Risco do euro persiste, mas Brasil está bem encaminhado, diz Nobel

De O Globo

Prêmio Nobel de Economia diz que risco de colapso do euro não acabou, mas está menor

Deborah Berlinck 

PARIS – Michael Spence, prêmio Nobel de Economia de 2001, saudou o acordo para salvar a zona do euro como ótima notícia. Mas alerta: o risco de colapso do euro e de um contágio atingir o mundo emergente não acabou. “Agora, o desafio é implementar o acordo”, disse em entrevista ao GLOBO em Paris. Como muitos economistas, ele acha que a Europa precisa criar rapidamente “autoridade central” com poder para agir, sobretudo nas áreas de finanças e fiscal. Às vésperas da reunião do G-20 – grupo que reúne países emergentes e ricos – Spence diz que o bloco perdeu fôlego e precisa se concentrar para buscar soluções para uma questão central: crescimento. Quanto ao Brasil, Spence so tem elogios: “o país está indo bem!”, avalia.

GLOBO – Os bancos europeus concordaram com uma acordo de redução de 50% da dívida grega. O risco de colapso do euro acabou?

SPENCE – Não acabou, mas se reduziu substancialmente. Agora o desafio é fazer, é implementar. A recapitalização dos bancos é complexa, e envolve capital privado, do governo e regional, com o Fundo de Estabilidade Europeu por trás.

Se isso for resolvido, o que falta fazer?

SPENCE – Itália e Espanha têm que fazer várias reformas para ter o apoio da União Europeia, especialmente do Banco Central Europeu (BCE). Eles não podem estabilizar sua condição fiscal imediatamente. Pode haver ainda surtos de contágio, levando a um aumento das taxas de risco, e eles precisarão do BCE para comprar sua dívida soberana e fazer a taxas diminuírem.

O que eles não devem fazer?

SPENCE – O que não devem fazer agora é não fazer nada. Seria o pior. Tanto os mercados ou o BCE vão ficar nervosos. Os programas de reforma têm que ser credíveis. A Itália foi bem no controle do déficit, mas não tem um programa credível de reforma orientado para o crescimento econômico.

O contágio, então, para outros países do euro não está excluído?

SPENCE– Ainda não. Mas se programas de reformas foram lançados e se o Banco Central Europeu for entusiasta em relação a eles, o risco diminui.

Esta crise mostrou falhas na construção da Europa, que não consegue falar com uma só voz ou só reage em caso de urgência. Como o senhor vê isso?

SPENCE– A introdução do euro foi um passo perigoso. Funcionou por um tempo, porque as taxas de juros eram estáveis e baixas. Infelizmente, isso levou países a buscarem o crescimento através do endividamento dos governos. Não foi uma boa idéia. Não vejo problema com um bloco formado por estados culturalmente diversos. Mas estes estados têm que ser unificados na área fiscal, com uma autoridade para taxação, outra para emissão de bônus, e tem uma autoridade central, eleita, com capacidade para agir. O que não pode continuar é, cada vez que há uma crise, ter que ter 17 países para concordar.

Eles têm que mudar o poder de decisão na UE, por exemplo, aprovando medidas por voto majoritário em vez de por unanimidade, é isso?

SPENCE – Isso. No meio tempo, isso pode funcionar. Mas será preciso ter um ministro das Finanças da UE, e um Banco Central Europeu e uma autoridade central que tenha, pelo menos, algum poder. No federalismo, você pode ter países guardando ainda uma boa dose de autoridade, mas não completamente independentes em áreas como a fiscal.

Brasil e China ofereceram ajuda para os países europeus em crise. É uma grande mudança, não?

SPENCE – É uma grande mudança, de fato. Trata-se de países que, há 10 ou 15 anos, não tinham condições em material de recursos. Mas acho que Brasil e China estão querendo ajudar num contexto multilateral. Não querem ajudar por conta própria. Acho que esta ajuda, com a autorização da UE, poderia ser administrada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

O Brasil teme um contágio da crise europeu no mundo emergente. Este risco existe?

