A população LGBT tem que eleger candidatos com orientação de gênero LGBT

Ilustração: Gabriel Novaes

da Agência Saiba Mais

A população LGBT tem que eleger candidatos com orientação de gênero LGBT

por Rafael Duarte

A historiadora potiguar Leilane Assunção é a primeira professora universitária transexual do Brasil. Professora do Departamento de História da UFRN, é militante da causa LGBT e do movimento antiproibicionista que luta pela legalização das drogas no país.

Leilane é uma referência na área e assina todas as quintas-feiras uma coluna na agência Saiba Mais desde o início do projeto, espaço em que propõe debates de gênero, diversidade e também sobre a importância de se legalizar as drogas no Brasil.

Nesta entrevista, Leilane Assunção fala sobre as origens da cultura de ódio presentes na homofobia, os reflexos da pauta conservadora do país para a população LGBT, a falta de representatividade dos LGBTs no Parlamento e outros temas.

Agência Saiba Mais: Em 2016, 343 LGBTs foram assassinados, o que dá uma média de 1 morte a cada 25 horas. Desde 1970 esse número não era tão alto. Como historiadora você consegue identificar a origem desse ódio ?

Leilane Assunção – Nós historiadores problematizamos muito essa possibilidade de buscar algo na sua origem. Porque, em tese, isso nos faria regredir infinitamente a um passado mais longínquo. Mas não conseguir mapear com precisão as origens não significa que não possamos encontrar alguns começos. A origem é diferente do começo. A origem pretende algo que está na matriz enquanto o começo é um recorte, às vezes até arbitrário. Nesse sentido, os pesquisadores e ativistas de gênero têm chegado a um consenso de que em meados do séculos 19, com a emergência das preocupações modernas bélicas, começa a formação dos exércitos compulsórios. Porque até a revolução francesa, os exércitos não eram compulsórios, ou seja, não havia o alistamento militar obrigatório. O que havia eram os exércitos profissionais. As grandes monarquias europeias da idade moderna têm exércitos profissionais de mercenários que, às vezes, sequer tinham vínculo com a nação em questão. O vínculo deles era financeiro. Após a revolução francesa, o conceito de exército passa por uma nacionalização, daí a ideia de poder do Estado associado ao poder do seu Exército e o poder do Exército associado à ideologia. O Exército precisa ter uma identificação baseada naquilo que ele luta para defender e que seja maior do que somente o vínculo financeiro. Essa identificação vai ser construída a partir do conceito de pátria, pátria-mãe e da ideia do nacionalismo, que é uma chaga e até hoje é responsável por tantas mortes no mundo inteiro. Então o controle sobre o Exército e o desejo de fazer Exércitos poderosos vai fazer com que esses Estados tenham como premente a necessidade de controlar os processos reprodutivos, controlar os corpos, as taxas de natalidade.

Então parte da rejeição à homossexualidade vem da não reprodução de novos indivíduos para a ampliação dos Exércitos ?

A disciplina dos corpos passa a ser uma prática muito mais estabelecida e exercida pelos Estados a partir do século 19 e, então, a gente se situa nessa perspectiva. Parte da rejeição à homossexualidade teria a ver com o fato de que seriam pessoas não reprodutivas, não estariam dentro da lógica de produção dos corpos para o Exército, para o mercado de trabalho. O que a gente sabe que não é verdade, visto que a experiência da paternidade e maternidade não é uma experiência estranha aos LGBTs. Dezenas, centenas de milhares de LGBTs passaram por essa experiência. E o argumento de que os LGBTs também enfraquecem a família é um argumento muito frágil porque tradicionalmente a família heterossexual tradicional não só não é um sucesso, tanto que temos altíssimas taxas de abandono… costumo dizer que toda criança abandonada o foi por um casal héterossexual e então, muitas vezes, um casal homossexual resgatou aquela criança da condição de abandono e está construindo aquela família.

Entre as décadas de 60 e 70 do século 19, aparece o termo heterossexualidade. É o que a gente chama de fabricação da heterossexualidade compulsória, desde então tem sido a norma das nossas sociedades contemporâneas. E essa heterossexualidade compulsória tem sido opressora causadora da morte de muitas pessoas que não têm conseguido se adequar a isso. E são vítimas de toda sorte de perseguição, de infortúnios.

Qual o papel da igreja neste processo ?

