Cidadão Trans, por Diego Silva Marquez de Araújo

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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CIDADÃO TRANS – Existência e Aplicação de Políticas Públicas para o Público Transgênero

por Diego Silva Marquez de Araújo1

Resumo

O Brasil tem passado por momentos difíceis, sobretudo na esfera  política.  São muitos os escândalos relacionados à gestão do Estado, o que prejudica a maioria da população. Embora na Constituição esteja escrito alguns dos direitos civis e humanos, como “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art.III) e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art.IV), sabe-se que na prática a realidade é outra, e tais direitos ainda são utopia. Se isso é difícil garantir para um cidadão “comum”, imagine para os grupos marginalizados como os Transgêneros, por exemplo, cuja  identidade de gênero difere da designada no nascimento. Teriam eles os direitos assegurados pela constituição? Sobre as questões de existência e aplicação dos direitos  dos LGBT se debruçará este artigo.

Introdução

O preconceito por orientação sexual e/ou gênero ainda é realidade nos lares, escolas, trabalho, etc. Ou seja, está presente em qualquer esfera de nossas vidas. Embora leis de conscientização sejam aplicadas dia-a-dia, estamos a passos  largos de extinguir qualquer discriminação social. Como Comunicólogo e pós- graduando em Opinião Pública, me vejo na obrigação de levantar questionamentos sobre a existência e aplicação de Políticas Públicas voltadas ao público LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) do qual faço parte. Sobretudo, para os Transgêneros, que lutam diariamente para não serem excluídos socialmente. Não procuro diminuir os outros “grupos”, medindo a intensidade do preconceito que sofrem, ou lançar um conteúdo separatista, mas procuro advertir a necessidade de se olhar a um público em evidência, principalmente na mídia, por conta dos “ataques” diários que veem sofrendo, conforme reforça a fala de Keila Simpson2  

“Somos 1,5 milhão de pessoas trans  no Brasil. Buscamos dignidade e respeito […]”.

Tendo como objetivo levantar a existência e a aplicação de políticas públicas que assegurem os direitos sociais e políticos dos Transgêneros enquanto cidadãos, foi realizada uma pesquisa de dados em fontes secundárias. Ou seja, o uso de dados anteriormente coletados pelo governo, por instituições não governamentais, publicações, entre outras disponíveis para consulta pública. A segunda parte é qualitativa, utilizando entrevistas gravadas, com roteiro semiestruturada, a serem realizadas com trangêneros na cidade de São Paulo, buscando sua percepção sobre acesso aos direitos e garantias individuais presentes na Constituição. Mas, isso é para outro artigo.

1. Gênero, Sexualidade e Transgeneridade

Para iniciarmos a discussão faz-se necessário conceituar Gênero, Sexualidade e Transgeneridade.

Gênero pode ser definido como aquilo que identifica e diferencia os homens e as mulheres (gênero masculino e feminino), podendo ser usado como sinônimo de “sexo”, referindo-se ao que é próprio do sexo masculino, assim como do sexo feminino. Do ponto de vista psicológico, esta definição transcende tal conceito. O gênero é entendido como aquilo que diferencia socialmente as pessoas, levando em consideração padrões histórico-culturais e temporais conferidos a homens e mulheres, podendo ser entendido como algo mutável e não limitado como dizia as ciências biológicas.

“A sexualidade é um aspecto central do ser humano ao longo da vida e inclui o sexo, gênero, identidades e papéis, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução. A sexualidade é experienciada e expressa através de pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas, papéis e relações. Embora a sexualidade possa incluir todas estas dimensões, nem sempre elas são todas experienciadas  ou expressas. A sexualidade é influenciada pela interação de fatores biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, políticos, culturais, éticos, legais, históricos, religiosos e espirituais”. (OMS – Organização Mundial da Saúde).

Sexualidade, portanto, é o impulso natural diretamente ligado e dependente de fatores genéticos, sociais e culturais a todo ser vivo, que impulsiona a busca de um/uma parceiro/a, seja ele/ela do mesmo sexo ou não, sem necessariamente acompanhar o ato sexual.

A Transgeneridade pode ser explicada pelo modo como algumas pessoas se identificam com o sexo oposto ao atribuído no nascimento:

  • Transexual: homem ou mulher que nasceu com o sexo do outro gênero (pode ter feito ou não a cirurgia de adequação);

  • Intersexo: Aqueles que nasceram com malformação da genitália (antigo hermafroditas ou pseudo-hermafroditas);

  • Genderqueer (ou sexo não binário): pessoas que não se identificam com nenhum gênero ou transitam entre eles;

  • Crossdresser: que gostam de se vestir como o sexo oposto no dia a dia ou em situações de fetiche, mas não se identificam com o sexo oposto;

  • Dragqueen: homem que se veste como mulher para shows e performances. Existe o termo dragking para mulheres que se vestem  de homens para shows;

  • Travesti: termo usado no Brasil para designar quem se identifica com  o sexo oposto ao do nascimento, fazendo alterações no corpo, mas  não deseja realizar cirurgia de adequação sexual.