SPENCE – Claro. Os canais de transmissão são claros: Se a Europa tiver uma crise financeira que provoque uma recessão na economia real, isso vai puxar a economia americana para baixo, porque somos grandes parceiros comerciais. E com queda nos principais países avançados, isso vai, pelo menos, provocar uma desaceleração nos países emergentes como Brasil e Índia. Não sairão destruídos com isso, mas têm muito em risco.

O senhor parece mais otimista hoje, não ?

SPENCE– Estou mais otimista agora do que estava ontem. O acordo é um grande passo. Antes (do acordo) se tivesse me perguntado quais as chances de uma recessão nos países avançados provocar uma grande desaceleração na economia global, eu responderia: 50%. Agora, a probabilidade bastante, caiu para 15%. Mas se algo sair errado na implementação (do acordo europeu) ou no mercado imobiliário americano.e os consumidores pararem de consumir. Enfim, as coisas ainda podem dar errado.

O senhor e muitos economistas estão dizendo que austeridade, no momento, é a receita errada. Por que muitos governos europeus insistem nisso, então ?

SPENCE – Eles não entendem. E eu não entendo (eles). Não pode resolver um problema fiscal sem crescimento. É impossível! Veja o caso da Itália: tem problemas estruturais e de crescimento e muito jovens desempregados. Tem que consertar isso. Mas ao mesmo tempo tem uma dívida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) de 120% e eles não têm que ser ajudados. Não devem. O déficit da Itália só vai cair com crescimento.

Como reduzir dívida e crescer ao mesmo tempo? Não é cortando despesa?

SPENCE – Não é preciso ter déficits tão grandes quanto o da Itália para crescer. O que precisa é reforma do mercado de trabalho, por exemplo. A discussão agora nos Estados Unidos é se não deveríamos reduzir muito rápido o deficit. Mas muitos de nós, economistas, dizemos: o déficit tem que baixar, mas se isso for feito muito rapidamente, a demanda vai cair tanto que será mais difícil recuperar. A questão é: quão rápido devem-se reduzir os déficits, trazendo o déficit para 70% ou 80% do PIB, mas crescendo o bastante para reduzir ainda mais o déficit.

Por que dizem quem o G20 está adotando uma abordagem de curto prazo ?

SPENCE– O problema é com esta rotatividade de presidentes. Cada país que assume a presidência do G20 estabelece suas prioridades. É preciso que haja continuidade e que alguns temas principais permaneçam na agenda de um encontro à outro, como emprego e talvez meio ambiente.

Quais são os principais desafios da reunião do G20 na semana que vem ?

SPENCE – O G20 atuou bem na crise, sobretudo em 2008 e em abril de 2009. Mas depois que a crise foi sendo debelada, o G20 parou de agir. Eles queriam fazer algo interessante sobre recuperação da demanda global, mas acabaram numa discussão sobre guerra cambial e coisas do tipo. Ok, mas eles acabam se desviando. Os chineses costumam dizer: não se deve discutir primeiro coisas em que há grandes divergências, mas sim onde há alinhamentos de interesses. Eles estão certos.

Qual o tema que os países deveriam se concentrar nesta reunião, então?

SPENCE – Eu diria crescimento: um leque de políticas de crescimento para a Europa, Estados Unidos e na China, para complementar.

Como o senhor avalia a economia brasileira hoje ?

SPENCE – O Brasil está indo bem. A atual confusão sobre desaceleração no crescimento está doendo um pouco. Mas em geral, o Brasil está bem governado em termos macroeconômicos, construiu vários programas para trazer ex-marginalizados para a economia moderna, através de educação e distribuição de renda. Tudo está indo na direção certa, inclusive a distribuição de renda.

Um problema que preocupa é inflação.

SPENCE – Inflação é um problema, mas o Brasil é mais agressivo (no combate) do que outros países. Eu não acho que inflação vai se descontrolar no Brasil, até porque vocês tiveram uma experiência tão ruim com inflação no passado. Às vezes o Brasil é até agressivo demais no combate.

Luis Nassif

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