Revisão tarifária do setor elétrico

Setor elétrico: entenda revisão tarifária

Terceiro ciclo, previsto para o próximo semestre, deverá enfrentar o peso dos encargos na conta das tarifas

Por Bruno de Pierro, do Brasilianas.org

Neste ano, o país entra no terceiro ciclo de revisão tarifária do setor elétrico. Trata-se do período em que as empresas de distribuição de energia elétrica tem suas tarifas revisadas pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), levando-se em conta as condições do mercado. O processo, que ocorre geralmente a cada quatro anos, resulta na divisão e distribuição do custo das companhias, que é repassado ao consumidor. Contudo, o terceiro ciclo, que começaria a partir de abril, foi prorrogado pela agência reguladora, pois a metodologia que deve ser aplicada ainda está sendo discutida. A nova data está prevista para outubro.

Enquanto o processo não começa, Brasilianas.org ouviu especialistas do setor, para entender quais são os procedimentos adotados na revisão das tarifas e como elas são calculadas e repassadas aos consumidores. Na primeira entrevista, a reportagem conversou com Fernando Umbria, representante da ABRACE – Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres -, que explicou como os encargos inseridos no calculo das tarifas tem contribuído para o aumento nos últimos anos.

No final da década de 1990, conta Umbria, o setor elétrico passou por uma alteração sensível na questão tarifária. Antes, as tarifas eram feitas de acordo com uma metodologia conhecida como Serviço pelo Custo. A distribuidora apresentava uma planilha de custos para o regulador à época (não era a Aneel, mas um departamento do Ministério de Minas e Energia), que, por sua vez, homologava o documento e estabelecia uma tarifa em cima daquela referência de custos, com determinado retorno para a empresa. A revisão, como atualmente é feita, não existia. Segundo Umbria, o problema da tarifa pelo custo era, principalmente, a falta de incentivos à eficiência das empresas. “Tivemos inúmeros casos de empresas que se tornaram fortemente ineficientes, porque qualquer custo que elas tivessem era colocado na planilha, o que refletia na tarifa”, disse o especialista.

Esse modelo também servia muito bem como ferramenta para conter a inflação, mas acabou sufocando as companhias, que contraíram muitas dívidas. Da segunda metade da década de 1990 para cá, passou a vigorar a Tarifa pelo Preço, baseado num conceito diferente ao anterior. A Aneel tem hoje o que chamamos de Empresa de Referência, que seria uma empresa que consegue operar de maneira eficiente, tendo custos eficientes e, portanto, oferecendo incentivos para que as empresas sejam eficientes. “Quanto mais eficiente for a empresa, melhor será o retorno dela”, explica Umbria.

No novo modelo, o sistema de revisão tarifária cíclica funciona como um regulador, adequando os custos aos preços. Durante o período em que presta serviço, a distribuidora acumula um conjunto de ganhos de produtividade, ajustando-se no seu contexto econômico, modificando, assim, a maneira como atende a seus clientes. Ou seja, se o mercado aumenta, a densidade da sua rede também se altera. “Ela agrega alguns outros serviços que às vezes não estão tão diretamente relacionados à concessão”, ressalta Umbria.

Passado determinado período – quatro anos, na maioria dos casos -, a Aneel acessa essas informações e verifica como está a situação de cada distribuidora naquele momento, considerando o entorno do mercado, isto é, a conjuntura econômica.

O peso dos encargos

A cada ano, as tarifas tendem a aumentar, explica o especialista da ABRACE. Basicamente, a tarifa nada mais é do que a combinação de poucos fatores: o Megawatt-hora (MWh); o uso da rede; os encargos e os impostos. De todos os componentes, os encargos tem sido protagonistas dos aumentos na conta de luz. “Ao longo dos últimos anos, tivemos uma explosão de novos itens que foram incorporados às tarifas”, afirmou Umbria, ao considerar essa dinâmica perversa ao segmento industrial, pelo fato de fomentar a perda de competitividade.

“Dos nove encargos introduzidos na tarifa, pelo menos metade não tem relação direta com os serviços de energia”. Para exemplificar, Umbria cita a CCC (Conta de Consumo de Combustíveis), o maior encargo presente na tarifa. A CCC é utilizada para cobrir uma parcela significativa dos custos de geração de energia observados na região Norte, a qual pertence a um sistema que não está conectado ao grande sistema de energia elétrica do país. “Na verdade, são pequenos sistemas isolados, que geram a sua maior parcela de energia por meio de termoelétricas, dadas as condições geográficas da região”, explicou Umbria.

Devido à dificuldade de se fazer com que o sistema chegue à região de maneira eficiente, o custo é muito mais elevado do que no sistema interligado. Portanto, essa energia precisa, necessariamente, ser subsidiada para que os consumidores do Norte não tenham uma tarifa extremamente cara. “caso contrário, eles teriam que pagar quatro ou cinco vezes mais caro”, completa Umbria. O especialista não questiona a necessidade deste subsídio. Mas não concorda que todos os outros consumidores do país tenham que pagar a diferença. “Parece demasiado que os consumidores cubram a diferença. O governo é que deveria cuidar disso, pois se trata de uma diferença regional”, afirmou.

No caso da CCC, que é considerada encargo de tipo “selo”, ou seja, tem o mesmo valor, seja qual for o consumidor (indústria ou pequeno consumidor), em 2010 o valor foi de R$ 15 por MWh. Para a indústria, conta Umbria, esse valor pesa muito mais do que para um consumidor de pequeno porte. O mesmo ocorre com outros encargos, como a CDE – Conta de Desenvolvimento Energético – e a parcela destinada à Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

Transparência

Uma das críticas mencionadas por Umbria é referente à falta de transparência com relação aos investimentos realizados com o montante arrecadado pelos encargos. Em 2010, o volume total arrecadado pelos nove encargos foi de R$ 17 bilhões. Umbria conta que, apesar da apuração feita pela ABRACE, para identificar como esse valor foi investido, muitas informações ainda estão não são disponibilizadas pelas empresas. Além disso, há a quantia arrecadada por meio dos tributos, como PIS, Cofins e ICMS, o que chega a somar aproximadamente 25% sobre o valor dos encargos. Para as indústrias, os tributos não são tão perniciosos, mas para o consumidor comum, sim.

“Do ponto de vista dos tributos, com certeza os consumidores residenciais, aqueles que não tem possibilidade de compensação, evidentemente sofrem um efeito mais acentuado. Mas quando se fala em encargos, este é um custo real das indústrias, e é proporcionalmente mais elevado para elas”, diz.

Questionado se após a terceira rodada de revisão as tarifas continuariam subindo, o especialista responde que a tendência é que aumentem, por conta dos encargos. “Nos últimos 10 anos, as tarifas tiveram um aumento real da ordem de 100%”, conclui. 

Luis Nassif

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