A religião é a guardião do discurso da moral. Sem entrar no mérito do que vem a ser a bíblia como livro histórico, se a gente fica dentro do próprio texto bíblico há uma seleção muito oportuna desses passagens bíblicas que visam produzir a criminalização desses comportamentos. Passagens do mesmo livro que criminalizam outros comportamentos que hoje não são considerados imorais continuam lá e são obscurecidas. O livro de Levítico, por exemplo, diz que as mulheres no período do ciclo menstrual estão podres e que não podem sequer ser tocadas, nem pelo parceiro, que devem ser isoladas num quarto para evitar contaminar o ambiente com a sua podridão. Então, isso é utilizado pela igreja para doutrinar o comportamento das mulheres? Não é. Outra passagem diz que os homens, pelo menos os sacerdotes, devem guardar o uso da barba, que a barba é sagrada. Eu já vi inúmeros pastores que sequer usam bigode. Então porque essa interdição não vale mais e a que diz que um homem não pode se deitar com um homem ainda vale? Há uma conveniente seleção da tradição, como defende o pensador Raymond Willians. Você seleciona na tradição o que interessa a uma determinada ideologia. Então a ideologia que quer interditar as práticas LGBTs vai no livro sagrado e busca as passagens que em tese as interditam. Consta na bíblia que o famoso Rei Davi deitou-se com um congênere do sexo masculino no mesmo leito. Até dez anos atrás a expressão “deitou-se” ainda era utilizada para “fazer sexo”. Será que não é isso o que aquela passagem queria dizer? Que Davi fez sexo com outro homem? Essas passagens acabam sendo obscurecidas mas estão no texto bíblico original também. Então perceba que eu não estou nem contestando a validade do discurso bíblico. Estou indo numa análise semântica do discurso bíblico, tomando ele como válido, para apontar essas contradições e como existe muito oportunismo e conveniência moralista de todos aqueles que têm feito esse tipo de seleção da narrativa bíblica com o objetivo de criminalizar a população LGBT.

E como você vê a atuação do papa Francisco que, diferente da ala hegemônica da igreja católica, fala em acolhimento da população LGBT?

Eu vejo como um tardio, mas válido processo de atualização desse discurso. Por mais que os interesses possam ser questionados, até que ponto existe um certo maquiavelismo no sentido pragmático de entender que: ou vão aceitar esse público ou vão realmente perder um público cativo. Porque apesar de tudo, grande parte da população LGBT cultiva valores religiosos da lógica do cristianismo. A maior parte dos LGBT que eu conheço se autointitulam cristãos. É a minoria que se diz ateia ou sem religião. Então, é uma dimensão importante para a vida dessas pessoas. Tudo o que os LGBTs cristãos querem é justamente praticar uma religião que pare de dizer que não dá espaço para eles. Se essa religião para finalmente de dizer isso, vamos ter uma acomodação de um público expressivo dentro de um lugar que passa por um processo de esvaziamento, que é a igreja católica. Já tivemos mais de 90% da população do país se declarando católica, hoje talvez esse número não chegue a 70%. Mas já foi a religião de quase 100% das pessoas. É como o teatro. Se você tem a casa lotada, ótimo. Mas se você não tem, cada pessoa passa a ser muito importante. Então você não pode fazer um discurso que vá afastar. Então, não sei até que ponto há uma sinceridade ideológica, uma convicção de fato nessas declarações.

O bispo de Caicó, dom Antônio, vai na mesma linha do papa Francisco. Em julho, ele causou muita polêmica ao dizer que a homossexualidade é um dom de Deus…

