Sistemas de pirâmide: crime contra a economia popular

Por Tasso Duarte de Melo

Não é de hoje que criativas formas de negócios são concebidas para se atingir o sucesso empresarial. Os contratos de pirâmide ressurgiram, com nova roupagem, utilizando-se do ambiente da internet e das redes sociais.

Recente e interessante acórdão da C. 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), no julgamento da Apelação Cível nº 9106934-14.2009.8.26.0000, relatado pelo e. desembargador Salles Rossi, julgou procedente o pedido de rescisão de dois contratos firmados em sistema de pirâmide, apresentados sob o título de “contrato de concessão de uso de mega loja e site institucional pessoa jurídica” e de “contrato de agente de vendas por indicação”.

O sistema de contratação conhecido como pirâmide resulta de prática caracterizada pela conduta de um ofertante que propõe ao ofertado a possibilidade de ganho empresarial fácil, condicionado apenas à cooptação de outros contratantes. A ilicitude se qualifica pelo pagamento adiantado de taxas de adesão ao sistema de contratação conjunta.

Em linhas gerais, esse arranjo contratual propõe que sucessivos contratos sejam firmados, na forma de uma corrente ou pirâmide, em que cada novo contratante paga por sua inclusão no sistema, tudo sob o aparente borrão de que o objeto contratual seria a disponibilização de espaço na internet, espaço este que viabilizaria a cooptação de novos parceiros comerciais.

O que parece uma engenhosa forma de ganhar dinheiro, contudo, nada mais é do que um tipificado crime contra a economia popular, assim já definido desde a edição da Lei nº 1.521, de 1951, que em seu art. 2º, IX, classifica como fraudulenta a obtenção de ganhos ilícitos em detrimento da população, mediante técnicas de “bola de neve”, “cadeias”, “pichardismo” ou quaisquer outras equivalentes, sendo cominadas as penas de detenção e multa.

Além das implicações no âmbito do direito penal, muitas são as consequências na esfera cível pela formação desses negócios jurídicos.

O acórdão da lavra do e. desembargador Salles Rossi concluiu pela nulidade dos contratos, em razão da ilicitude de seu objeto, por constatar que a lucratividade decorria da adesão de novos contratantes ao sistema, tudo a evidenciar o desvio de finalidade e a configuração da denominada pirâmide.

Em especial, registrou não ter sido possível aferir se algum contratante obteve sucesso com o negócio, o que o levou a duas conclusões: afastar a tese de defesa segundo a qual o sistema cuidaria de uma surpreendente estratégia de marketing, cujas perdas estariam exclusivamente ligadas à má gestão do negócio por seus associados bem assim afastar a alegada licitude da forma de contratação proposta.

O que parece engenhosa forma de ganhar dinheiro é crime contra a economia popular

Embora recente o julgado sobre essa modalidade de pirâmide, ou seja, a que se utiliza das técnicas de marketing de relacionamento no ambiente da internet e das redes sociais para fins nitidamente empresariais, não são raros os precedentes no TJ-SP, no sentido da ilegalidade dessa conduta.

Ao descrever o sistema de pirâmide na Apelação Cível nº 9096395-23.2008.8.26.00, distribuída à C. 4ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, o e. desembargador Ênio Zuliani destaca que a aparente legalidade do sistema pode trair a motivação e conduzir os novos aderentes à grave equívoco.

Isso porque, buscando impressionar por uma ampla divulgação do sistema, com apresentação de produtos e serviços que facilitariam o empenho de novos interessados, em verdade o que se propõe é a obtenção de ganhos pela mera adesão ao programa, notadamente porque a obtenção de lucro se dá com a formalização de novos contratos e a repartição da taxa de admissão de um novo associado.

Para o e. desembargador, ademais, o sistema careceria de boa-fé objetiva, pois para caracterizar uma atividade de representação ou parceria adequada, deveriam os aderentes ter assessoria e incentivo ao comércio de serviços úteis e legais.

Já a 5ª Câmara de Direito Privado do TJSP, quando do julgamento da Apelação Cível nª 9209808-77.2009.8.26.0000, com acórdão relatado pelo e. desembargador James Siano, também declarou a ilegalidade dos contratos de pirâmide. Todavia, o fez com especial ênfase ao princípio da boa-fé objetiva para ressaltar que tal preceito obriga a ambos os contratantes, condenando a empresa beneficiária à reparação de danos materiais, com a devolução do valor pago pela adesão quando da rescisão de referidos contratos, mas afastando a pretensão à reparação de danos morais.

Entendeu que apesar da ilicitude da conduta daquele que propõe a formalização de contratos pelo sistema de pirâmide, inclusive com implicações de caráter criminal, não se ignora que o aderente participa conscientemente do sistema e reconhece que a obtenção de seus lucros é condicionada simplesmente a adesão de novos associados ao programa, o que na linguagem popular se diz “lucro fácil”.

Nesse sentido, não haveria que se falar em danos morais reparáreis, pois a frustração do negócio seria fruto da cobiça e incúria do aderente, que não teria nenhum de seus direitos de personalidade desrespeitados em razão da exposição pública na participação nesses contratos.

De tudo, apesar da reiterada prática de contratações pelo sistema de pirâmide, vê-se que o Poder Judiciário paulista tem se posicionado de forma a impedir tais condutas, seja declarando a nulidade desses arranjos de modo a preservar a economia popular, seja condenando as empresas que se utilizam desses artifícios a reparar os danos materiais e morais.

Da leitura dos acórdãos, com seus brilhantes votos, fica a doutrina e o alerta para as consequências jurídicas da formação desse tipo de contrato.

Tasso Duarte de Melo é mestre em direito político e econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, professor dos cursos de graduação e pós-graduação na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie nas cadeiras de Direito Processual Civil e Direito do Consumidor e desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Luis Nassif

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