Até um dia, Facebook, por Elika Takamoto

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Imagem: Reprodução

Do Minha Vida é Um Blog Aberto

Até um dia, Facebook.
 
por Elika Takimoto

 

Há tempos escrevo sobre tudo o que me toca da forma mais sincera possível. Não tenho vergonha de falar de minhas fraquezas, de meus medos, de meus devaneios sejam eles de que natureza forem e muito menos penso duas vezes antes de pedir desculpas por algo que tenha feito. Não raro, sou criticada e gosto quando isso acontece porque me vejo refletindo sobre meus valores. Crescemos sempre no embate, no diálogo, na divergência.

Muitas pessoas não se expõem por aqui para não ter que discutir. Não sou dessas como podem ver. Falo sobre política, educação, maternidade, sociedade, separação, escrevo sobre como é morar no subúrbio carioca, escancaro a minha dor sem freios. Sempre fui assim desde que me entendo por gente.

Como já disseram, sou uma “subcelebridade” na internet. Para quem não sabe, esseboom no meu perfil ocorreu no ano passado por postagens de cunho bem diferentes terem viralizado: vídeo de minha filha cantando para vacas, foto dos meus filhos no Aniversário Guanabara, texto relatando a minha experiência com coletor menstrual, anúncio de meu filho Hideo,… e o polêmico texto sobre cotas escrito há um ano (repostado ontem no facebook) que é o motivo dessa minha fala agora aqui.

O texto sobre cotas me apareceu como “lembrança do facebook”. Como acontece com inúmeros deles, apenas dei o famoso control C control V para quem não tivesse lido, caso quisesse, dar uma olhada. Lembro-me que, no ano passado, recebi mensagens de todo o Brasil por ele. Pessoas que haviam sido (ou ainda eram) cotistas estavam me agradecendo emocionadas pelo relato que eu havia feito. Por recordar as mensagens de carinho que havia recebido e por entender que ele seria algo bom para a comunidade, resolvi publicá-lo em meu feed mais uma vez. Se tivesse, na época, recebido uma só crítica de um negro se sentindo mal com a postagem, podem ter certeza que não teria republicado esse texto. Não foi o caso. Os elogios e agradecimentos tinham vindo deles e por causa do texto fiz amigos cujas vozes são importantíssimas no movimento negro. Sim. Muitos que me elogiaram podem ser cegos, não descarto essa possibilidade.

Qual foi minha surpresa que dessa vez a minha vida virou de cabeça para baixo. Levei um susto com a quantidade de pessoas me agredindo e as ameaças que recebi. Fui acusada de ser racista e ter sido completamente infeliz nas palavras. Inicialmente, como sempre digo, se o oprimido diz que sofreu um preconceito e foi agredido, ele tem sempre razão. Não existe mimimi. Não existe vitimismo. O mundo não está ficando chato. O mundo está melhorando isso sim. E isso tudo que aconteceu serviu como grande aprendizado, pois, fui acusada pela primeira vez de opressora. Perguntei-me: onde fui racista? Eu? Racista?! Já sabendo de pronto que sim, vale observar. Tinha sido racista já que há negros que se sentiram ofendidos. Essa é a regra.

Li o texto. Reli. Li comentários. Muitos xingamentos, muitas agressões.

A minha reação é ficar desesperada olhando para o que fiz e questionando onde errei e porque despertei esse sentimento ruim nas pessoas se tomo sempre o maior cuidado para fazer o contrário. Para muitas que vieram até me ofendendo, eu pedi para que, por favor, me ajudassem a melhorar. O que falei que feriu tanto para que nunca mais eu faça de novo?, perguntei para um tanto de gente hoje, pois, juro, não entendi o motivo pelo qual estavam querendo meu fígado.

Nada como o diálogo.

