A falácia “Os espíritos mandaram lhe dizer que…”, por Marcos de Aguiar Villas-Bôas

 

A falácia “Os espíritos mandaram lhe dizer que…”

por Marcos de Aguiar Villas-Bôas

Dando continuidade aos dois últimos textos, aprofundaremos num tema que é muito importante para este século, no qual a intuição dos seres humanos se desenvolverá cada vez mais e deverá ser crescentemente utilizada não somente em trabalhos espirituais, mas no dia a dia de uma forma geral.

Os espíritos nos informam há bastante tempo que o véu entre a terceira dimensão (esta dos encarnados, do corpo físico) e a quarta dimensão (a primeira dimensão dos desencarnados, dos que não têm este nosso corpo físico), chamada de astral, vem se afinando mais rapidamente. Muitos vêm notando que o número de médiuns ostensivos só cresce entre as crianças, assim como pessoas de mais idade, que nunca imaginaram possuir uma mediunidade mais clara, vêm agora revelando faculdade de incorporação (psicofonia), clarividência espiritual etc.

Com o aumento da prática mediúnica, surgem também alguns riscos, os quais sempre existiram no meio espiritualista e existirão até que a humanidade esteja dotada de mais sabedoria. Um dos riscos é o médium utilizar, ainda que inconscientemente, o argumento da intuição espiritual para dizer a alguém coisas que pessoalmente gostaria, para manipulá-lo e assim por diante.

Esse tema começou a ser tratado no texto anterior, mas queremos aprofundar nele neste momento. Não é fácil saber discernir, por mais experiência que alguém tenha, exatamente o que é do médium e o que é do espírito. Um risco grande do aumento do uso da intuição é a personalidade (ou ego) se valer do argumento espiritual para validar aquilo que quer dizer a outrem.

Voltamos à superação da dualidade mencionada no texto anterior: devo deixar passar tudo o que vem à mente sob o pretexto de que é intuição ou devo questionar bastante antes de falar algo? Se deixar passar tudo, o resultado dependerá muito de qual tipo de conexão a pessoa estabelece e de como está o filtro do seu coração. Já tivemos a oportunidade de mencionar em outro texto que intuição não é incorporação e, se esta já tem participação do animismo do médium, imagine aquela.

No caso da incorporação, a postura do médium dependerá muito do espírito que incorpora, mas o problema é que, em regra, não se pode ter certeza de qual espírito está ali incorporando. É por isso que Allan Kardec advertia para se ter muito cuidado com os zombeteiros.

Havendo segurança de que é um guia espiritual sábio a incorporar, o médium pode e deve relaxar, para que interfira o mínimo possível na comunicação que será dada. No caso da intuição, contudo, é o médium quem fala, e não o espírito sob uso do seu aparelho físico.

Toda intuição é necessariamente uma interpretação, pois ela precisa passar pela mente do médium, que recebe a mensagem por meio de ondas e decodifica em seu cérebro a partir do seu cabedal de pré-compreensão e de sentimentos. Deste modo, sempre terá um pouco ou muitíssimo do médium ali. Um espírito pode transmitir uma ideia ao médium que ele poderia decodificar de forma amorosa e passá-la serenamente, ou ele pode decodificá-la com dureza, severidade, e passá-la com rispidez.

Um mesmo impulso de um guia pode ser transmitido com cautela e amor ou pode ser transmitido com reprovação, com uma comparação do destinatário da mensagem com outros etc. É o amor, a sabedoria do médium o que definirá se sua atuação se aproximará mais do primeiro ou do segundo caso.

Pior ainda são os casos em que o médium não está bem conectado e que termina falando puramente do próprio ego sem ter recebido nenhum impulso do seu guia ou interpretando de forma muito distante da mensagem original. Por fim, um caso mais extremo, porém não raro, é o do médium que sabidamente não está transmitindo um impulso de guias, mas ainda menciona que “os espíritos mandaram dizer…”.

Esse tipo de argumentação deve ser usado com muito cuidado pois pode ter um grande poder de persuasão sobre as pessoas quando, na verdade, o médium está longe de ter certeza de que foi realmente um espírito sábio quem lhe transmitiu aquela mensagem.

