A criminalização do estrangeiro na Nova Lei da Migração

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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A consequência direta da nova lei, de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), é o alto poder concentrado sobre o imigrante nas mãos da Polícia Federal, apontam especialistas
 
 
Jornal GGN – Uma lei da migração, que dispõe sobre novos mecanismos para tratar dos imigrantes que chegam ao Brasil, em tramitação no Congresso, está provocando críticas de antropólogos e pesquisadores especializados na temática. Pressupondo trazer uma visibilidade mais humana sobre a garantia de direitos, o Projeto de Lei 2516, de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), mascara o tratamento criminalizante da pessoa estrangeira, regularizando a prática policial, baseada no medo e aversão à diferença, afirmaram Igor Machado e Bela Feldman-Bianco.
 
Os dois dos maiores antropólogos especialistas em questões migratórias discordaram que a nova lei corresponda, efetivamente, a um avanço na proteção de direitos. Em apresentação na Cátedra Unesco Memorial da América Latina, Igor Machado afirmou que todo o histórico de legislação para atender à vulnerabilidade do estrangeiro mostra “uma unidade impressionante, entre os diferentes projetos, justamente no que têm de mais prejudicial ao imigrante: medo e discriminação”.
 
Em um dos pontos, o Projeto de Lei propõe a eliminação de estruturas dinâmicas que gerenciam a imigração, uma vez que a própria lei traria essas atribuições. A consequência será o fim do Conselho Nacional de Imigração (CNIg). Na visão de Igor Machado, esse fechamento “é extremamente preocupante”, porque atribui à Polícia Federal a responsabilidade de gerir o imigrante. 
 
“Ao centralizar a gerência em uma polícia, o PL institui a imigração como um problema de polícia e, portanto, criminaliza a imigração”, afirmou o pesquisador. 
 
A lei questiona o tratamento “caso a caso” que o atual CNIg tenta atender. Por outro lado, Igor Machado questiona que uma alternativa ao fim do Conselho “é absolutamente indeterminada” no conteúdo do projeto do senador tucano. “Não há uma previsão de instituição que organize as políticas ou mesmo pense nos ‘problemas atuais’, como se a própria lei, de alguma forma, resolvesse imediatamente todas as questões”, tornando desnecessárias estruturas para lidar com os imigrantes, explica.
 
A consequência direta da nova lei da migração é a Polícia Federal como a “única responsável pelo gerenciamento cotidiano da diferença”. “E o resultado da PF decidir quem é ou não, ou o que é ou não a diferença ‘legal’ ou ‘autorizada’, é frontalmente contrário às próprias definições gerais do espíritos do Projeto de Lei, que seriam as de uma política que evitaria violações dos direitos humanos”, afirmou o antropólogo. 
 
Outra crítica do especialista é que a lei remete “muitas das decisões importantes para um futuro regulamento”, sem especificar como essas medidas seriam determinadas em lei. O projeto ainda restringe a liberdade de órgãos do poder executivo de decidir frente a situações novas que possam aparecer com o grande fluxo migratório no Brasil, limitando-se ao que impõe a lei e, além disso, levando novamente à Polícia Federal a responsabilidade por essas situações. 
 
Igor Machado - Foto: Memorial da América LatinaA lei, afirma Igor Machado, é uma falsa tentativa de “prever todas as situações possíveis de chegada de estrangeiros ao país”, usando, para isso, termos “simplórios” para algumas categorias: migrantes, visitantes (turistas), imigrante temporário, imigrante permanente, emigrante, fronteiriço, apátrida. Nessa abrangência guiada pelo senso comum, explica Igor, “a categoria ‘refugiado’ não aparece como definição da diferença, embora a lei dê conta de imaginar as situações de refúgio”.
 
O antropólogo denuncia, ainda, a repetição de termos como “expulsão, extradição, repatriação, deportação” na lei, fortalecendo o clima de criminalização da imigração. Apenas os fatos relacionados à extradição deveriam, na opinião do pesquisador, ser incluídos em um projeto de lei específico, “pois tem pouca relação com o problema de regulação da migração em si”. 
 
Na PL 2516 há uma preocupação minuciosa de definir as formas de retirada do estrangeiro do solo nacional.”No texto, define-se primeiro as formas de expulsão e apenas depois as formas possíveis de naturalização. Ou seja, primeiro destacamos a vontade de evitar a diferença, depois com o fato de ter que, no final das contas, lidar com a incorporação de alguma diferença no tecido social brasileiro”, afirma Igor Machado.
 
O trecho que se refere à naturalização, segundo Igor, é o melhor indício de como a legislação vê a diferença, pois acaba por escalonar quem é mais ou menos aceito para o legislador, impondo condições como residir por no mínimo 4 anos no Brasil e comunicar-se na língua portuguesa. Para o pesquisador, as condições são “extemporâneas e claramente armadas para produzir uma futura exclusão”, citando o exemplo de que há milhares de cidadãos brasileiros que não dominam o português.
 