Não vou me ater aqui a dissecar do texto e a comentar frases que recortaram, colaram em fotos minhas e divulgaram em páginas e sites por aí. Sei que com isso, minha integridade física já foi ameaçada, corro risco de vida, pois, conhecem bem meu rosto (como fizeram questão de expor) e esses que fizeram isso querem mesmo a minha morte seja ela real seja metafórica. As duas são possíveis e se temo a primeira é porque sou mãe de três e filha de duas pessoas para as quais dou total assistência. O fato de ter virado conhecida pouco me importa ao contrário do que muitos (que não me conhecem) pensam. Coisas imprevisíveis que acontecem na internet… Por mim, ficaria falando só para meus amigos como sempre fiz. “Printando meus próprios tweets” para eles somente no intuito de compartilhar ideias e brincar – como muitos sabem que gosto demais de fazer.

A única coisa que sempre sonhei foi ter meus livros publicados e só. Isso não escondo de ninguém. Mais do que isso para quê? Acabou que hoje tenho quase 150 mil seguidores, fato que foge a minha compreensão e ao meu controle. Quando penso nesse número me dá até calafrios. E, por tentar sublimá-lo e acreditar sempre que escrevo para meia dúzia de leitores, não tomo cuidados que hoje, aprendi, preciso estar atenta.

Isso posto e voltando ao foco da postagem, gostaria de agradecer a todos pelas críticas que me fizeram. Entendi que, a despeito de não ter sido a intenção, o texto que pretendia narrar a desconstrução de um preconceito, ainda assim, foi infeliz e opressor, principalmente, na forma.

Relendo a partir das críticas recebidas, percebi o quanto é difícil viver em uma sociedade estruturalmente racista. Eu estava crente que (como muitos me fizeram crer na primeira vez que o texto foi publicado) tinha feito um serviço bacana narrando tudo o que passei. Qual o quê. Close erradíssimo. Vocês estão certíssimos em terem me chamado a atenção.

A única coisa que gostaria de pontuar é que o fato de eu ter estranhado ver negros em minha sala de aula (como narrado o texto) não foi por incômodo com a raça ou cor e sim por ter visto que algo diferente estava acontecendo. No mais, a narrativa peca por ter dado a impressão que eu acredito que, se não fosse pela ajuda dos colegas brancos, os cotistas não dariam conta, além de eu ter reforçado esteriótipos que só dificultam a inclusão e os colocam como seres fora do padrão. Entendi perfeitamente isso e concordei de pronto com a crítica.

Não inventei nada do que foi escrito, queria observar. Tudo aconteceu. Não teria motivos para inventar nada. Autopromoção, crescer em cima da desgraça alheia, aparecer como salvadora… nada disso me passou pela cabeça. Quando o texto foi publicado pela primeira vez, praticamente, foi só para amigos e conhecidos que sabem que a minha intenção jamais seria essa, digo, aparecer. Queria apenas compartilhar com aquele texto (que excluí para frear as ameaças que ando recebendo e a pedido da comunidade negra – e não por covardia como já me acusam) que quebrei a minha cara por ter pensado inicialmente que não daríamos conta daquele novo perfil de alunos que nunca dantes na história do Cefet havíamos tido.

Não menti. O texto fala (de forma infeliz ok) da desconstrução (não completa como vários observaram muito bem) de um preconceito de classe e de como tive que me reinventar como professora para dar conta da diversidade de vários níveis. E tive mesmo. Não vou esconder isso. Não por ser “iluminada”, “boazinha”, “princesa isabel” como me chamaram ironicamente. Mas porque outra realidade se apresentou e que não fazia ideia de como lidar com ela e fiz um esforço danado para aprender. E continuo me esforçando para ser a melhor professora para meus alunos. Há muito o que preciso assimilar ainda, como viram. Que bom que seja assim, penso eu… que horror seria se não tivesse mais nada a melhorar.

Hoje, em minhas palestras e em minhas falas, defendo que as cotas deveriam ser obrigatórias por lei em escolas particulares também, pois vi o quanto é somado quando trabalhamos no plural. Não sou tão ruim quanto pensam ao meu respeito. Entre o quente e o frio há graduações de morno. Seria bom não ver o mundo de forma tão dicotômica, acho eu…

Se meu relato reforçou a colonização, como observaram, peço milhões de desculpas, pois quero estar ao lado de quem a questiona e não do lado de quem a defende. Por favor, não me excluam dessa luta.

