Sobre o “custo brasil” e o Fundo de Garantia

Do Reaçonaria 

FGTS: Ele não serve mais

Na semana passada publiquei um post inicial sobre o amplo problema do “Custo Brasil“, focando numa realidade perversa da nossa situação: O Funcionário brasileiro custa caro para a empresa mesmo sem ter o dinheiro em mãos. Foi necessário trazer dados bem básicos sobre a carga tributária para enriquecer a demonstração de que há quase um salário inteiro entre o que a empresa gasta e o que o funcionário recebe. Porém, o ponto central daquele post precisa ser desenvolvido: Por que temos tantos confiscos na Folha salarial? Por que tanto dinheiro que obrigatoriamente deve sair das contas dos empregadores não vai à conta do trabalhador, mas fica confiscado ora nas mãos do próprio empregador ( 13o e férias ) ora nas mãos do Governo? No caso mais gritante, o do FGTS, por que devemos ter nas mãos do Governo um dinheiro que é do funcionário, que só pode usá-lo quando apresentar justificativas, e ainda o vê parado numa conta investimento que não ganha da Poupança e quando muito supera a inflação? Se esse dinheiro já é gasto pelo empregador, e portanto não faria nenhuma diferença a ele se depositaria em uma conta sua ou do Governo, por que não mudar permitindo ao menos que o trabalhador tenha o direito de administrar esse dinheiro mensalmente?

Primeiro de tudo é necessário entender a origem do FGTS e todas as suas funções. O responsável por sua criação foi talvez o mais competente trabalhador de Governos Federais do século passado, criador de várias políticas e engenharias financeiras necessárias para os períodos em que serviu o poder público: Roberto Campos. O FGTS foi um mecanismo necessário em seu tempo para reduzir os danos de uma política anterior também ruim. Mas falar do Fundo de Garantia é lembrar de coisas como o BNH, o Sistema Financeiro de Habitação, herança de Vargas, governo Castello Branco… Nada melhor do que trazer as palavras do mentor da coisa, Roberto Campos, publicadas em seu belíssimo livro de memórias “A Lanterna na Popa“. Seguem então alguns trechos em que Roberto Campos trata do FGTS, seu debate, sua concepção, seu uso e sua implantação:
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SOBRE CRIAR O FGTS PARA SUPORTAR O SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO:

“O aporte de recursos mais estável e fundamental (nota: Do Sistema Financeiro de Habitação )veio através do FGTS, criado em Setembro de 1966, e implantado a partir de 1967. A finalidade do FGTS era criar um pecúlio financeiro permanente, em substituição ao instituto da estabilidade no emprego, que previa uma indenização somente no caso do desastre da despedida. Sua utilização como base financeira do sistema de habitação foi uma brilhante idéia de Luiz Gonzaga do Nascimento e SIlva, segundo presidente do BNH, e de Mário Trindade, que lhe sucedeu(…)”

Na década de 60 o déficit habitacional era enorme, nosso sistema financeiro era precário, a inflação era alta ( não absurdamente alta como em outras décadas posteriores ) e havia muita instabilidade política. Neste cenário, as políticas habitacionais eram a grande esperança para milhões de brasileiros terem suas casas próprias. O mecanismo de então era o SFH, Sistema Financeiro de Habitação. Hoje nosso sistema financeiro é bastante desenvolvido, a inflação só escapa ao controle quando o Governo consegue errar demais ( como nos últimos meses ) , temos estabilidade política e financeira

