Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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A explosão feminista, por Maíra Vasconcelos

em O Beltrano 

A explosão feminista
 
por Maíra Vasconcelos 
 
Movimento NiUnaMenos, que nasceu na Argentina, é hoje a maior expressão feminista da América Latina
 
O movimento argentino NiUnaMenos (Nem Uma a Menos) é, atualmente, a agrupação feminista de maior visibilidade da América Latina. Nascido em Buenos Aires há apenas três anos, em 2015, o movimento já atingiu alcance nacional na Argentina e começa a estender-se para outros países (ainda não está presente no Brasil). Neste 8 de março, o coletivo espera repetir os números da marcha de 2017, que teve cerca de 500 mil participantes em Buenos Aires, e 1 milhão nas ruas em todo o país.

 
A principal bandeira do movimento é a de que nenhuma mulher será mais morta por feminicídio, por ser mulher. Mas não somente. Hoje, ampliou sua pauta de reivindicações, incluindo ao lado das questões feministas outras causas progressistas e de defesa de direitos. E com a ampliação das demandas, vem progressivamente articulando-se a outros movimentos sociais.
 
Essa união dos feminismos das mulheres, lésbicas, trans e bissexuais a outros grupos de protestos é o que se verá nas ruas da Argentina, e replicada em outros países, na Greve Internacional de Mulheres de 8 de Março deste ano. Nas assembleias semanais de organização da manifestação, que aconteceram desde fevereiro, em Buenos Aires e demais províncias do país, os movimentos escreveram um documento único que contempla os diversos pleitos feministas e sociais.
 
O NUM mantém uma rede de comunicação virtual e presencial, nacional e internacional, atualmente presente em 50 países, mas ainda sem representação no Brasil, com realização de assembleias durante todo o ano. Reúne mulheres dos diversos movimentos feministas e também militantes partidárias e sindicalistas.

O movimento feminista baterá, neste #8M, principalmente pelas pautas de gênero, como a descriminalização do aborto, a luta contra o feminicídio, a violência doméstica e o assédio nas ruas, a igualdade de direitos e de oportunidades, e o combate à discriminação. Mas foram incluídas nas discussões feministas a política econômica conservadora do atual governo do presidente Mauricio Macri e a luta contra a retirada de direitos na área social e as reformas trabalhista e previdenciária.

Ao adentrar em assuntos da política nacional, o movimento NiUnaMenos ressalta que a ação não é partidária, mas sim política. “Independente do governo em turno, é algo que sempre foi pensado por causa da histórica relação existente entre opressão econômica e violência machista”, disse a O Beltrano a representante do coletivo NiUnaMenos de Buenos Aires, Agustina Paz Frontera, presente desde o início, em 2015.

“Vai além de quem é o presidente. O neoliberalismo nessa fase de ajuste e corte de gastos e de direitos sociais, repercute especialmente nas mulheres. Chamamos esse processo de feminização da pobreza. Ante essa situação propomos a feminização da resistência”, explicou Paz Frontera.

As discussões, pautas e reivindicações do NiUnaMenos em território nacional caminham de acordo com as características de cada região. O NUM da província de Tucumán, no Norte da Argentina, uma das mais conservadoras do país, teve início no ano passado. A organização eclodiu após reuniões em 2016, para discutir o que ficou conhecido como o “Caso de Belén”.

Belén estava presa, há mais de dois anos, por ter feito um aborto, acusada de “homicídio duplamente qualificado por vínculo”. Belén foi solta, logo absolvida pela Corte Suprema de Justiça, após esforços da sua advogada, campanhas em meios de comunicação alternativos e pressão de organizações sociais da província, que tornaram o caso conhecido nacionalmente e fora do país, conforme relatou a representante do NUM em San Miguel de Tucumán, Mariana Paterlini.

“Para o movimento de mulheres de Tucumán, foram meses intensos de reuniões articuladas permanentemente para separar acordos e desacordos em prol da união que alcançou um final feliz”, afirmou Paterlini.

O início

As redes do NiUnaMenos, tanto na Argentina como fora do país, foram formadas a partir dos vários encontros latino-americanos sobre problemáticas de gênero. Hoje, o NUM está presente e organizado especialmente no Peru, Chile, Uruguai, Nova Iorque, Berlim, Bélgica, Itália, mas presente em dezenas de outros país, de acordo com Agustina Paz Frontera, do coletivo de Buenos Aires.