Eu vejo muito mais sinceridade no bispo de Caicó do que no papa Francisco. Eu participei de uma mesa redonda com o dom Antônio e estava preparada para debater com um fascista, porque minhas experiências em mesas redondas com religiosos tinham sido muito ruins com plateia hostil, e foi uma grata surpresa para mim porque durante o debate ele manifestou pontos de vista muito humanitários, muito lúcidos, modernos e progressistas para o contexto que a gente encontra de religiosos. Então essa fala para mim não foi surpresa. Agora, achei uma fala muito ousada, foi muito bom ele ter feito isso porque precisamos de pessoas que tenham essa coragem. Da população local, a gente viu uma reação horrorosa, o que mostra um longo caminho que devemos trilhar em relação à diversidade, né ? A nossa educação nos deseducou. Precisamos nos reeducar num novo paradigma. A nossa educação tradicional nos desumanizou, estimulou a prática de todo o tipo de preconceito. A discussão da escola sem partido é um exemplo disso. Fico assombrada com esse tipo de coisa. A escola sempre teve um partido. O partido da escola sempre foi a opressão, o bullyng, a LGBTfobia, o racismo, o classismo … a escola pública brasileira é um local onde quase todos nós guardamos traumas. Se a gente recuperar nossa memória escolar vamos descobrir memórias terríveis do que era a escola. Aí nos últimos 20, 30 anos, graças à influencia da obra de Paulo Freire principalmente, começou um processo de humanização do ensino. A introdução do conceito de gênero foi estratégica nesse processo. E aí quando a gente vê hoje num país que, como você citou, mata um LGBT a cada 25 horas, uma mulher é estuprada a cada 20 minutos… essa sociedade se recusa a debater as relações de gênero e acha que uma coisa não está ligada a outra? Então, ou isso é ingenuidade ou é cinismo. Acho que do grande público é ingenuidade, mas das lideranças religiosas e políticas é cinismo absoluto porque todos os estudos caminham nessa direção. Ou a gente vai incluir o debate de gênero na escola ou no longo prazo não vamos conseguir produzir práticas de enfrentamento ao feminicídio e aos crimes de ódio contra os LGBTs. E estamos na contramão disso.

Você citou o movimento Escola Sem Partido. Essas pautas conservadoras têm conexão ?

Claro. Quando a nova lei de diretrizes e bases vier a gente terá certeza que ela já vai vir toda pautada na ideologia da escola sem partido, proibindo discutir gênero na escola. Como é que um professor de História vai para a sala de aula falar sobre escravidão sem dizer que isso foi algo terrível? Sem dizer que isso violou a dignidade humana? Como é que a gente fala da ditadura militar, dos regimes totalitários, do nazismo sem criticar e denunciar tais práticas. A essência do que é ensinar história, sociologia… são conhecimentos que tem necessidade de crítica, que só se produzem através da crítica da realidade. Então, nós estamos muito apreensivos com o futuro de curto prazo. Se em 2018 vamos para a extrema direita, podemos começar a vivenciar coisas que pensávamos já ter ultrapassado, como internação compulsória de LGBTs, prática de hormonoterapia compulsória que vise corrigir e curar identidades de gênero… Recentemente, com a passagem do Marco Feliciano pela comissão dos Direitos Humanos esse assunto passou a ser pautado. O Executivo federal, na época, disse que não passaria esse debate. Agora não temos mais. O Executivo federal está comprometido até a raiz com os fundamentalistas. Se o governo Dilma flertou com o fundamentalismo por razões eleitoreiras, o governo Temer está mergulhado no fundamentalismo por razões ideológicas e mercantilistas. Há um vídeo que circula nas redes sociais com vários pastores dizendo que finalmente eles tinham um deles lá. E quem era? Eduardo Cunha, que não precisa de apresentação. Parte da agenda do golpe de 2016 é essencialmente moralista. O governo do PT dialogou muito com movimentos sociais, empoderou os movimentos sociais. Antes do governo do PT, militar nos movimentos sociais era levar cassetete na cabeça e bomba de gás na cara. E não é que os intelectuais são petistas. Eu mesmo não sou filiada. Mas quando você coloca no papel quem trabalhou pela raia miúda socioeconômica do país…

Mas há exemplos de resistência também. Então qual a importância de um mandato como o do deputado federal Jean Wyllys (PSOL) no enfrentamento direto contra os fundamentalistas do Congresso ou de uma Leilane Assunção, a primeira professora universitária transexual do país?

Quando a diversidade, a inclusão, os direitos humanos não são as regras que balizam as relações, as biografias, as narrativas individuais adquirem mais importância porque elas quebram o que é a regra, que é a inviabilização desses grupos. Então pessoas como eu, transexual, quando conseguem algum tipo de inserção, apesar dessa não ser a regra, com muita perseverança, com muita resistência, é possível quebrar alguns padrões. Por outro lado, sempre gosto de contextualizar. Geralmente pessoas trans com uma biografia como a minha não são exemplo para o que é a história das travestis brasileiras. Eu nunca abandonei a escola, tive acesso à educação porque tem a ver com minha família e boa parte dessa população já está fora da escola no começo da adolescência, com 13, 14 anos. E a evasão escolar nessa fase é decisiva para a população. E por que isso está ocorrendo ? Porque é a fase da consolidação dos hormônios, algumas não conseguem se manter do armário e no processo de assumir-se sofrem as violências mais variadas: desde o estupro coletivo em banheiros de escola até aquela violência verbal que, se não chega às raias da agressão física, tem um peso psíquico muito grande, a violação cotidiana da identidade de gênero, o desrespeito ao nome social.

