra de uma sociedade de classe média, em que cada nova geração tinha a certeza de viver melhor do que a anterior, cede lugar a uma realidade de aumento de pobreza e estagnação dos rendimentos do cidadão comum.

A crise econômica atingiu a todos sem distinção, mas seu impacto foi particularmente forte entre os 1% mais ricos. A participação da renda do 1,6 milhão de americanos do topo da pirâmide na renda total caiu de 23,5% para 18% entre 2007 e 2009. Agora, descobre-se que voltou a ganhar terreno em 2010, subindo para 19,8%.

Os dados fazem parte de pesquisa de dois reconhecidos especialistas em concentração de renda, os economistas Thomas Piketty e Emmanuel Saez, apresentada há alguns dias na conferência Jacques Polak, do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Economistas propõem imposto maior sobre ricos

Para corrigir essa distorção, eles propõem aumentar para a casa dos 70% ou 80% a alíquota marginal de imposto de renda sobre milionários. E rebatem, com rigor científico, a sabedoria convencional de que taxações nesses níveis são improdutivas, porque levam à evasão de impostos.

Os ganhos dos 1% mais ricos ocorrem num ambiente de estagnação na renda real dos trabalhadores comuns e grandes níveis de pobreza. Um conjunto de dados divulgados pelo Escritório do Censo mostra que, em 2011, o rendimento mediano dos trabalhadores do sexo masculino era de US$ 48 mil anuais, abaixo dos US$ 49 mil de 1979. Quase 50 milhões de americanos, ou 15% da população, vivem abaixo da linha oficial de pobreza.

O presidente Barack Obama foi reeleito para um segundo mandato, em grande parte, graças aos votos de grupos demográficos que mais sofrem com a estagnação da renda, como latinos e negros. Nesse segundo mandato, ele estará sob pressão maior para corrigir desequilíbrios. Um dos pontos de sua agenda é extinguir cortes de impostos feitos por seu antecessor, George W. Bush, para quem ganha mais de US$ 250 mil por ano.

Piketty e Saez viraram referência no estudo da concentração de renda ao usarem dados da receita federal americana, o IRS, para olhar quanto ganha cada grupo. Saez, da Universidade de Berkeley, Califórnia, ganhou há alguns anos a medalha Clark, concedida a economistas brilhantes com menos de 40 anos, um bom indicador de quem vai receber o prêmio Nobel de economia no futuro. Piketty completou o doutorado com 22 anos pela London School of Economics (LSE) com uma tese sobre distribuição de riquezas.

Até 1929, os Estados Unidos eram um país com forte concentração de renda, herança dos monopólios que dominaram a economia nas décadas anteriores, com os 1% mais ricos controlando perto de 20% da renda nacional. A Grande Depressão quebrou esse paradigma e, nos anos seguintes, a distribuição de renda se tornou mais equilibrada, com a fatia do topo da pirâmide nos rendimentos caindo a cerca de 9%.

De fins dos anos 1970 para cá, porém, houve uma reviravolta, com os mais ricos abocanhando uma fatia cada vez maior das riquezas criadas nos Estados Unidos. Os 1% absorveram 60% do crescimento da renda nos últimos 30 anos.

A Grande Recessão alimentou uma nova esperança de romper com essa dinâmica, a exemplo do que ocorreu na Grande Depressão. Os dados de 2008 e 2009 foram encorajadores, mas Piketty e Saez mostram agora que houve apenas uma oscilação. Em 2010, o grupo voltou a abocanhar uma parcela maior da renda. Ainda não há informação sobre 2011 e 2012, mas estatísticas preliminares sobre lucros corporativos e distribuição de bônus mostram que a tendência de concentração de renda segue intacta.

Há várias teorias sobre a concentração de renda nos ultimos anos, entre elas a de que os trabalhadores mais ricos estão absorvendo uma parcela maior do produto que geram com seu próprio trabalho. Executivos das empresas estariam tomando medidas para ampliar a inovação e a eficiência, portanto nada mais justo do que ficarem com uma fatia maior desse ganho.

O estudo apresentado na conferência do FMI (“Rendimentos do Topo e Grande Recessão: Evolução Recente e Implicações de Política Econômica”) mostra que há muito de ideologia nessa narrativa, e poucos dados concretos. Não existe nada que demonstre, por exemplo, que o a produtividade desses altos executivos aumentou tanto. Na Alemanha e França, houve ganhos semelhantes de produtividade, mas a participação dos mais ricos na renda manteve-se praticamente constante no período.

Na verdade, as evidências são de que a participação dos 1% mais ricos na renda nacional aumentou graças à queda nas alíquotas de impostos. Nos anos seguintes à Grande Depressão, as alíquotas cobradas dos mais ricos subiam para patamares médios de 82%, e a desigualdade caiu. O governo Ronald Reagan cortou as alíquotas nos anos 1980, e desde então a concentração de renda subiu. Hoje, a alíquota para os mais ricos é de 35%. No Brasil, a alíquota máxima foi reduzida de 35% para 27,5% no governo FHC.

Os dois autores calculam qual seria, na conjuntura atual, a alíquota ótima para taxar os mais ricos, levando em consideração fatores como incentivos para a oferta de trabalho e riscos de evasão. A conclusão é que esses percentuais deveriam estar nos patamares de 70% ou de 80%.

Esse seria, do ponto de vista técnico, o nível de taxação ideal para corrigir as distorções sociais causadas pela aguda concentração de renda. E fica a questão levantada durante o seminário do FMI pelo economista-chefe do organismo, Olivier Blanchard, num momento em que o Congresso americano está profundamente dividido. “É politicamente factível esse aumento de impostos?”

Alex Ribeiro é correspondente em Washington. Excepcionalmente, deixamos de publicar hoje a coluna de Antonio Delfim Netto

Luis Nassif

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