A NECESSIDADE DO FGTS PARA SUBSTITUIR A “ESTABILIDADE” NO EMPREGO

“A criação do FGTS foi uma das reformas sociais mais importantes, e mais controvertidas, do Governo Castello Branco. Havia o “mito da estabilidade”, tido como a grande “conquista social” do governo Vargas. Mito, porque a estabilidade, após dez anos de serviço na empresa, se havia tornado em grande parte uma ficção. Os empregados eram demitidos antes de completado o período de carência, pelo receio dos empresários de indisciplina e desídia funcional dos trabalhadores, quando alcançavam a estabilidade. Os trabalhadores, de seu lado, ficavam escravizados à empresa, sacrificando a oportunidade de emigrar para ocupações mais dinâmicas e melhor remuneradas. Os empresários perdiam o investimento no treinamento; as empresas mais antigas, que tinham grupos maiores de empregados estáveis, eram literalmente incompráveis ou invendáveis por causa do “passivo trabalhista”. Muitas empresas não mantinham líquidos os fundos de indenização de despedida, ou sequer os formavam, criando-se intermináveis conflitos na despedidade de empregados.
Foi precisament um desses casos típicos de rigidez estrutural nas relações de trabalho que deflagrou a busca de uma solução mais flexível, tipo FGTS. Era o caso da Fábrica Nacional de Motores (FNM) em Xerém, Rio de Janeiro.(…) Havia 4000 funcionários, na grande maioria estáveis. Quem a comprasse, compraria um imenso passivo trabalhista.(…)”

Como visto, o FGTS foi um mal menor. Foi a forma possível para quebrar o ciclo ainda pior da estabilidade no emprego. Assim como quando estamos com a garganta inflamada tomamos antibióticos mesmo alguns dias após a cura, para afastar o mal de vez, mas depois devemos abandoná-lo, o FGTS do jeito que foi desenhado e para a finalidade que foi aplicado já não é mais necessário. Mas há mais motivos…

A FÓRMULA DO FGTS

“Daí se originou a fórmula do FGTS, de substituição da estabilidade por um pecúlio financeiro, em conta nominal do empregado, que ele poderia transportar de empresa para empresa. Não haveria encargo adicional para as empresas e nenhum empuxe inflacionário, pois a contribuição de 8% do empregador, para a formação do FGTS, era compensada pela eliminação de vários encargos sociais que representavam 5,2% da folha e pelo Fundo de Indenização Trabalhista, quer representava 3%(…) “

Em sua origem o FGTS substituiu impostos. Acontece que, de lá para cá, a carga tributária praticamente dobrou.Se na origem havia a justificativa do FGTS ficar em mãos do Governo pois esse estaria sofrendo perda de arrecadação, hoje a situação é totalmente diferente pois o Governo arrecada demais. O gigantismo tributário do Brasil torna nosso Estado um sócio pesado tanto para empregadores quanto trabalhadores e, no caso do confisco praticado pelo FGTS, faz com que o trabalhador perca dinheiro. Também cabe ressaltar que muito do crescimento da carga tributária no total do PIB deve-se à evolução das tecnologias de arrecadação, de qualquer forma isso não altera o fato de que o peso tributário é exagerado e não necessita mais desse apoio confiscatório sobre o dinheiro dos trabalhadores.

OS OPOSITORES AO FGTS

“Como era de esperar, a inovação despertou grande oposição da Igreja, dos sindicatos e da mídia, com derramada preocupação emocional e nenhum embasamento analítico. (…) A despeito do esforço pessoal de Castello, que ele considerava humilhante, de barganhar com alguns políticos concessões clientelísticas ( felizmente de pequena monta), foram tantas as emendas deformadoras do projeto que o governo teve de recorrer a táticas dilatórias para que fosse editada por decurso de prazo, em 13 de setembro de 1966, transformando-se na Lei N.5.107. Reconhecendo a validade de algumas emendas aproveitáveis, houve um fato bizarro: no dia seguinte, 14 de setembro, foi baixado um decreto-Lei, incorporando-as ao texto. Assim, uma das medidas reconhecidamente mais fundamentais para a modernização capitalista do país teve origem controversa e inglória!”

Uma nota importante: Nessa época a Igreja no Brasil era dominada pela ideologia marxista ( Fazer o quê, aqui é Brasil e muita coisa não tem que fazer sentido, apenas aceitar ). Assim, seguramente podemos dizer que a esquerda da época foi contra o BNH. A esquerda de hoje ainda só se refere a Roberto Campos com ódio e ofensas, mas hoje é justamente a esquerda ( o que restou de Igreja esquerdista, sindicatos, parte da mídia ) quem acha que o Fundo de Garantia deve manter-se intocável. Roberto Campos tem a honestidade e coragem de deixar bem claro que o FGTS foi baixado na base da esculhambação, de acordos espúrios e malandragens regimentais. A esquerda de hoje, que domina todas as principais forças e órgãos políticos, age assim rotineiramente no trato de Medidas Provisórias, Projetos-de-Lei. É natural que não tenham também nenhuma objeção ao que está descrito aqui. Talvez até achem Roberto Campos um tanto ingênuo por abrir-se dessa forma, quase que se desculpando…