Você moveu um processo contra a UFRN pelo uso do nome social?

Eu vivi na UFRN 11 anos sem direito a nome social. Só tive o direito em 2011, quando aprovamos uma resolução nos conselhos superiores que dava direito a uma pessoa trans de usar nome social. Aí a pessoa diz: “está vendo, Leilane aguentou 11 anos”. Mas não sou a regra. E isso dá a ideia de que se eu aguentei, qualquer pessoa pode aguentar, e quem não aguenta é preguiçosa ou não quis estudar e estava procurando só uma desculpa. Eu aguentei e só eu sei a que preço, só eu sei as mágoas que guardei e carrego até hoje nesse processo. Sempre tendo a lucidez de que, se a escola era um lugar violento, a rua o seria ainda mais. Na minha biografia eu cheguei a essa conclusão. Outras pessoas chegaram a uma conclusão oposta, de que a rua foi um lugar mais acolhedor que a própria escola. Então eu concluí isso: se é ruim para mim aqui dentro, lá fora vai ser pior. Então vou perseverar aqui dentro e vou vencer pela educação, pela titulação, vão ter que me aceitar a longo prazo porque vou me constituir numa intelectual tão respeitada, tão conceituada, que não vai ter como não ser aceita. E estou há 17 anos na UFRN, fiz toda minha formação aqui, da graduação ao doutorado, como professora substituta. E mesmo com todos os níveis de inserção me deparo cotidianamente com situações dentro da UFRN que me fazem não acreditar que estou vivendo aquilo.

A Instituição ou as pessoas?

A instituição e as pessoas. Não existe um padrão. O padrão é o preconceito que identifique a origem. A origem do preconceito é a mais variada possível. Desde um transeunte até gestores da instituição. Recentemente eu processei a universidade porque uma técnica administrativa duvidou da minha identidade de professora. Me apresentei, disse que era professora da disciplina X e da sala Y e ela disse que não abriria a sala para mim porque eu estava mentindo. Ela concluiu isso: “travestis e transexuais não são professores de universidade”. São prostitutas, faxineiras, no máximo cabeleiras, isso quando são bem sucedidas. Aí a culpa é dela? Enquanto indivíduo não. Se eu faço uma análise como socióloga, não posso culpar o individuo. E ela está numa instituição de excelência, que tem um corpo docente de ponta nesse debate. Existe o professor Durval Muniz, tínhamos a professora Berenice Bento, o maior nome do país na discussão de transexualidade, Carla Giovana, Rita de Cássia, Leilane Assunção, temos um corpo docente apto a promover capacitação no âmbito da própria instituição. Mas a universidade acaba reproduzindo preconceitos da sociedade e não apresentando um novo modelo de convivência. Quando isso acontece, não é que seja uma política oficial do evento. É mérito dos indivíduos que conseguem colocar a instituição a serviço desses ideais em momentos pontuais. Nesse meu processo contra a universidade, a UFRN não emitiu sequer uma nota. Ao contrário, a defesa da UFRN foi em cima do livro “A História da Loucura”, de Michel Foucault. Porque eu era histérica, cheguei gritando…. claro que eu gritei. Fui ofendida, meu direito foi violado, somos massacradas e tenho que ficar cordeirinha e manter um tom de voz porque senão você perde a razão!? Isso tudo mostra que a instituição não aprendeu a lição dela. Aliás, estou há quase 20 anos vendo a instituição não aprender a lição. É uma coisa muita contraditória. Fiz um evento sobre antiproibicionismo e legalização das drogas. A universidade pagou os palestrantes, mas não abraçou o evento.

O movimento LGBT tem dado uma resposta a esse crescimento da onda conservadora no Estado e no país? Como você vê as paradas do Orgulho LGBTs? 