Para concluir, Igor Machado afirmou que a lei “possibilita e, de certa forma, até prevê a exploração do trabalho”, ao deixar explícito que o imigrante em situação indocumentada não tem grantia de ver seus direitos trabalhistas contratuais e legais ressalvados e sequer acesso à justiça – determinações que o especialista caracteriza como “escravidão legal”.
 
Também questionando os pontos criticados pelo antropólogo, o Comitê Migrações e Deslocamentos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), sob a coordenação da pesquisadora da Unicamp Bela Feldman-Bianco – que em reportagem do GGN já denunciou o tratamento de imigrantes como “caso de polícia” -, e Machado como vice-coordenador, sugeriu mudanças no Projeto de Lei de Aloysio Nunes.
 
“Apesar da retórica dos direitos humanos, o PL enfatiza a securitização e a criminalização dos imigrantes”, afirma o Comitê, completando que o texto final “é problemático, apontando para
um tratamento aos imigrantes ainda baseado no medo, na aversão à diferença e na permissividade à precarização do trabalho”.
 
Buscando reduzir os problemas que a Lei irá ocasionar, se decretada, os pesquisadores identificaram oito pontos de mudanças necessárias no conteúdo do projeto. As sugestões podem ser conferidas abaixo, todos reunindo como central a imagem do imigrante associada ao medo, à exploração do trabalho e, sobretudo, a “assunto de polícia”.
 
“Desnecessário dizer que deixar nas mãos de uma polícia a responsabilidade única de conduzir uma política de migração é um caminho mais rápido para a violação dos direitos humanos”, resumiu Igor Machado.
 
Abaixo, também o artigo de Aloysio Nunes para a Folha de S. Paulo, publicado em julho deste ano, sobre a Lei da Migração e o conteúdo do projeto aprovado no Senado, que atualmente está em debate na Câmara.
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

10 Comentários

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  1. Minha experiência como imigrante branco na PF

    Fonte: Escreva Lola Escreva, http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2015/10/guest-post-minha-experiencia-como.html

    Data: 01/10/2015

    Relato do D.: Desde que descobri o seu blog há uns meses através da minha esposa que tenho andado a pensar em lhe escrever sobre o que presenciei na Polícia Federal brasileira quando, como imigrante, passei por lá para obter algumas informações relativamente ao visto de trabalho.  A situação passou-se há 2 anos numa pequena cidade do sul do Brasil. Tinha ido até o sul do Brasil para fazer um estudo do mercado local e das oportunidades de negócio que poderiam haver para a empresa onde trabalho. Quando verifiquei que havia a probabilidade de ter que ficar mais tempo que o possível com visto de turismo/ negócios, e como sou casado com uma cidadã brasileira, decidi ir à Polícia Federal para tentar perceber quais seriam os documentos necessários e qual o processo para conseguir um visto permanente. Ao chegar à Polícia Federal deparei-me imediatamente com uma situação estranha que foi a ausência de qualquer tipo de ticket que iria permitir definir a priorização do atendimento a quem tinha chegado primeiro. Foi-me indicado para sentar numa sala onde havia dois conjuntos de cadeiras que separavam quem ia renovar passaporte e quem ia fazer vistos. Logo que entrei fiquei com a sensação que ia ter que esperar para ser atendido já que os lugares para o visto estavam quase todos ocupados por uma dúzia de imigrantes negros. Sentei-me, com toda a minha brancura europeia, e acomodei-me para a longa tarde que certamente me esperava. (Digo com toda a minha brancura europeia porque a meu ver terá alguma influência no decorrer desta narrativa.) Logo depois de me ter sentado saiu um dos agentes federais para falar com um dos imigrantes negros e começou uma discussão onde o imigrante reclamava por achar que os seus direitos estavam a ser desconsiderados, e onde o agente dizia repetidas vezes que ele estava “no meu país”, que ele “era um agente federal e podia prender”, e que “estás no meu país, tens de ter atenção como falas”, e “eu sou a lei” (isto tudo em inglês) lembrando-me imediatamente o Judge Dredd. Depois dos ânimos terem-se acalmado e como só ia pedir informação, decidi anunciar-me ao agente para tentar compreender se estava no sítio certo para pedir aquele tipo de informação, e também para compreender como era o processo de atendimento. O agente, estando ainda meio exaltado, fez um gesto para me sentar e esperar. Assim o fiz. Pouco depois o agente voltou a sair da sala onde estava a atender as pessoas e começou a perguntar a cada uma das pessoas que esperavam para ser atendidas para que viessem e a verificar os documentos que traziam. Expliquei novamente a minha situação e ele depois de verificar toda a gente voltou para dentro.  Passados 2 minutos saiu uma pessoa (um imigrante negro) que tinha acabado de ser atendido e eu fui imediatamente chamado, embora tenha sido o último a chegar. Ao entrar na sala verifiquei que havia duas mesas, uma com o agente que já tinha conhecido, e uma com uma agente que tinha acabado de atender o imigrante negro.  A agente esfregava vigorosamente as mãos com desinfetante, e o imigrante negro ainda não tinha saído totalmente da porta. Achei a situação peculiar mas continuei e sentei-me na cadeira. Comecei a apresentar o meu caso e a explicar a situação e fui tratado com imensa delicadeza e respeito. A agente foi muito prestativa.  Chegou ao ponto de o segundo agente que estava a atender outro imigrante negro, de se levantar da mesa dele, deixar de o atender, para me vir atender juntamente com a outra agente que já me atendia para poderem verificar qual seria a melhor opção para eu conseguir o visto permanente. Durante todo o meu atendimento fui atendido pelos dois agentes federais enquanto o outro pobre imigrante ficou esperando. Depois de esclarecido o meu caso e de me terem explicado como podia obter o visto e quais os documentos que seriam necessários, cumprimentei os agentes (afinal, tinham sido incrivelmente prestativos) apertando-lhes a mão (eu próprio ofereci a mão para apertar, digamos que estava curioso), e virei as costas e saí da sala.  Ao sair, fiz um compasso de espera como se estivesse a verificar o meu celular e meio desapercebido olhei novamente para dentro da sala, e para espanto meu, ninguém a desinfetar as mãos. Portanto, cheguei mais tarde, saí mais cedo, e ainda tive serviço preferencial. Teria tido a mesma experiência se fosse haitiano ou nigeriano?

