A Carta de Campinas: Misoginia Atualizada, por Janaína Penalva

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da Folha

A Carta de Campinas: Misoginia Atualizada

POR #AGORAÉQUESÃOELAS

Por Janaína Penalva*

Campinas, 1 de janeiro de 2017, 12 mortos na noite de réveillon. Nove mulheres, uma criança e dois homens foram assassinados. O feminicida se matou em seguida. Ele deixou uma carta em que enunciava as razões do crime: acabar com as vadias e com as famílias das vadias. A carta têm trechos endereçados ao filho de 8 anos que também foi assassinado por ele: “tenho raiva das vadias que se proliferam e muito a cada dia se beneficiando da lei vadia da penha! Não posso dizer que todas as mulheres são vadias! Más todas as mulheres sabem do que as vadias são capazes de fazer!”

O ódio às mulheres, a extensão desse ódio aos filhos e à família e a premeditação do suicídio após o feminicídio não é novidade. Também não é novo que o dia escolhido para o feminicídio seja um dia de festa. Pesquisas mostram que as mulheres sofrem mais violência nos feriados e finais de semana e que as crianças morrem vitimadas pela violência de gênero que assassina suas mães. Para as mulheres que estão, estiveram ou estarão em relacionamentos com homens violentos é arriscado comemorar. O perigo é maior quando a rotina se suspende. A festa e seus condicionantes evidenciam o ódio.

Há, todavia, algo novo no caso: o texto do feminicida tornado público. Em que o texto de um feminicida pode ajudar?

O que está sendo chamado de chacina é prova brutal da falha do Estado em defender e proteger aquelas mulheres do ódio e da violência. Avaliar o escrito diante de tantos corpos sem vida é pouco e duro, mas é tempo de se investigar as razões do ocorrido, tempo de buscar responsabilidades, hora de se denunciar a vida insegura que as mulheres levam. O texto deixado pelo homem não registra apenas as circunstâncias dessa suposta chacina, há algo que ultrapassa o caso e revela parte do que as leis penais de proteção à mulher provocaram na sociedade brasileira.

A hipótese é que a misoginia está em processo de reorganização.

O texto deixado pelo homem aponta para a reconfiguração do ódio às mulheres após a vigência de leis penais mais duras quanto à violência de gênero e após um aumento da presença nas mídias do discurso feminista. Presença essa que, em alguma medida, foi possibilitada pela abertura ao tema provocado por essas mesmas leis penais. Ainda que, em concreto, essas leis tenham falhado em proteger as mulheres mortas em Campinas, elas obrigaram à reorganização do discurso, exigiram que o feminicida se justificasse  perante essa nova ordem normativa, a ordem da Lei Maria da Penha, do feminicídio, a ordem dos direitos humanos.

Não há nada de novo na identificação das mulheres como vadias, tampouco é novo o desejo de as exterminar. Mas é novo dialogar com o feminismo e suas leis. Leis que o texto feminicida, como tantos outros escritos nestes dez anos coloca sob suspeita e deslegitima, invertendo sentidos.

Há uma misoginia atualizada neste texto. Ao trocar Maria por vadia ao se referir à Lei Maria da Penha e se colocar como vítima de um “sistema feminista e umas loucas”, o feminicida reconhece o poder do movimento de mulheres e de suas conquistas.

Na carta, o assassinato de todas as vadias é enunciado como um ato a inspirar outros homens.

O que ocorreu em Campinas não foi uma chacina, mas um ato de terror às mulheres. Mas é também oa prova de que estamos na trilha certa. Precisamos das leis penais que combatem a violência de gênero. Precisamos da Lei Maria da Penha. Precisamos do tipo penal do feminicídio. Sabe-se que o direito penal não vai salvar as mulheres da misoginia, lei nenhuma o fará. Mas a utilidade de um crime que responsabilize o autor pelo ódio às mulheres não se reduz por isso. Infelizmente, a importância das leis que reconhecem os direitos das mulheres não se mede apenas quando elas conseguem prevenir a violência, quando falham também mostram o valor que têm. A carta de Campinas é a prova disso.

*Janaína Penalva é Professora Adjunta da Faculdade de Direito da UnB.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

13 Comentários

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  1. Esta é uma questão de Estado.

    Esta é uma questão de Estado. embora bem situada,a questão do feminicídio,emgloba somente uma parte do problema.

    O problema real é a violência contra o mais fraco e esta violência perpetua-se em nossa sociedade devido ao atraso corporativo de nosso sistema judiciário.

    Os togados,sem um voto qualquer,sem qualquer possibilidade de avaliação da sociedade,mesmo com leis mais rígidas,ainda julgam conforme seu livre arbítrio.

