Conselhos de participação social: ameaça e resistência

O Decreto Federal nº 9.759, de abril de 2019, que extingue ou altera os canais de participação social nas políticas públicas, representa ataque frontal à democracia.

do CEE-Fiocruz

Conselhos de participação social: ameaça e resistência

O Decreto Federal nº 9.759, de abril de 2019, que extingue ou altera os canais de participação social nas políticas públicas, representa ataque frontal à democracia. Esse entendimento orientou a análise de três especialistas, sobre as consequências da medida, ao blog do CEE-Fiocruz.

Eles abordaram os conselhos nacionais de alimentação, meio ambiente e drogas, afetados pelas mudanças, ao lado de outros tantos, como os conselhos de Direitos à Pessoa com Deficiência, das Florestas, dos Direitos dos Idosos, além de entidades representativas como a Comissão Nacional de Política Indigenista e o Comitê Gestor de Internet no Brasil.

Os especialistas falaram ao blog após o seminário Participação popular na construção de políticas públicas, por ocasião dos 34 anos da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), em 20/8.

“O Consea foi decisivo no avanço do combate à fome e no incentivo a uma alimentação mais adequada e saudável para população”, destaca Francisco Menezes, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

“O Brasil que tem seis biomas distintos, é um país diverso, mas não conta mais com uma representação diversificada dos estados”, observa o analista ambiental Rogério Rocco, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), sobre as mudanças na composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

“Hoje não temos representante da sociedade civil participando”, aponta o pesquisador Dênis Petuco, da EPSJV, a respeito do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, um dos mais antigos do país, criado em 1936. “Vivemos sob ataque às instituições democráticas, mas a eliminação da participação social desses grupos não eliminará essas múltiplas vozes organizadas”, afirma.

Para Francisco, a extinção do conselho deixa o país à deriva, diante de situações graves como a volta do país ao mapa da fome. “Em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou que o país havia saído do mapa da fome e agora, ela retorna novamente. Há, também, fortes violações com a aprovação de inúmeros agrotóxicos feitos com bastante irresponsabilidade e não temos o conselho para fazer oposição a esse quadro que vai se construindo”, avaliou.

O Conselho Nacional de segurança alimentar e nutricional cumpriu um papel decisivo para os avanços que o país realizou, seja no combate à fome, seja na busca de uma alimentação mais adequada e saudável (Francisco Menezes)

O pesquisador salienta, que embora haja um desmonte em relação aos vários conselhos da administração pública, a sociedade saberá se opor a essa situação. “Já se convoca uma conferência nacional popular em que a sociedade participará com todos os Estados, se fazendo representar para dar um basta a esse processo e para buscar alternativas na construção de um país sem fome, com alimentação adequada e saudável para toda sua população”, concluiu.

O analista ambiental Rogério Rocco, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) abordou os impactos socioambientais que as mudanças na composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) podem causar para sociedade brasileira. “O Brasil que tem seis biomas distintos, é um país diverso, mas não conta mais com uma representação diversificada dos estados”, observa.

Rocco explicou como era a formação do conselho e como ficou a composição após o decreto do Presidente da República. “Há quase 40 anos, o Conselho Nacional do Meio Ambiente é um órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente, cuja função é estabelecer normas e padrões ambientais. Sua composição sempre envolveu uma passam ampla dos setores da sociedade desde representações governamentais a sociedade civil organizada”, explicou.

Infelizmente, esse governo reduziu e desqualificou as representações e hoje a forma de escolha dos oito Estados da Federação, que compõem o conselho e das quatro entidades ambientalistas, é feita através de sorteio, como se fosse um prêmio, como se a participação social tivesse qualificada como um ganho, uma vantagem e não como resultado de um processo de maturação dessas representações (Rogério Rocco)

Segundo o analista, embora o Conama fosse historicamente composto por uma diversidade representativa, o conselho nunca foi de governo. “O Conama é um conselho de estado que representa uma política de estado, que envolvia todos os ministérios e secretarias da presidência da república, todos os governos estaduais, representantes de municípios, confederações da agricultura, do comércio, da indústria, entidades de notório saber ambiental como Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, a fundação brasileira para conservação da natureza e entidades ambientalistas”, destacou.

“Infelizmente, esse governo reduziu e desqualificou as representações e hoje a forma de escolha dos oito Estados da Federação, que compõem o conselho e das quatro entidades ambientalistas, é feita através de sorteio, como se fosse um prêmio, como se a participação social tivesse qualificada como um ganho, uma vantagem e não como resultado de um processo de maturação dessas representações. O Conselho Nacional do Meio Ambiente apesar de ainda existir na lei, não discute mais política ambiental e isso ameaça de repercutir em pouco tempo na vida de todos nós no Brasil”, avalia.

Para Dênis Petuco, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) a diminuição desses conselhos incidem diretamente sobre nossa democracia. Dênis comentou os impactos sociais sobre a redução da participação social no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad). “Estamos vivendo um ataque frontal à democracia. No que tange as políticas sobre drogas, a última expressão disso se manifesta no ataque a participação da sociedade civil no Conad”, avaliou.

Vivemos uma democracia sob ataque e esse ataque ao Conselho Nacional de políticas sobre drogas, é apenas mais um aspecto desse ataque organizado as instituições democráticas como um todo (Dênis Petuco)

Petuco revela que o interesse civil pela política de drogas começa com o processo de redemocratização, a partir do fim da ditadura civil-militar que se instaurou no Brasil em 1964 e que esse processo se ampliou com a inauguração e a chegada, no Brasil, do movimento social organizado em torno das ideias de redução de danos. “O Conselho Nacional de políticas sobre drogas é um dos mais antigos do país, criado em 1936, durante o governo de Getúlio Vargas e por muitos anos foi marcado por uma ausência total de participação da sociedade civil organizada. A sociedade civil demorou muito tempo a se interessar em participar efetivamente da discussão sobre a organização e orientação das políticas de drogas”, observa.

O pesquisador lamenta a extição popular dos conselhos, mas acredita que a mobilização social e progressista na area de drogas veio para ficar. “O decreto assinado recentemente pelo presidente da república, extingue por completo a participação da sociedade civil no Conad. Isso configura um golpe brutal no debate sobre a política de drogas e na própria democracia. Vivemos, portanto, uma democracia sob ataque. Mas, a boa notícia é que essa organização da sociedade civil veio para ficar e não é a extinção da participação desses grupos que eliminará a existência dessas múltiplas vozes organizadas”, conclui.

Redação

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