A participação social e o fortalecimento da democracia direta

Por Válber Almeida

Comentário ao post “A defesa da Política Nacional de Participação Social pelo setor privado

Minha posição sobre o assunto em outro debate foi esta. Não vejo absolutamente nada de inconstitucional no decreto 8.243/2014 ou qualquer coisa que ameace a democracia. Pelo contrário: Como pode algo que fortalece a democracia direta ser anti-democrático? Os países europeus e os Estados Unidos conheceram formas muito mais avançadas de participação popular e o avanço da democracia tanto quanto o desenvolvimento social nestes países está estreitamente associado a este capital social acumulado pela sua sociedade. No mais, este é apenas um movimento de descentralização administrativa que se iniciou no governo de FHC.

Primeiramente, o decreto é constitucional porque é apenas um instrumento de administração da coisa pública no âmbito do executivo Federal, criado pela Presidência da República, a qual tem este direito garantido constitucionalmente pelo Art. 84 da Constituição Federal (CF). O decreto também é constitucional porque está dentro dos limites previstos na CF de participação direta do cidadão nas deliberações políticas nacionais. O decreto não outorga poder decisório ou de gestão a qualquer órgão ou entidade prevista dentro do Sistema Nacional de Participação Social (SNPS). Logo, ele não reduz em nada os poderes do legislativo, do judiciário ou dos partidos políticos, que continuarão comandando as regras do jogo político e administrando a riqueza da nação.

É válido lembrar que a CF reconhece inúmeros instrumentos tanto de democracia representativa quanto de democracia direta, além de ter estes critérios como princípios norteadores do formato do poder do Estado: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, diz o Parágrafo Único do Art. 1º da CF.

Concretamente, portanto, o decreto apenas fortalece mecanismos de diálogo da Sociedade Civil com o Estado (Sociedade Política). Por este critério, ele aproxima a sociedade civil e a população da política, algo salutar para um povo que está acostumado a só participar da vida política na hora de votar. No mais, este é um dos problemas crônicos da democracia brasileira: a falta de civismo, de participação política da população, responsáveis por manter o Estado sempre muito distante da sociedade.

Em segundo lugar, chamar de “bolivarianismo” um decreto que apenas reconhece como interlocutores do Estado atores sociais que lutam para ser reconhecidos como interlocutores na elaboração e execução de políticas públicas se não é um ato deliberado de defesa dos privilégios políticos de uma elite política e burocrática, comumente, ineficiente e corrupta, então é se deixar levar por interpretações que buscam falsear a realidade.

Os “conselhos populares”, mesmo como instâncias consultivas, somente qualificam técnica e politicamente os membros da sociedade civil, além do que melhoram a qualidade da elaboração e da execução de políticas públicas.

No mais, no Brasil, este comportamento do governo obedece a um critério de descentralização administrativa iniciado no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a criação dos Conselhos, em diversas instâncias, de saúde, educação etc. Estes representaram alguma ameaça à democracia?

Depois, os movimentos sociais não serão obrigados coisa alguma a pedir licença para protestar ou ir às ruas. Onde é que isso consta no decreto? Pelo contrário, além das ruas, porões, salas quentes ou bares – espaços a que foram confinados – estes terão também espaços institucionais de exercício do protesto, da pressão, da reivindicação e do diálogo.

Por fim, quem já leu A Democracia na América, seminal obra de Alexis de Tocqueville, sabe muito bem que a participação popular em diversas instâncias e entidades representativas da Sociedade Civil foi decisiva para o fortalecimento da democracia no país e para o seu desenvolvimento. Somente as elites coloniais têm medo do fortalecimento do poder popular, porque sempre encararam o povo como inimigos ou como escravos

Mas isso também se deu na Europa. Os conflitos de classe naqueles países resultou no fortalecimento dos sindicatos, partidos trabalhistas, instâncias de diálogo do Estado (Sociedade Política) com a Sociedade Civil e outras entidades representativas do poder popular: movimentos de bairro, ambientalista, de consumidores etc. A recente obra de Robert Putnam, sobre a democracia na Itália moderna, é ilustrativa do poder do capital social, político, cívico, como recurso de desenvolvimento de uma sociedade. Em outras palavras, como demonstra a literatura sociológica, econômica e política neoinstitucionalista recente: não basta riqueza econômica, o desenvolvimento de uma nação passa pelo acúmulo de diversas formas de capital social.

O que fizeram os países europeus e os EUA foi um bolivarianismo ancestral? Foi populismo? Claro que não, apenas deixaram fluir as forças modernizadoras das suas sociedades, exploraram o potencial social, a sua riqueza social, investiram nesta riqueza como instrumento de desenvolvimento.

O decreto é constitucional, de modo algum contém qualquer ameaça à democracia e é, ainda, uma resposta tímida às vozes das ruas. Ele fortalece a nossa democracia política e social, além de atacar um dos problemas que, concretamente, tornam nosso sistema político ineficiente: o encastelamento e mafialização dos partidos políticos, assim como o enclausuramento das elites burocráticas, acomodadas em sua ineficiência.

Redação

6 Comentários

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  1. Válber,

    Magistral.

    Uma aula de democracia e de ciência políitca.

    O blog, mais uma vez, através de seus comentaristas, dá uma aula na mídia tradicional.

    1. Saudações, meu amigo Assis.

      Saudações, meu amigo Assis. Eu também concordo com você: o blog do Nassif se transformou num verdadeiro fórum de debate qualificado sobre as mais importantes questões sociais, políticas, econômicas e culturais do nosso tempo. Aquele abraço!

  2. Não vejo

    Não vejo inconstitucionalidade quanto ao conteúdo do Decreto. Todavia, a forma utilizada para criar o Sistema Nacional de Participação Social foi, a meu ver, equivocada.

    É louvável a criação de tal sistema. No entanto – e não entendo por que não o foi – deveria ter sido criado por lei.

    A Constituição, em seu art. 84, VI dispõe conforme se transcreve.

    Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

    VI – dispor, mediante decreto, sobre:

    a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

    b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.

    Houve criação de órgãos e funções integrantes do órgão.

    Creio que haverá a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto e, creio também, que o Supremo Tribunal Federal irá declarar a sua inconstitucionalidade.

  3. Não vejo

    Não vejo inconstitucionalidade quanto ao conteúdo do Decreto. Todavia, a forma utilizada para criar o Sistema Nacional de Participação Social foi, a meu ver, equivocada.

    É louvável a criação de tal sistema. No entanto – e não entendo por que não o foi – deveria ter sido criado por lei.

    A Constituição, em seu art. 84, VI dispõe conforme se transcreve.

    Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

    VI – dispor, mediante decreto, sobre:

    a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

    b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.

    Houve criação de órgãos e funções integrantes do órgão.

    Creio que haverá a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto e, creio também, que o Supremo Tribunal Federal irá declarar a sua inconstitucionalidade.

  4. Concordo com o Assis, Válber:

    Concordo com o Assis, Válber: melhor artigo que li sobre assunto até agora.

    Muito pertinente a citação de Putnan. Esse é o segredo: quem tem capital social, se desenvolve.

    A blogosfera mais uma vez dá uma surra na velha mídia (a “burrosfera…”).

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