    Os quatro P que o digam.

    As mulheres,na cocepção do mentecapto e de alguns de seus seguidores,enquadram-se,sem dúvida nenhuma,em um dos Ps

    É preciso acabar com o feudalismo na justiça brasileira para que possamos minimamente obter um Estado de Direito.

  2. o que eu li em outras midias

    o que eu li em outras midias é que o pai era acusado  de abusar de seu filho. o  casal se separou e a mãe pediu na justiça a guarda da criança e pediu para que o pai não se aproximasse do filho, até que o abuso  sofrido ficasse comprovado ou não. a justiça deu ganho de causa a mãe e o pai só podia se aproximar do filho com visitas monitoradas. o tempo passou e nada foi esclarecido no se refere  ao abuso. daí o ódio desse pai contra tudo…

    1. Odio ou intolerância?

      O fato da perda da guarda de um filho não leva ao assassinato do responsavel por essa perda nem da criança. O que esta em questão aqui não são as particularidades desse caso, que corre na Justiça. E sim a violência com a qual as pessoas estão lidando com suas frustrações. Por qualquer motivo – grave ou banal – as pessoas se acham no direito hoje de agredir, de insultar, de difamar e até chegar ao assassinato. E nos mulheres corremos sério risco com uma sociedade em que regra geral não aceita facilmente mudanças de comportamento. Mulheres, gays e lésbicas. Por isso, como defende a autora do texto, é necessario sim leis que dêem impulso nessas mudanças, mesmo que a principio pareça não resolver, com o tempo, adentram aos costumes do Pais.

        1. Então essa é a justificativa

          Então essa é a justificativa para o ato que ele cometeu ? Perda de guarda de filhos acontece todos os dias, em todas as partes dos mundo, e nem por isso saem por ai matando a ex ou ex, os proprios filhos etc. Eu não entrei no mérito se ele abusou ou não, mas sim nos pretextos que ele usou em sua carta fascista para o massacre que cometeu.

  3. Este e tantos outros casos

    Este e tantos outros casos pelo mundo tem um componente único; o ódio, no caso dele ódio as mulheres. lembrei-me daquele jovem no Rio que matou os ex-colegas da escola.  Nos EUA  pessoas que saem atirando tem sido mais comum, temo que esta “mania” venha ocorrer também no Brasil.

    Homem matar e-x mulher e membros da família, Infelizmente, não foi o primeiro caso e nem será o último.

    Neste caso ele resolveu matar mulher no atacado, sendo que assassinato de mulher acontece todos os dias no varejo. Quase sempre porque o marido não concordou com alguma coisa. Crimes banais e estúpidos.

    Não vejo luz no final do túnel para mudar uma situação desta, pois esta violência ocorre no mundo todo, em qualquer classe social.  

    Acho que precisamos acabar com este mundo e criar um novo, quem sabe melhora.

    1. Massacre do Realengo também alvejou mulheres (meninas)

      O Massacre do Realengo também foi um feminicídio e o seu autor priorizou o assassinato de meninas, que foram 10 das 12 vítimas.

      E desde a época há relatos de que ele teria se correspondido com outros machistas militantes (masculinistas) em fóruns na internet.

  4. Perfeito o texto. Coincide

    Perfeito o texto. Coincide com o post do Sergio Saraiva sobre a crise do homem adulto branco hetero. Esse que está com a cabeça ainda no seculo XIX.  Ele se sente acuado, e um ser violento acuado age com violência desmedida. Como um leão que prefere trucidar as fêmeas e as crias do bando que perder o poder de macho alfa.

    Os intolerantes estão saindo do armário. O golpe também teve um carater misógino. Talvez o assassino tenha achado que se a turma dele derrubou a “vadia” da Dilma, então “é minha hora de botar a vadia da minha ex no lugar dela”.

    A justiça, essa que “defende direitos de bandidos e vadias” o frustou, então inconformado tomou a atitude que em sua cabeça doentia o homem que é homem tem de tomar. Tanto é assim que muitos como ele, mesmo sem aprovar o assassinato “entenderam” seu ato

  5. Gente de bem mata

    Essa história desse feminicídio é estarrecedora. Ativistas de direita, ditos ‘cidadãos de bem’, entraram em pânico quando os articulistas do DCM os colocaram no mesmo barco do terrorista campineiro. Saíram chutando nas redes, acusando a esquerda de ‘politizar’ o ato de um homem doente, segundo eles, um ponto fora da curva.

    Acontece que a direita é misógina, o Golpe foi misógino e o discurso da Carta de Campinas é misógino, golpista e de direita. A extrema direita é vitimista. Vive se lamentando das ‘injustiças’ que a Constituição Federal os obriga a cumprir. Querem mais direitos e nenhum dever. Fingem-se de homens bons, gente de bem, cidadão do bem supostamente ‘injustiçados’.