    1. Isto não é comentário, mas

      Isto não é comentário, mas uma reportagem sobre fato ocorrido; se há pitadas de opinião, todas elas são contextualizadas por fatos relatados. Um texto como este deve ser publicado como post.

  2. Eh isso que da com “projetos”

    Eh isso que da com “projetos” de lei da direita:  nao tem que entender o assunto, nao tem que consultar ninguem, nao tem que ler um livro que seja, nao tem que saber uma unica estatistica, nao tem que ser alfabetizado!

    Eh so escrever e ta pronto.

  3. Até hoje a direita não

    Até hoje a direita não engoliu a negação da extradição ou deportação de Cesare Batistti (http://lenavajas.jusbrasil.com.br/artigos/171113580/o-caso-battisti-e-a-recente-decisao-da-justica-federal-do-df), ao mesmo tempo em que não bateram panelas por causa de decisão favorável para que o mala Molina, trazido por um embaixador que hoje é assessor de Aluisio Nunes, fique no Brasil. Essa lei deve ser da lavra do tal ex-embaixador. 

    Governo aceita pedido de refúgio de ex-senador boliviano….e ae coxinhas não vão bater panelas…

    http://www.dci.com.br/politica/governo-aceita-pedido-de-refugio-de-exsenador-boliviano-id494021.html

     

  4. Prezados leitores,
    Analisem o

    Prezados leitores,

    Analisem o projeto de lei apresentado elo senador JS tarja-preta, o PLS 131/2015; analisem este do Aloysio (R$ 300 mil) e comparem. Ambos são senadores, pelo mesmo partido (PSDB), pelo mesmo estado da federação (SP). Cássio Cunha Lima , senador paraibano do “dinheiro voador” é do mesmo partido. Carlos Sampaio, também. O senador que se lançou candidato à presidente e que foi derrotado na última eleição é do mesmo partido; acompanhem a trajetória parlamentar desse senador, quais projetos apresentou quando era deputado e quais tem apresentado como senador; ele governou MG por dois mandatos e tanto ele como seu vice e sucessor (por uma manobra ‘amiga’ do também mineiro Rodrigo Janot, PGR, deixaram de ser investigados na Lava Jato) devem explicações sobre a “Lista de Furnas”, construção de aeroporto com dinheiro público para uso particular, compra de apoio da imprensa por meio de contratos de publiciade, uso de avião oficial para viagens particulares ao RJ, etc.

    Aloysio (R$ 300 mil) é ‘ex-comunista’, era motorista de Carlos Marighella; o boquirroto ‘comentarista’ arnaldo jabor também se diz ‘ex-comunista’ ex-integrante do chamado ‘partidão’; comparem o comportamento e as atitudes de ambos. 

    Com base no que foi dito acima avaliem o que, de fato, pretendem essas figuras públicas com um projeto de lei como esse PL 2516/2014, sobre migração.

  5. o que esses mais querem é

    o que esses mais querem é naturalizar os médicos cubanos para que esses possam trabalhar nas cl[ínicas da burquesia 

  6. Lei imigração

    Pelo contrário! Esta “lei” vai transformar o país num ralo migratório. Sob pressão de ongs e ONU o Brasil em troca de dinheiro dos países desenvolvidos, dinheiro este que sabemos onde vai parar, aceitou mudar a legislação atual. Em nenhum lugar do mundo o imigrante terá tantos direitos como no Brasil. Inclusive mais que os próprios brasileiros. Poderão inclusive particiapar na política, sindicatos, passeatas, etc. A esquerda globalista querendo derrubar os muros para criar um governo mundial único!

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