Brasília completa 54 anos ultrapassando barreiras, diz Nicolas Behr

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Da Agência Brasil

 
Por Ivan Richard
 
O céu azul, a arquitetura moderna e as avenidas largas ainda conseguem despertar paixão e carinho. Mas ao completar 54 anos hoje (21), Brasília, a capital planejada de todos os brasileiros, enfrenta um momento delicado como um adolescente deixando a puberdade e prestes a entrar na fase adulta. Assim, poetas, músicos, jornalistas e pessoas comuns ouvidas pela Agência Brasil analisam o atual momento da capital federal.
 
Passados 54 anos da inauguração da cidade por Juscelino Kubitschek, a arquitetura modernista de Lúcio Costa e os traços ousados de Oscar Niemeyer têm ficado em segundo plano diante de problemas comuns aos grandes centros: a má prestação de serviços públicos, como saúde, segurança e transporte, e a descrença na classe política.

 
“Brasília está passando por um processo de metropolização muito claro. Interessante como já se pode falar de centro histórico, ainda mais quando vemos a verticalização das cidades- satélites. Brasília passa por um momento delicado por causa da pressão imobiliária para mexer na área tombada, que acho que não pode mexer”, avaliou o poeta Nicolas Behr, autor de cinco livros sobre a capital do país.
 
“A cidade está vivenciando dor do crescimento e buscando uma identidade. Ela é muito nova, apesar dos seus 54 anos. Acho isso bacana, a cidade estar buscando sua identidade e a sociedade começando a ir às ruas para cobrar dos gestores uma atitude correta e uma preocupação maior. Dói, as vezes, mas é bom porque a gente cresce. Isso é bacana e saudável”, acrescentou o jornalista e poeta Zé Carlos Vieira, paraibano que chegou ao Planalto Central com 2 meses de vida, há 54 anos.
 
Para Behr, Brasília ultrapassou barreiras e tornou-se um polo de desenvolvimento e cultura. Diferentemente, do que se pensava para ela em 1960. “Pensava-se em uma cidade pequena. Não havia o Lago Sul, Norte e não tinha as cidades-satélites. O Lúcio Costa pensava uma cidade pequena, de burocratas, que trabalhavam no serviço público. Mas Brasília virou um polo de desenvolvimento. Os migrantes que vieram para cá, os candangos, não retornaram. Agora, ela não é mais uma maquete. Já é uma cidade viva, não é mais artificial como era. Isso quem fez fomos nós”, disse o poeta.
 
E esse crescimento criou oportunidades, mas trouxe também desafios. “Aqui, a visão já não é tão bela. Brasília, periferia, Santa Maria [região administrativa] é o nome dela. Estupros, assaltos, fatos corriqueiros. Desempregados se embriagam o dia inteiro”. Os versos do rapper Gog, em Brasília Periferia, descrevem o cotidiano dos brasilienses que moram “fora das asas do avião”.
 
Nascido na região administrativa de Sobradinho, a cerca de 25 quilômetros do centro de Brasília, Gog vivenciou de perto o crescimento da “amiga e parceira”. “Engatinhamos, crescemos juntos, chegamos à maturidade juntos. Nesse crescimento, Brasília apresenta contradições do sistema que estão aparecendo agora, com o tempo”.
 
“O maior desafio é ela se consolidar como cidade e não só como capital administrativa. Que ela tenha um corpo humano e não apenas de concreto. Esse é o grande desafio da cidade. Lógico que esse corpo humano vai demorar algum tempo. Mas está na hora de esquecer do concreto e pensar mais nas pessoas”, projeta Vieira.
 
O poeta goiano José Garcia Caianno, há 46 anos em Brasília, compara a capital a uma criança, que precisa do acompanhamento e do apoio dos pais. “A cidade não está independente. E os pais são o povo. Ninguém melhor que o povo para tutelar, criar e desenvolver. O povo tem que tomar as rédeas da cidade”, frisou o artista.
 
Com o passar dos anos, ressalta Behr, Brasília deixou para traz as soluções ousadas em termos de construção e mobilidade e se burocratizou. “Temos vários problemas e não se encontra solução. O carro está matando Brasília. E não vejo uma solução ousada. Que se encontrou foi abrir mais pistas. Vai haver uma hora que não teremos mais espaço”.
 
Para o poeta, os problemas do dia a dia acabam encobrindo o significado da cidade no coração do povo brasileiro. “As pessoas não conhecem o que Brasília significou para o povo brasileiro no final dos anos 1950. Mas ai veio o poder e o estigma. A gente que está aqui tenta mostrar outra Brasília, criativa, rebelde, roqueira, trabalhadora, principalmente”, disse Behr.
 
Mesmo com as dificuldades, Brasília, hoje com mais de 2,5 milhões de habitantes, continua atraindo os “novos candangos”, como a economista catarinense Daisy Lima, radicada na cidade há oito anos. Apesar de considerar que a cidade se tornou mais violenta, não pensa em voltar para a terra natal. “Não deixo de fazer as coisas que eu gosto, mas vou com medo, 100%”, pontuou.
 
Para rapper Gog, o grande desafio da capital é incluir a população que vive “na órbita” da cidade. “Que essa barreira da distancia seja superada também no coração dos políticos. Que eles tenham a humildade de perceber que as políticas públicas jamais serão fortalecedoras se não forem frutos das próprias comunidades. Fala-se em reforma politica, mas temos que fazer uma reforma na politica, na forma de pensar a politica.”
 
O cordelista paraibano Jairo Mozart considera que Brasília perdeu qualidade de vida ao longo do tempo, mas ainda há tempo para resgatar uma das suas principais qualidades. “Esse resgate só acontece quando os governantes olharem para as pessoas que querem que a cidade seja como já foi. Essas pessoas estão aqui dizendo: oi, estamos aqui. Mas ninguém escuta. Brasília saiu do traço do arquiteto, mas o céu continua azul. É possível reverter o quadro”, disse.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. 😉 Não estou gostando dessa

    😉 Não estou gostando dessa história.

    Brasília, como toda “mulher”, deve saber que está na hora de começar a fazer “45” anos. 🙂

    Afinal, essa é uma geração que morrerá de catapora! ;))

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