    ‘Cidadãos de Bem” é o nome de antiga publicação da KKK norte-americana, ONG de assassinos que justificavam a barbárie com discurso vitimista. A barbárie daqui é igual: gente de bem mata, como reconhece a infeliz propaganda do Governo Temer.

  6. Ódio às mulheres, misoginia,

    Ódio às mulheres, misoginia, golpe contra a Dilma, coxinhas e machões que xingavam a Dilma de P. vaca e vadia e mandava a presidente, uma senhora já avó, tomar  no…..a mulher do octagenário golpista e traidor na capa da Veja, chacina de campinas, pode rastrear os fatos e fazer a epistemologia psico-terapêutica dos eventos, está tudo interligado, no fim o ódio político contra a Dilma é o ódio contra todas as mulheres que ascendem ao poder, como se elas estivessem tomando o lugar dos homens, roubando-lhes o protagonismo, o filho, machões rídiculos e violentos e golpistas vocês são todos responsáveis.

  7. Muito bom texto!!!

    Fizemos várias resalvas aqui e nas redes sociais que a saída da Dilma seria um retrocesso aos mais fracos.

    A população brasileira é composta de mais da metade mulheres e mesmo assim os homens mandam…

    Existe um ditado japonês que para desinvergar um vareta devemos invergar mais do outro lado. Então as coisas tentem a piorar para depois começar a melhorar.

  8. Se o matador tivesse sido preso ou alvejado antes da carnificina

    Se o Coxinha tivesse sido alvejado antes de começar o massacre ou se ele tivesse sido investigado, processado e punido, a hecatombe teria sido evitada.

  9. Pitaco de sapo de fora,

     

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    Pitaco de sapo de fora,

    -A

    Janaína Penalva

    *Janaína Penalva, é Professora Adjunta da Faculdade de Direito da UnB,

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    Caro Nassif

    Com licença de me dirigir a Janaina Penalva,

    houve uma acidente e a causa morte, foi uma lei, que um cidadão achou-se injustiçado por ela e resolveu fazer justiça com as próprias mãos, retaliando assimetricamente, tipo assim, terrorismo seletivo em escala,

    portanto quem deve indenizar as vitimas, todas, deve ser o estado, que é o garantidor da lei, e esta lei foi criada pela Maria da Penha, e não pelo Jose da Lenha, ou Gabriel da Palha,

    as famílias das mulheres mortas nesta tragédia deveria receber esta indenização do estado, e fundarem uma associação, para contratar a produção de clones de mulheres de QI acima da media, tipo a clonadora de animais mamíferos da china, e ajudarem as mulheres que quiserem adotar os embriões clones de mulheres de QI acima da media como filhas exclusivas, (sem pai), deveria modificar a lei Maria da penha, para que no futuro, mulheres realmente livres se casassem com um cartão corporativo, tipo bolsa família, que lhes garantissem a pensão alimentícia, causa da tragédia, assim elas estaria grosando da exclusividade da maternidade das meninas que parissem, e não correndo risco de um qualquer, no futuro, resolvessem repetir esta tragédia,

    assim elas estariam trabalhando realmente para a causa feminina, (a melhor, e verdadeira política de gênero), melhorando o QI médio da futura geração de mulheres, de todas as cores, e raças, e que ate poderia no futuro, num posição política, editarem leis que reivindicassem a liberdade de pesquisas com células tronco, aborto, e muitas questiúnculas, que os homens tem estabelecido, espezinhado a feminilidade, ate no seu direito básico, sobre seu próprio corpo,

    só que ai a briga não seria mais de mulher contra homem, mas de mulher contra impérios colonizadores, que não querem a liberdade independência nas colônias, Brasil no meio, ai sim estaríamos numa briga de gigantes, porem, como a força da gestação esta nas mãos das mulheres, elas até que poderiam criar uma organização secreta, para esta ação, no sentido de elas contratarem a produção de clones das mulheres mais inteligentes da terra, e ajudassem as mulheres que quisessem adotar estes clones, com serviços de fertilização assistida, e usando cartão corporativo, como pai, para ajuda na pensão alimentícia, (que é a causa de muitos desentendimentos), estariam assim realmente contribuindo para a causa feminina, e não com enganações diversas, e sendo levadas no papo de religiões que as exploram, porque muitas delas ainda querem casamento de véu e grinalda, e na igreja, que as discriminam, e espezinha sobre elas, as de QI acima da media veria isto logo, e dariam uma boa banana para as religiões todas,

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