Independentemente destas designações, cada um escolhe como quer ser chamado. Os nomes e expressões usados servem para explicar e não para categorizar pessoas.

2. Políticas Públicas

Políticas Públicas são o conjunto de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado, com a participação do setor público ou privado, que visa assegurar determinado direito de cidadania, para determinado grupo social, cultural, étnico ou econômico.

O Texto Constitucional da República Federativa do Brasil, promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas emendas constitucionais nº 1/1992 a 68/2011, pelo decreto Legislativo nº 186/2008 e pelas emendas constitucionais de revisão nos 1 a 6/1994, foi criado para assegurar o exercício desses direitos e garantir a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade  fraterna,  pluralista e sem preconceitos. Mas, é utópico, dado que na prática nada do que foi descrito é realizado. Em meio a tantos escândalos políticos, é difícil acreditar que alguém esteja “olhando por nós” e que o dinheiro que seria destinado a tais Políticas

Públicas esteja, de fato, sendo aplicado. Se inconcebível a ideia de que a Constituição representa o cidadão “comum” imagine fazer parte das minorias3 (grifo meu), como mostra o depoimento que segue:

“Não consigo emprego registrado. Já ouvi frases como: ‘Não contrato pessoas que nem você’. E se eu conseguir vou ter que usar um crachá com nome feminino. Aí não dá. Já trabalhei em faxina, com transcrição de pesquisa e cuidando de crianças. Trabalhos informais para ganhar  um troquinho. Hoje faço um trabalho educacional com o filho de uma amiga, antes de ele ir para a escola. É gratificante”. (Alexandre, 2017)

A falta de estudos, baixa instrução, impossibilita Alexandre de entrar para o mercado formal de trabalho. A desistência deu-se pela pressão que sofreu para assumir sua identidade de gênero. Viveu como lésbica até os 27 anos e só então descobriu que poderia ser como um homem, fisicamente. Alexandre foi o primeiro homem trans a fazer a histerectomia4 (grifo meu) pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Embora, tenha retirado os órgãos reprodutivos femininos internos, deseja também retirar as mamas, mas a fila no SUS para cirurgia de adequação sexual de pessoas trans é de mais de 20 anos. E em clínicas particulares a cirurgia chega a  R$ 20 mil reais. Impossibilitado de pagar por tal procedimento e carente de um plano de saúde, Alexandre é refém do Sistema Único de Saúde e do preconceito de uma sociedade, que se nega a vê-lo como homem.

Assim como Alexandre, há outros milhões de pessoas trans no país, carentes de algum suporte, assistência, recursos, etc. Para a realização da cirurgia há diversos processos, desde acompanhamento psicológico até as intervenções cirúrgicas. De fato, quanto o Estado está olhando para este público? Tal questionamento dimensiona a parte empírica de nossa pesquisa, com depoimentos de pessoas trangêneros e a saga na construção de sua cidadania, sua identidade.

Referencia Bibliográfica (inicial)

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Trad. Alcida Brant. 3ª ed. São Paulo. Editora Nova Fronteira, 2016.

FERREIRA, Lilia. Transgêneros. Disponível em: <https://tab.uol.com.br/trans/>. Acesso em: 19 de mai. 2017.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade. Vol I – A Vontade de Saber. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque & Albuquerque, J. A. Guilhon, 13º ed. Rio de Janeiro. Editora Graal, 1999.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade. Vol II – O Uso dos Prazeres. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque & Albuquerque, J. A. Guilhon, 13º ed. Rio de Janeiro. Editora Graal, 1999.

1  Diego Silva Marquez de Araújo – Comunicólogo, com habilitação em Publicidade e Propaganda, pela Faculdade Paulus  de  Tecnologia e Comunicação, FAPCOM. Artigo para Disciplina de Opinião Pública e Pesquisa Eleitoral, Prof.ª Jacqueline Quaresemin, Pós Graduação em Opinião Pública e Inteligência de Mercado – Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo/FESPSP.

2  Secretária de Comunicação da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), Vice- Presidente da ABGLT e membro do Conselho Nacional de Combate à Discriminação de LGBT.

3  O termo minoria diz respeito a determinado grupo social que esteja em inferioridade numérica ou em situação de subordinação socioeconômica, política ou cultural, em relação a outro grupo, que é maioritário ou dominante em uma dada sociedade.

4  Cirurgia ginecológica para remoção de parte ou totalidade do útero, por via abdominal ou vaginal.
Lourdes Nassif

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