Prometo me policiar muito mais na minha fala, na minha escrita e a rever sempre meus (pre)conceitos.

Mais uma vez, a todos que contribuíram para tanta reflexão, muito obrigada. E a todos que se sentiram ofendidos, perdão.

Segue o barco com todos dentro.


Publiquei esse texto me retratando publicamente. As ameaças, incrivelmente, pioraram depois que o escrevi. Por motivo de segurança (já que meu contra cheque, meu CPF e endereço foram publicados junto com a foto do meu rosto com a legenda “racista!”) e por precisar digerir tanto ódio sem afetar a minha saúde, desabilitei a minha conta por tempo indeterminado.
Preciso me fortalecer.
Obrigada a todos que permaneceram ao meu lado e não atiraram pedras.

 

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Redação

11 Comentários

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  1. Parabéns Elika

    Eu já tinha lido e gostei muito do processo de aprendizagem que a Elika tinha narrado. Ela aprendeu a lhe dar com o cotista, a incluir, a ter empatia com brasileiros completamente ignorados pela sociedade. Afinal era um cenário novo para ela, assim como tem sido para muitos. Ela aprendeu, outros não.

    Talvez o problema tenha sido o grau de sinceridade. Brasileiro, em geral, prefere a estética das aparências e lida muito mal com a rudeza da verdade.

  2. Outras lousas.

    Elika,

    Só fiz contato contigo uma vez no Facebook, para agradecer por este texto .

    Imagino como está se sentindo, mas não desanime, para talentos como vc existem muitas lousas disponíveis.

    Tenho certeza que o Nassif, o Azenha, o Fernando Brito, jamais negariam a publicação de um texto seu.

    Espero que publique seus livros e tenha sucesso.

    Abraços fraternos.

  3. Patrulhamento neorracista

    O patrulhamento neorracista do “politicamente correto” está se tornando histérico.

    E o pior é que tem gente con síndrome de Estocolmo por causa dele, passando a se achar “racista”, como a própria autora do texto, que, a pretexto de aparecer bem na foto, acabou cedendo ao obscurantismo dessa gente.

    1. Exatamente! É ridícula e

      Exatamente! É ridícula e muito estranha a histeria dessa reação desproporcional, cheira a velhacaria de quem quer se enxergar como incluído e esquecer as origens…

  4. Engraçado…
    Sabe quem ataca

    Engraçado…

    Sabe quem ataca Elika Takamoto ???

    A mesma esquerda que defende Sheherazade e Fernando Feriado.

    Este caso, aliado com o caso Freixo, é importante para escancarar a mentalidade nazistóide dos “grupos identitários”mascarada de “defesa das minorias”.

     

    1. não sejam da esquerda conservadora

      A própria Elika tem um texto que ela diz ‘O dia que eu defendi uma fascista’. Ela acreditou, assim como várias outras correntes de esquerda, que o mexeu com uma, mexeu com todas é realmente TODAS.

      Acho engraçado que quando esses grupos tentam demonstrar que existe sim uma estrutura patriarcal machista que ataca as mulheres independente da orientação política delas, eles são acusados de nazistóides, incoerentes, ou xingados de pós-modernos, apesar da maioria dos agressores nem saber o que isso significa.

      Quando a Scherazade foi defendida, ou mesmo a janaína pascoal no ano passado, não foi por uma simpatia ideológica a elas, e sim por perceber que os xingamentos a elas deferidos eram os mesmos que todas as mulheres constantemente sofrem. Fechar os olhos quando o atacado está em uma trincheira ideológica oposta -mas é atacado por fatores identitários, como ser gay, mulher e/ou negro- é permitir a continuidade e naturalidade desse tipo de comportamento e postura em todos os âmbitos da sociedade, até em grupos de esquerda.

  5. Amiga acorda: Existe Oprimido Amigo de Opressor

     “Tinha sido racista já que há negros que se sentiram ofendidos. Essa é a regra.”