O movimento LGBT, pelo menos no Rio Grande do Norte, é uma coisa complicada. Eu rompi com o movimento LGBT no RN porque historicamente está envolvido num lugar de corrupção. Num lugar de toma lá dá cá do pior ramo da política norte rio-grandense. Para você ter uma ideia, o movimento compôs com os governos Micarla e Rosalba (ex-prefeita e ex-governadora, respectivamente, ambas muito mal avaliadas ao final das gestões). Usaram o movimento LGBT como moeda de troca para conseguir cargos e alguns deles estão proibidos de responder a editais do governo federal por falta de prestação de contas. Um pessoal que tem o mérito de ter fundado o movimento, mas que se apropriou do movimento de maneira personalista, impediu a renovação das militâncias ao corporificarem em seus indivíduos essas ações. São pessoas que estão há 25 anos nesses espaços sociais, e a renovação é fundamental para esses movimentos. No movimento cannábico, por exemplo, eu fundei mas já deixei a organização da marcha porque percebi que havia uma acomodação na organização da marcha da maconha. Diziam “ah, a Leilane vai fazer”. Então eu saí para forçar o surgimento de outras pessoas que façam. E surgiu. Quando eu estava fazendo não aparecia ninguém novo para fazer. Quando eu disse: “eu não faço mais”, chegou gente. Então é fundamental a renovação da militância e a gente não tem aqui. Na minha militância no movimento LGBT eu participo de debates, dou entrevistas, respondo dúvidas que me chegam pelas redes sociais, email… mas me retirei do movimento LGBT oficial do RN porque hoje é um espaço corrompido onde a ideologia não ocupa o primeiro plano.

E em relação às paradas do Orgulho LGBT?

Tem uma função política importante na sua matriz. A gente percebe que é uma tendência que parasita todos os movimentos sociais. Aqueles atos considerados símbolos de uma luta hoje são romanceados, floreados, com outro sentido. Quando a gente pensa no Dia Internacional da Mulher, as pessoas aparecem mandando flores e dizendo parabéns pelo seu dia. E a gente sabendo que foi um dia em que as mulheres foram incendiadas dentro de uma fábrica. Então é um dia de reflexão, da gente pensar, é um dia de espinhos. Acho que essas datas estão muito desvirtuadas. E poucas estão tão desvirtuadas como o dia do Orgulho LGBT. Quando a gente pensa que pessoas morreram, que as pessoas conseguiram visibilizar suas vidas e seus direitos, e hoje é apenas uma festa… tenho algo contra festas? Claro que não. Mas acho que não dá pra ser só a festa. O sentido político não existe mais. Acho que o Dia do Orgulho LGBT tem que se reinventar totalmente. Volto a dizer: não tenho nada contra o sentido festivo, mas o sentido de reflexão política está muito esvaziado. Quando a gente estava organizando o movimento antiproibicionista, um paradigma negativo era o movimento LGBT. Para que não cometêssemos os erros que o movimento LGBT cometeu. Especialmente para não transformar a marcha da maconha num dia só de festa, num dia em que o maconheiro vai fumar. Tanto é que a gente criou o ciclo de debates antiproibicionista. Se a gente faz só a marcha e chama todo mundo para vir, as pessoas vão pensar que é uma grande festa. E não queremos que seja só isso. Queremos que quem esteja na marcha da maconha, ao ser abordado, tenha condições de explicar porque está ali. Porque é um ato político importante, ou seja, queríamos politizar a militância porque víamos que havia uma despolitização muito grande da população LGBT. Desafio qualquer jornalista a ir para a macha da maconha ou para o ciclo de debates amtiproibicionista e abordar qualquer pessoa perguntando porque ela está ali. Ela vai dizer. Mas se você for no Dia do Orgulho Gay e abordar um transeunte qualquer na parada, provavelmente a resposta será um clichê midiático pronto do tipo “estou aqui para arrasar”, “porque hoje vou fechar” ou “porque hoje é dia de poder, luxo e glamour”. Volto a dizer que não tenho nada contra isso. O problema é essa ênfase, que despolitiza.

Falta representatividade na universidade, mas e no Parlamento?