“O movimento começou em março de 2015, quando um grupo de pessoas convocou um ato chamado NiUnaMenos, em Buenos Aires. Ali foi colocado em palavras a enorme preocupação pelas violências contra as mulheres e crianças e o tratamento midiático que se dá ao assunto. Logo, no dia 3 de junho, aconteceu a primeira mobilização massiva, com um milhão de pessoas em toda a Argentina, e em vários lugares do mundo. Depois, saímos às ruas em 3 de junho, 25 de novembro, e em 19 de outubro de 2016 aconteceu uma mobilização organizada em uma semana, denominada Greve Nacional de Mulheres”, resumiu Paz Frontera, sobre as primeiras iniciativas do movimento.

O protesto de outubro de 2016, em todo o país, foi pelo feminicídio da adolescente Lucía Pérez, de 16 anos, estuprada e empalada, em Mar del Plata. Após a sucessão de mobilizações e greves, no ano passado, a Greve Internacional de Mulheres de 8 de março já estava fortalecida e passou a ser realizada em coordenação com outros países.

Putas feministas

Na busca por reunir outros movimentos feministas, considerando suas demandas específicas, a Associação de Mulheres Meretrizes da Argentina (AMMAR) participa pelo segundo ano consecutivo das assembleias convocadas pelo NiUnaMenos e da marcha de 8 de março. A principal bandeira da AMMAR é a regularização dos direitos trabalhistas, seguridade social e aposentadoria para as trabalhadoras sexuais argentinas.

“Iremos distribuir revistas, gerar um grupo com ao menos 80 trabalhadoras sexuais. Temos preparado alguns cantos que remetem ao nosso trabalho, e lutamos também para que a palavra puta deixe de ser usada como insulto”, afirmou a secretária-geral da AMMAR, Georgina Orellano, que ressaltou a necessidade de exposição dos símbolos que as representam, “tanto a camisa puta feminista, como os guarda-chuvas vermelhos, que são o símbolo internacional das trabalhadoras sexuais”, ressaltou.

Apesar de o movimento feminista ter diferentes opiniões sobre a luta pela regulamentação do trabalho sexual, ficou expresso que visões diversas não invalidam a participação conjunta e organizada em um mesmo protesto, segundo explicou Orellano.

“Sempre são geradas muitas discussões e tensões, porque há diferentes posições em relação ao nosso trabalho, mas ficou claro que cada uma pode ter uma postura diferente, e isso não exclui essas pessoas que se autodenominam trabalhadoras sexuais. Estamos organizadas e temos reivindicações específicas, mas também pautas que estão de acordo com as de demais dos movimentos de mulheres em geral, e que dizem respeito aos direitos trabalhistas, melhoria das condições de trabalho e luta contra a violência institucional”, explicou a secretária-geral da AMMAR.

Ela ponderou também a necessidade de denunciar nas ruas, neste #8M, a repressão policial aos protestos sociais, que ocorrem no governo de Mauricio Macri. “O atropelo policial e o recrudescimento da violência, que neste governo padecem os setores populares, a repressão a protestos sociais, a estigmatização dos sindicatos e das organizações sociais”, declarou Orellano.

A força das ruas

Antes de sentar-me a escrever aqui sobre esta Greve Internacional de Mulheres de 8 de Março, me deparei com um texto de uma das entrevistadas para esta matéria, Agustina Paz Frontera, voz do NUM em Buenos Aires. Ela citou O Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels e a Declaração de Sentimentos, de Flora Tristán, para advertir que ambos dividiram a história dos séculos XIX e XX, mas um “esteve em silêncio”. 

Ainda, ao ler uma nota redigida a partir de uma assembleia convocada pelo NiUnaMenos, publicada no site da Associação de Mulheres Meretrizes da Argentina, que exigia do poder Judicial da Cidade de Buenos Aires “a garantia da segurança e o exercício pleno do direito ao protesto e a liberdade sindical de todas as mulheres, travestis e lésbicas” que sairão às ruas neste 8 de março, também nesta leitura vi que o mais importante que uma matéria jornalística sobre os diversos feminismos pode transmitir é aquilo que estava escrito ao final do comunicado:

Nos encontramos nas ruas!

¡Nos Vemos en las calles!

Isso é América Latina.

Obs: O slogan “La puta que te paró” usa de um jogo de palavras, pois “paró” também é usado como greve no espanhol argentino.

 

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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