    Como já dizia a tia Simone: O opressor não seria tão forte se não tivesse aliados entre os oprimidos…

    Calmá lá! Aqui No Rio já topei com cotista da UERJ defendendo Bolsonaro… E quando questionado sobre o uso das cotas, respondia: Você está sendo racista! Claro! A pessoa apoia um fascista, faz uso fruto de um benefício que veio de lutas sociais e mostrar uma contradição enorme é racismo….

    Mulher fascista reprodutora de machismo? Depois de uma Juíza ter dado razão ao “Doutrinador Frota” em uma questão de apologia ao estupro, alguém deveria se dar conta que esxistem mulheres  lançando mão espertamente de discurso feminista quando são contestadas…

    Então antes de darmos simplesmente com resposta pronta “Sempre que alguém reclama e for isso você está errado”, é melhor ver caso à caso! Pois no Brasil, país de eterna injustiça social e em eterno desenvolvimento, teorias e ideologias que demoraram muito tempo para desenvolver e evoluir em outros países, chegam aqui mastigadas e depois se Degeneram é enorme!

    Macaquear ideologias que serviram na ampliação de direitos sociais de outros Países: Eis algo que o Brasil é Rei! Do Positivismo, ao Feminismo… Existem Negros de Direita no Brasil, como o vereador do DEM, Fernandinho Holiday, que reproduzem racismo e fazem uso do discurso de “você está sendo racista” quando contestados…

    Aí já é demais!

  6. Por que não tenho conta no facebook

    Elika,

    Compreendo o que sente. Tem minha solidariedade.
    Veja só: certa vez, em conversa com um amigo sobre mídia e redes sociais, perguntei a ele por que não tinha conta no facebook.
    Então ele colocou suas razões, e entre elas, estas:

    Por que não tenho conta no facebook:

     1 – O facebook não é espaço neutro: tem uma ideologia;
     2 – O facebook é ferramenta de vigilância;
     3 – O facebook é instrumento de censura;
     4 – O facebook é instrumento de alienação da realidade;
     5 – O facebook é instrumento de embotamento do pensamento crítico;
     6 – O facebook é instrumento de controle dos cidadãos;
     7 – O facebook serve a interesses que não os do meu país;
     8 – O facebook é instrumento de um poder alienante;
     9 – O facebook é instrumento de dominação subliminar;
    10 – O facebook propicia uma exposição das pessoas, invasiva e perigosa;
    11 – O facebook é instrumento de pasteurização das relações sociais.  

    De quebra citou George Orwell (lembra de 1984?):

    “Quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente, controla o passado…
    quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente agora?”
     
    “Em tempos de hipocrisia e mentiras universais, dizer a verdade se torna um ato revolucionário.”

    Isto eu já sabia.
    Achei um tanto rigoroso, mas ele não deixa de ter razão.
    De minha parte, usava o facebook como uma ferramenta para veicular notícias e fatos ocultados na mainstream media,
    para combater o analfabetismo político, a alienação e a desinformação endêmica.
    Como meu país está sob ataque, era a arma de que dispunho.
    Um tanto utópico, mas parafraseando Karl Popper, era meu esfoço de guerra.
    Até surgirem os ataques pessoais (o discurso do alienado é sempre ad hominem, nunca o debate de ideias).
    Como já estou velho pra essas coisas, fechei minha conta.
    Fraterno abraço.

     

  7. Basta habilitar “comentários

    Basta habilitar “comentários apenas para amigos”. Abrir a casa para o inimigo não dá certo.

    Essas criaturas, como todos os covardes, só atacam quem está vulnerável. 

    Triste que tenha chegado a este ponto.

     

  8. Olha, isso me dá a impressão
    Olha, isso me dá a impressão de ter sido orquestrado. A quem interessa queimar a reputação, desqualificar a autora e tirar suas postagens de circulação? Certamente a quem ela estava incomodando.
    Se as críticas fossem ao texto, vá lá, poderíamos entender, mas ameaças nesse nível, fazendo com que ela se recolha, certamente cumpre o papel de diminuir sua influência.
    Sei que não é fácil, mas sair de circulação é fazer o que eles querem. O momento é de se fortalecer, e tem muita gente que te apoia!
    Daqui a 1 semana, quando isso passar e os cães raivosos estiverem roendo outro osso, por favor volte!

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