SOBRE COMO O BNH PERDEU O RUMO ATÉ SER EXTINTO:

“Ao longo dos anos, até sua equivocada extinção no governo Sarney, o BNH trouxe importante contribuição para a solução do problema habitacional. Operou em escala limitada entre 1964 e 1967. A partir desse ano, teve seus recursos reforçados pelo FGTS e pelas cadernetas de poupança. A partir de 1971, ampliaria suas funções, tornando-se um banco de desenvolvimento urbano, engajado também em operações de Saneamento Básico.
Gradualmente sofreu os efeitos da “lei da entropia” burocrática. O segmento de habitações de baixa renda, que era a motivação principal, perdeu terreno, ao longo dos anos, comparativamente a operações mais rentáveis em habitações de classe média e construções comerciais. (…) A absorção do BNH pela Caixa Econômica Federal, em novembro de 1986, não redundou em economias administrativas e deixou inaproveitada boa parte da expertise criada em 22 anos de funcionamento.”

Esse foi o triste fim de um dos pilares da implantação do FGTS.

Concluindo…

Leis, impostos e normas governamentais têm suas motivações temporais, quando em resposta a circunstâncias novas, ou duradouras, quando baseadas em princípios. No caso do FGTS, todas as justificativas para mantê-lo como foi desenhado estão datadas e obsoletas. A única necessidade real do FGTS hoje seria para o cálculo da multa em caso de demissão sem justa causa e para isso não há nenhuma necessidade de seguir como hoje, deixando o dinheiro parado nas mãos do Governo em uma conta com rendimento ridículo.

O que sugiro para cada um é pensar: E se o FGTS continuasse sendo cobrado ao empregador, continuasse indo para uma conta especial mas essa conta fosse de livre acesso e uso do trabalhador? E, tal como hoje, os 8% mensal continuariam sendo acumulados e sob mesmo rendimento atual do FGTS, mas apenas para efeitos de cálculo de rescisão? O dinheiro do FGTS já é do trabalhador, nunca será tomado dele e já sai mesmo das mãos do empregador. Esse novo desenho só afetaria um ente: O Governo, essa estrutura imensa, atrofiada e incompetente. Ou você acha que o Governo é melhor para administrar o seu dinheiro do que você mesmo?

Admito que o que proponho soa radical e teria muitos impactos imediatos. Então vamos lá, que tal um meio-termo: Crie-se um novo FGTS em que metade do “Fundo” estaria na conta do Governo bloqueada e a outra metade disponível para os trabalhadores. O cálculo para fins rescisórios seria o mesmo. As regras para sacar o dinheiro confiscado pelo Governo seria o mesmo. Apenas teríamos o efeito imediato de ver o rendimento dos trabalhadores crescer de imediato. E que tal estimularmos o debate e decisão de todos os brasileiros deixando como padrão o FGTS  do jeito que está hoje, sendo 100% confiscado e administrado pelo Governo, cabendo àqueles que se sentirem maduros, responsáveis e conscientes o bastante para lidarem com um crescimento de renda mensal de 4% (metade do FGTS), optarem pelo direito de usarem mensalmente o dinheiro que já é deles?

O mundo muda, quase tudo muda, pessoas e idéias evoluem, transformam-se, adaptam-se ou tornam-se obsoletas. Acho curioso ver a esquerda brasileira como guardiã da obra de um dos maiores pensadores e cronistas liberais brasileiros, respeito essa admiração um tanto fora-de-lugar. É para retribuir a gentileza que serei utópico: Tenho certeza que minha ideia será adotada e que, neste dia, nos uniremos todos reconhecendo tanto os grandes princípios de Roberto Campos quanto suas ações corretivas necessárias.

Luis Nassif

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