Sobre esse tema, Jean-Yves Leloup diz o seguinte na página 82 do livro Terapeutas do Deserto:

“O transpessoal não é apenas o transpessoal luminoso. Pode ser também o transpessoal escuro. Há irradiações negras que nos tornam dependentes, que nos destroem.

Como eu lhes dizia há pouco: De onde vem a palavra? É sempre difícil escutar alguém que nos diz: ‘Deus me disse para lhe dizer que…’. Nós temos que escutar ao mesmo tempo a pessoa que nos fala com seu inconsciente pessoal, seu inconsciente coletivo mas também com a inspiração que a anima. E fazer o balanço das coisas. Da mesma maneira com os textos sagrados.

Penso em determinada passagem do Alcorão quando Alá pede ao homem para bater em sua mulher. Será que é Deus mesmo que pede isso? Ou será algo no inconsciente de Maomé? Algo que pertence à sua cultura em um dado momento? Porque vocês sentem bem que se esta palavra é tomada ao pé da letra ela vai fazer muito mal. E com boa consciência se pode destruir alguém.

[…] São apenas exemplos que nos lembram que certas palavras que se atribuem a Deus vêm do mais profundo do homem e que este homem em sua profundidade tem um inconsciente.

E que este inconsciente nem sempre está bem limpo. A inspiração é como um rio que transporta, também, toda espécie de imundices.”

Jean-Yves Leloup está fazendo o mesmo que Kardec, porém com uma abordagem mais contemporânea e utilizando termos da Psicologia. É preciso ter muito cuidado com as inspirações (ou intuições).

Toda mensagem vinda, na teoria, de guias deve ser analisada, questionada e, no caso de dúvida, é melhor que o indivíduo siga o seu próprio coração do que a sugestão passada para ele, que estará quase sempre “contaminada” em alguma medida pelo médium. Este pode ou não chegar a interferir muito no que o espírito queria dizer, mas ele interferirá, pois não pode ser diferente. A mensagem passa “por dentro” do mental dele.

Há ainda casos de intuição e de canalização de mensagens em que a origem é a própria consciência mais expandida do médium, que poderá trazer elementos do inconsciente e, dentro disso, pode, por exemplo, resgatar sentimentos relativos a conflitos que teve com o destinatário da mensagem em outras vidas.

Não estamos a dizer, de forma alguma, que não se deva conversar com guias incorporados e seguir suas orientações. Nós mesmos fazemos isso com frequência, porém tentando utilizar o máximo de discernimento, e a prática de analisar todas as opiniões de encarnados e desencarnados no momento de tomar uma decisão difícil, para, então, seguir com o coração pode ser aperfeiçoada com o treinamento.

Se as mensagens vierem acompanhadas de autoelogios, como “os guias andam comigo”, “eu sou o amor” etc.; de imperativos como “você precisa”, “você deve” etc.; de falas como “os espíritos mandaram dizer…”, “Deus quer que você faça…” etc.; uma bandeira amarela já deverá ser levantada.

O médium sábio é humilde e não acha que os guias andam apenas com ele ou mais com ele do que com outros. Ele também não acha que está mais pré-disposto a amar alguém ou que ama mais.

O médium sábio apenas quer ajudar e sugere, compartilha, dá exemplo. Ele não dá ordens, não diz que ninguém precisa fazer nada, pois a vida é repleta de caminhos. Ele é doce, generoso, cheio de ternura. O sábio apenas se faz presente. Seu olhar, seus pequenos gestos expressam mais do que as palavras. 

O médium sábio apenas dará a mensagem e não usará do nome de desencarnados para reforçar que ele é um enviado de Deus ou dos espíritos para transmitir o que cada um deve fazer. Isso é, mais uma vez, falta de amor e de humildade.

O médium que ama apenas orienta com muita leveza e não está preocupado se o outro irá seguir ou não. Cada um tem livre-arbítrio e não necessariamente a opinião do médium, ainda que seja realmente um iluminado inspirado, será o melhor para a pessoa, pois “o melhor” é algo muito subjetivo e diversos aspectos entram em jogo. Às vezes, é exatamente “o pior”, o erro, o que vai ajudar a pessoa naquele momento a confirmar algo no seu íntimo. A espiritualidade sabe bem jogar com isso.