Eu fico vendo só o Jean Wyllys no Congresso, o único parlamentar gay no Congresso representa o tamanho do eleitorado gay do Brasil? Obvio que não. Esse eleitorado é maior, mas ele não está votando em candidatos LGBTs. Ao contrário, ele está votando, às vezes, em candidatos que perseguem os LGBTs. E isso é muito grave, é a nossa população dando um tiro no próprio pé. Parece que os LGBTs hoje acham que não há mais pelo que se lutar. Existe a parada, pode-se casar porque a Receita Federal reconhece no imposto de renda, pode beijar, os casos de violência existem, mas quando não acontece com a gente parecem coisas isoladas… Então o LGBT de classe média está acomodado no formato atual da sociedade. Na UFRN, há uma população de LGBT enorme, mas você não vê um coletivo atuando na instituição. Quando eu era estudante, havia o Guddes. E acabou. A minha geração saiu da universidade.

Então, a assimetria entre o tamanho da população LGBT e o tamanho da sua representação no Parlamento precisa ser revista com urgência. Onde eu falo, nas mesas que participo, tenho feito apelos para que as pessoas LGBTs votem em candidatos que tenham uma orientação de gênero assumidamente LGBT. Até outros parlamentares, que não são LGBTs mas tem comprado nossa pauta, como Maria do Rosário (PT/RS), Erika KoKai (PT/DF), acho que são dois ótimos exemplos que não são LGBTs, e têm uma empatia gigante. Mas ainda é pouco, especialmente quando comparamos com a bancada evangélica, que tem hoje quase 200 deputados. Esse é o tamanho da população evangélica do país ? Não é. Então há uma clara desproporção do nosso parlamento. A situação da população feminina também. Por isso tenho feito esse apelo. Eleger um parlamentar que represente melhor a nossa população. A criminalização da LGBTfobia, como crime de ódio, é urgente. Vivemos um holocausto LGBT no Brasil. Somos a maioria e temos que ocupar os espaços majoritários. Vamos votar nos LGBTs em 2018.

 
Redação

9 Comentários

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      1. Ponto

        Oi Juliano, ocorre que este tipo de discusão é colocada como bandeira da esquerda e, acima disso, a “pastorada” abre fogo e leva votos incautos para o lado conservador. Se assiste a TV Senado (canal 4) verá os discursos do Magno Malta e verá quanta razão eu tenho.

        Nos primeiros mandatos do Lula ele tinha mais de 80% de aprovação, onde a população evangêlica em geral estava do lado popular. Hoje, grande parte dos votos do Bolsonaro e Marina são de população modesta ou pobre, mas que valoriza em muito a sua posição conservadora em relação a familia, religião e sexo.

        Cada texto deste tipo equivale a uma cusparada do Wyllys acima do Bolsonaro, o qual, longe de prejudicar Bolsonaro, tem servido para aumentar a sua votação.

        O que devemos fazer agora é focar a política na defesa da nação soberana e o viés social. Assuntos diferentes a esse, embora importantes, servem para perder votos desavisados e confusos. Uma sociedade evoluida, democrática e autônoma poderá discutir sexo à vontade…..mas depois de termos uma nação para chamar de nossa.

        Sem desrespeitar a população LGBT e outras minorias. Esta não é a hora. O povo não sabe dividir a política dos assuntos comportamentais de uma sociedade, que podem e devem ser dicutidos como atitude cívica, mas nunca como bandeira política de eleição, onde os assuntos em discusão possuem outra prioridade, pelo menos num país como o nosso.

        Pense nisso.

  1. Me parece que o texto

    nos propõe uma saida a la americana……..cada groupo minoritario busca a ter mais representatividade e poder, o que a primeira vista parece louvavel, mas no frigir dos ovos me parece que mais cria guetos “bacaninhos” do que ataca a questão da igualdade entre todos(no que, pessoalmente acredito).

    Algo como, ta certo, ja que não da pra viver juntos, cada “minoria” puxa a brasa para a sua sardinha, tentando ter mais poder que o outro…..Cada um tem o direito de lutar a batalha que acha mais justa, mas sem esquecer que a guerra é pela igualdade de todos….E se olhamos para o exemplo americano, vemos que depois de decadas desse dircurso no EUA, acabaram com um Trump no colo…..Tudo isso me faz lembrar deste velho filme

    [video:https://youtu.be/DUu_lxdqArg%5D

     

  2. Incrível, fantástico, inacreditável! Descobriram a pólvora.

    Falta representatividade na universidade, mas e no Parlamento?

