A Amazônia é de quem, cara-pálida? por Antonio Andrade

Essa questão deveria ser de fácil resposta, mas essa dúvida também é parte de uma narrativa criada para que a floresta não tenha “dono”

Agência Brasil

Por Antonio Andrade*

O Dia da Amazônia, 5 de setembro, é palco para muitas celebrações, protestos, atos, reportagens, registros e muita gente falando que é “dona” da Amazônia ou que a floresta “é de todo mundo”…

Mas quem, de fato, guarda, protege, luta e morre pela floresta? A resposta é inequívoca: os povos que habitam a Amazônia!

Essa questão deveria ser de fácil resposta, mas essa dúvida também é parte de uma narrativa criada para que a floresta não tenha “dono”, assim todo mundo pode “defender”, mas não se responsabilizar.

Estima-se que cerca de 180 povos indígenas, mais de 400 comunidades quilombolas, junto com outras diásporas, habitam a região atualmente. Vivem na pele as agressões diárias. A tomada de terras, a exploração de minerais e de vidas. E estão cansados de ouvirem calados e caladas que a Amazônia é prioridade para este mundo, que vive as mudanças climáticas, que nem os estúdios de Hollywood anteciparam.

Mas algumas certezas estão ai para quem quer e não quer ouvir. O impacto das agressões à floresta é coletivo e não tem volta. A natureza não morre, transforma-se. Mas o homem pode morrer. E está morrendo, infelizmente, e não só de Covid-19.

A pandemia fez o mundo parar, em momento em que o mundo já vivia uma desigualdade profunda, com avanço das pautas conservadoras. Como exemplos, a explosão do racismo, e a disputa pela terra na Amazônia.    

O Boi Garantido há 104 anos faz parte desta Floresta. E já cantamos e apresentamos espetáculos fantásticos sobre a Amazônia no Festival de Parintins. Mas assim como muitos, nosso poder de fala não passava da fala. A Amazônia precisa urgente de uma nova concepção de luta. E quem deve liderar este processo é quem está vendo e vivendo as agressões de perto: os povos da floresta.

E para sair do discurso, o Boi Garantido participa desta Live “ Show Amazônia Viva”, uma iniciativa do Instituto Cultural AJURI e da COIAB, que lideram entidades e grupos pela segunda vez neste evento, e esperam, no Dia da Amazônia, trazer uma reflexão e planos de ações para defesa prática da floresta e do próprio povo que vive nela e no mundo.

E a contribuição da Associação Folclórica Boi Bumbá Garantido é trazer a cultura como centro da permanência destes povos na Amazônia. Com cerca de três milhões de torcedores, a Nação Vermelha é o Boi da Amazônia.

E queremos contribuir com o debate e também com as nossas redes em torno da criação de um Sistema Popular de Monitoramento da Amazônia, que busca utilizar as redes populares existentes na Floresta para estruturação de um repositório de denúncias e ações práticas, em momento que os órgãos de fiscalização estão sob ataque de grileiros e empresas exploradoras, com baixo efetivo para enfrentar o desafio das queimadas, garimpos, exploração de madeira, etc… E que lideranças estão morrendo, são presas ou sofrem ameaças. 

Como está no texto do Comunicado/Manifesto da “Live Show Amazônia Viva”, a proposta do Sistema tem como objetivo “tornar possível que, de forma anônima, qualquer pessoa possa se sentir segura em denunciar”.

Pensamos que este sistema em rede popular contribua para a mudança da realidade atual, ou seja: o povo que mora na Amazônia será o fiscal da floresta. Queremos resguardar quem denunciar e amplificar essa denúncia, como prevê a proposta, “para todos os parceiros da rede de monitoramento no Brasil e no exterior, na mídia e redes sociais, órgãos de fiscalização da União, Estados e Municípios, entre outros, possibilitando variadas ações para defender a floresta e seu povo”, na petição que está disponível para assinaturas na plataforma Avaaz.

E não queremos que este monitoramento seja para competir com o Estado, mas para agregar, e que use a inteligência e participação social. Nosso desejo é criar indicadores e análises a partir dessa realidade da floresta. E para que o sistema funcione, ele precisa ser dialogado e estruturado pelas entidades e lideranças, e estar aberto a quem pode ajudar tecnicamente e financeiramente. E colocamos a Cidade Garantido para ser a base física desta iniciativa.

Esperamos que esta pauta prática receba apoios práticos para tornar possível essa proposta o quanto antes, pois a floresta não pode continuar apanhando, sem que seus agressores não sejam responsabilizados. E hoje há um medo de denunciar, de lutar. É fácil em New York defender a floresta… Mas e quem mora nela, como fazer isso? Se o vizinho, o parente, o patrão, as autoridades locais, em muitos casos, são apoiadores e dão suporte à destruição da floresta?

Essa proposta do sistema deve ser dialogada e estruturada pelas entidades e lideranças, e estar aberta a quem tem capacidade de ajudar tecnicamente e financeiramente. Esperamos que receba apoios e ganhe vida, que no ano que vem o Dia da Amazônia possa registrar o que de fato está ocorrendo em cada cidade, lugarejo, aldeia, quilombo. Que todos estes povos ajudem nesta construção coletiva de saídas.

É urgente um fim para as mortes dos povos e da floresta, e é urgente que essa resposta e defesa sejam feitas por quem vive de perto essa conjuntura perversa. E para quem não está na Amazônia é urgente ajudar estes povos a continuar protegendo e defendendo o que resta da floresta e de seus habitantes, povos, fauna e flora.

* Antônio Andrade, presidente do Boi Garantido.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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