Certa vez comentei com um sábio espírito Zé Pilintra que tinha feito algo que julgava errado. Tinha sentido que havia sido influenciado por eles a fazer isso, ou ao menos eles haviam permitido, mas não cheguei a mencionar, apesar de obviamente ele saber que eu pensei. A resposta dele foi: “meu filho, às vezes é bom cometer por aquela última vez o erro para lembrar o quão ruim é o resultado e nunca mais errar”. Isso é sabedoria.

O médium herói certamente teria me julgado e diria que eu errei, que preciso melhorar, que não estou agindo de acordo com o que os guias mandam. Esse tipo de médium ainda ama muito pouco. Ele quer julgar, ser duro, forçar a pessoa à mudança que lhe parece bonita, correta, verdadeira, mas todas essas qualificações são construídas pelas experiências de cada um.  

Todo aquele que quer ser sábio e todo aquele que quer ser um bom médium deveria ler o Tao-Te-Ching várias vezes. Diz-se que o livro teria sido escrito por Lao-Tsé. Outros acreditam que este sábio nunca existiu e que a obra reúne as ideias principais da filosofia oriental na época. O livro influenciou a criação de religiões como o taoismo, o budismo chan e o budismo zen. Lá está dito o seguinte:

“8. O sábio vive como a água. A água serve a todos os seres e não exige nada para si mesma. Ela permanece mais abaixo que todos. Nisso, é semelhante ao Tao.

A vida deve seguir o princípio da naturalidade.

Segue o caminho do coração! É amigável!

Diz só a verdade!

Dirige, observando o princípio de manter a tranquilidade!

Cada ação deve ser viável e oportuna.

O que não almeja estar à frente dos outros pode evitar muitos erros.

[…] 10. Para manter a tranquilidade, terá que sentir a Unidade com Tudo. Então, não podem aparecer os desejos egocêntricos falsos.

Terá que refinar a consciência. Que o homem se assemelhe assim a um bebê recém nascido. Se ele se faz sutil assim, não vai ter erros.

Terá que governar ao país e as pessoas com amor e sem violência”.

O médium sábio flui como a água e se unifica com o todo. Ele serve, não quer ajudar. Ele ajuda porque ama, quando é solicitado, e não conta a ninguém. Querer ajudar pode ser desejo mais do ego do que do coração.

O médium sábio faz sem querer nada em troca. Ele apenas dá o que tem, que é amor. Não faz questão de receber de volta, pois já está preenchido e, ao dar, mais amor do cosmo já o preenche necessariamente.

O médium sábio tenta fazer a sociedade e o seu entorno melhor, porém o busca muito pelo exemplo e pela presença, e não pelo mandar, pelo agredir, pelo impor, pelo julgar.

Que todos os trabalhadores da espiritualidade possam se tornar cada vez mais sábios de modo a contribuir para uma transição planetária sadia, com o máximo de consciências despertando. Mas, se nem tantas despertarem, também está tudo bem. Elas têm o direito de não despertar. Está sempre tudo bem. Emanemos amor, façamos a nossa parte e não esperemos nada em troca. 

Marcos de Aguiar Villas-Bôas é terapeuta holístico, consultor jurídico e político, espiritualista universalista, reikiano usui, reikiano xamânico, estudante de psicanálise e de Programação Neurolinguística (PNL), praticante de meditação e amante do todo e de todos. Deixou a sociedade de um dos cinco maiores escritórios de advocacia do país, sediado em São Paulo/SP, para seguir seu sonho de realizar pesquisas em Harvard e em outras universidades estrangeiras, mas, após atingir muitos dos seus objetivos materiais, percebeu, por meio da Yoga, de estudos e práticas espiritualistas sem restrições religiosas, que seus sonhos e suas missões iam muito além das vaidades acadêmica e profissional. Hoje busca despertar a consciência, o mestre dentro de si, e ajudar os outros a fazerem o mesmo, unindo o material e o espiritual e superando todas as demais dualidades. 

Redação

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