    Eu fico vendo só o Jean Wyllys no Congresso, o único parlamentar gay no Congresso representa o tamanho do eleitorado gay do Brasil? Obvio que não. Esse eleitorado é maior, mas ele não está votando em candidatos LGBTs. Ao contrário, ele está votando, às vezes, em candidatos que perseguem os LGBTs. E isso é muito grave, é a nossa população dando um tiro no próprio pé. Parece que os LGBTs hoje acham que não há mais pelo que se lutar. Existe a parada, pode-se casar porque a Receita Federal reconhece no imposto de renda, pode beijar, os casos de violência existem, mas quando não acontece com a gente parecem coisas isoladas… Então o LGBT de classe média está acomodado no formato atual da sociedade. Na UFRN, há uma população de LGBT enorme, mas você não vê um coletivo atuando na instituição. Quando eu era estudante, havia o Guddes. E acabou. A minha geração saiu da universidade.

    Então, a assimetria entre o tamanho da população LGBT e o tamanho da sua representação no Parlamento precisa ser revista com urgência.(…)

    Reprodução de comentário ao post “Para 2018, Janine articula bancada da Educação no Congresso”, de 19.07.2017:

    Lá, onde a jurupoca pia (ou jiripoca)19/07/2017 – 15:28

    21 de novembro – Dia da consciência negra – movimentos sociais, coletivos de periferia concentram no vão do Masp, depois saem em passeata até a República. Milhares. Representação/bancada nos parlamentos municipais, estaduais e federal? Pouquíssimaa, quase nada, sequer dá para chamar de bancada. Enquanto isso, a Direita elege Fernando Holiday, que rapidinho vai mudar de vereador para deputado, em 2018;

    8 de março – As mulheres ocuparam as redes sociais, nunca houve tantos movimentos de periferia, coletivos, tantas mulheres falando para mulheres, feminismo em alta como nunca se viu, marchas e passeatas pelos direitos, empoderamento e por aí vai, afinal, segundo o IBGE, são mais de 52% da população. As mulheres tomaram a Paulista neste ano e realizaram uma passeata histórica. No dia do ato e pelos dias seguintes, relatos emocionados da passeata nas redes sociais. Representação no congresso? Pífia, para chamar de bancada precisava eleger mais umas 80, pelo menos. 

    Junho – A comunidade LGTBS [ era GLTBS, pas as mulheres bateram o pé e a sigla passou a contemplar as lésbicas em primeiro lugar, o poder feminino] realiza a sua tradicional Parada do Orgulho LGTBS, a maior do mundo, segundo os organizadores. Representação no Congresso? Apenas 1 (UM) deputado, a bancada do eu sozinho. Há 2 semanas participei de uma roda de conversa após a exibição do documentário Lampião da Esquina, com a diretora e o João Silvério Trevisan, a quem questionei a respeito da representatividade parlamentar da comunidade LGTBS, como era possível botar 2 milhões de pessoas na Paulista e 1(UM) no congresso. Resposta: despolitização da classe, barreiras partidárias, entre outros motivos. 

    MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – Um exército de 30 mil pessoas, que o Boulos põe no Largo da Batata ao estalar dos dedos [eles nunca se concentram na Paulista, ninguém corre na raia do Boulos a não ser o …Boulos], suficientes para eleger ao menos UM mísero vereador em SP, no entanto a representação/representatividade é ZERO. 

    Conclusão: Nunca se falou tanto em movimentos sociais disso e daquilo, coletivos de periferia, em organizações etc e tal. Muito bonito. No papel. Lá nos parlamentos municipais, estaduais e federal, onde a jurupoca pia, passamos vergonha. Não temos a manha. nem a tradição. Só agora, com a água no nariz, nos demos conta disso. Que não seja tarde. 

    https://jornalggn.com.br/noticia/para-2018-janine-articula-bancada-da-educacao-no-congresso

     

    1. Comentário do Marcos Videira
       Marcos Videira

      Somos um povo individualista ?

      Fernando

      Concordo com você. Não adiante eleger um Presidente democrático e um Congresso com 80% de deputados e senadores escravocratas, fascistas.

      Já questionei o Jean Wyllys sobre o paradoxo: (a) 2 MILHÕES participam da Parada do Orgulho LGBT; (b) uma manifestação contra homofobia e assassinato de LGBT reúne cerca de 1 MIL pessoas 

       

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