Revisitando mitos das contas públicas

Coluna Econômica –  27/04/2010

Nos anos 90, o equilíbrio das contas públicas tornou-se um valor nacional. Mas um valor cercado de uma visão enviesada. De um lado, ignorando-se todos os reflexos sobre a dívida pública dos juros altos praticados pelo Banco Central. De outro, tratando toda despesa pública, mesmo as essenciais como se fosse desperdício – quando o grande objetivo da arrecadação dos impostos é a devolução dos recursos na forma de serviços públicos. Finalmente, ao não separar, nas despesas públicas, o que era despesa com pessoal dos recursos devolvidos à população na forma de serviços.

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Nesse jogo retórico entraram vários especialistas em contas públicas, cujo objetivo único não era o de compreender melhor a natureza dos gastos, mas de sempre levantar argumentos que legitimassem o corte de gastos essenciais.

O trabalho “Dois mitos das contas públicas», publicado pelo IBRE (Instituto Brasileiro de Economia), da Fundação Getúlio Vargas do Rio, procurou desmistificar esse jogo – surpreendentemente, aliás, já que a FGV-Rio sempre abrigou esse tipo de pensamento enviesado.

“O efeito disso, por sua vez, foi o de anestesiar a sociedade para a importância da questão, já que a sensação geral é a de que nada muda — nem o comportamento do governo, tampouco as críticas”, constata o trabalho.

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O trabalho identifica mudanças importantes na abordagem da questão fiscal, fugindo dos estereótipos criados por economistas como Raul Velloso e Fábio Gimbiagi.

O trabalho busca confrontar dois mitos sobre os gastos públicos: o de que a mera melhoria de gestão seria suficiente para atacar as ineficiências do Estado brasileiro; e o de que o único motivo para o baixo investimento público seja essa ineficiência, já que, segundo essa visão, o grosso da receita pública se destina a gastos correntes.

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O trabalho mostra que “de 1999 a 2009, o gasto público federal real, deflacionado pelo IPCA do IBGE, cresceu a uma taxa média de 7,3% ao ano”, passando de 14,1% para 18,3% do PIB no período. Mas, qual a razão?

O trabalho decorre às contas fiscais divulgadas pelo Tesouro Nacional. Nelas, há uma confusão de dados, especialmente no OCC (Outras Despesas de Custeio e Capital), onde se misturam desde recursos do Bolsa Família até passagens aéreas e compras de material de consumo.

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Para organizar os dados, o trabalho criou o conceito de “custeio restrito”, que tira dos gastos de custeio aqueles que voltam para a sociedade, como aposentadoria, reformas e pensões, gastos sociais etc.

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Decompostos os gastos de custeio, revelou-se um outro panorama para o crescimento de 4,3 pontos percentuais do PIB na despesa pública federal não financeira: 1,7 ponto porcentual do PIB foi do INSS; 1,3 de gastos sociais; 0,6 de investimento; 0,6 de custeio de saúde e educação; e 0,4 de pessoal. O custeio restrito revelou uma queda de 0,3 ponto percentual, caindo de 2,1% para 1,8% do PIB no período.

Há mais dados no trabalho, sobre a demora na execução dos gastos públicos.

Investimento público – 1

O trabalho analisa o baixo investimento público no Brasil, menos da metade do que era nos anos 70, apesar da carga tributária ter saltado de 25% para 35% do PIB. Estudos de Mansuteo de Almeida, do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostrou que grande parte da demora de se concretizar investimentos públicos está em entraves burocráticos e administrativos, ainda não resolvidos.

Investimento público – 2

No Orçamento federal de 2008, constata o trabalho, a dotação autorizada para investimento foi de R$ 54,97 bilhões. Mas o investimento efetivamente realizado foi de apenas R$ 28,3 bilhões, dos R$ 18,3 bilhões correspondem aos “restos a pagar” (RAP) de exercícios anteriores. Portanto, a execução do investimento foi de menos de 60% da dotação orçamentária reservada para essa rubrica.

Investimento público – 3

Para entender a razão, o trabalho tabulou as respostas de relatórios de avaliação anual do Plano Plurianual de Investimentos, preenchidos pelos gestores de projetos de investimento. Uma das perguntas é sobre as causas maiores para os atrasos. O balanço revelou que as causas eram muito mais internas, devido a problemas da própria máquina pública, do que razões institucionais, como leis, auditorias etc.

Investimento público – 4

As principais causas foram de ordem administrativa, orçamentária, financeira e gerencial. Mas as restrições dependem do tamanho dos programas. Naqueles com orçamento superior a R$ 1 bilhão, preponderam restrições administrativas, auditorias e licitações. Pouco se falou das restrições ambientais – pelo fato de só aparecerem depois do projeto iniciado ou são resolvidas antes de iniciado o projeto.

Investimento público – 5

Para investimentos menores, o principal fator é orçamentário. A conclusão final do trabalho é sobre a necessidade de um esforço interno para melhorar os processos administrativos do governo. Os efeitos são muito mais visíveis do que meros programas de redução de despesas ou problemas com licenças ambientais, ou problemas de licitação. A melhora ter que ser buscada em todos os níveis.

Brasil deve crescer 6%

O otimismo do mercado em relação à economia brasileira subiu mais um tom. No Boletim Focus do Banco Central, as instituições pesquisadas acham que o PIB avançará 6%, acima da taxa anterior de 5,81% da leitura anterior. A estimativa de produção industrial também aumentou, passando de 9,41% para 9,5%. Além disso, o saldo projetado da balança comercial para o final do ano subiu de US$ 10 bilhões para US$ 12 bilhões.

Luis Nassif

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