Cotas Raciais e a mesquinharia do STF, por J. Roberto Militão

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Cotas Raciais e a mesquinharia do STF

por J. Roberto Militão

TSE e STF e os julgamentos a ´la carte´

Além da vergonhosa deliberação do TSE que violou o dever de zelar pela legitimidade e espontaneidade da vontade eleitoral dos brasileiros que não pode ser violado nem induzido pelo uso abusivo do poder econômico e do poder político conforme sucedeu nas eleições presidenciais de 2014, na mesma data a legitimação constitucional das leis de COTAS RACIAIS é outra perversão dos direitos individuais que está sendo violado, agora pela Suprema Corte, a quem compete zelar pela integralidade da mens constitutiva – ou seja o sentimento nacional constituinte.

Concomitante com o ´julgamento´ do TSE também o Supremo Tribunal Federal, cometeu mais uma de suas deliberações mesquinhas. Também por unanimidade decidiu favorável às leis de ´cotas raciais´ em concursos públicos. Já havia decidido por unanimidade as leis de cotas raciais para ingresso nas universidades.

A mesquinharia é que tais leis e decisões oficializam uma presunção de inferioridade natural dos pretos e pardos afirmadas por políticas públicas estatais – essa de iniciativa da OAB – uma corporação que de 81 conselheiros, apenas 2 ou 3 podem ser classificados como afrodescendentes.

Agora, o Supremo – STF – que tem a atribuição de guardião da CF/1988, julga contra ´vedação´ expressamente prevista nos arts. 5º e 19 da Carta Tutelada:

Diz o art. 19 – “É vedado à União, Estados e Municípios: … III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”

E tal artigo da CF, simples e direto, foi introduzido coroando dessa forma bem específica o que prediz a norma geral do o art. 5º que abre o principal capítulo da Carta Cidadã, aquela das garantias individuais:

 – DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS (ART. 5º):

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Prezados, como pode o Tutor violar um princípio pétreo da Tutelada?

Acredito em Ações Afirmativas. Uma doutrina de políticas públicas indutoras da igualdade de tratamento e de oportunidades. Vejam bem: indutora. O que não significa a criação institucional de privilégios fundado em um absurdo direito ´racial´.

Se raça não existe conforme afirma a moderna ciência biológica reafirmada pelos avanços do sequenciamento do Projeto Genoma, em prol da unicidade da espécie humana, para existirem direitos raciais, o estado passará a produzir ´raças estatais´ o que já vem ocorrendo no Brasil. Na contramão da história.

Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, fruto civilizatório frente aos genocídios da 2ª guerra mundial, nenhum estado está autorizado a legislar sobre direitos em bases raciais.

Por tal princípio conseguimos – o ativismo contra o racismo – impor sanções à África do Sul contra as leis de apartação e que resultaram na revogação da prisão perpétua de Nelson Mandela.

Porém, nem nos EUA introdutor da doutrina de Ações Afirmativas, por ser uma nação que acredita em direitos raciais, nem lá não existe lei alguma segregando direitos em bases raciais.

E sempre que houve iniciativas estatais de imposição legal, a Suprema Corte norte-americana já se pronunciou várias vezes sobre a inconstitucionalidade de qualquer lei neste sentido, por violação da 14a Emenda, que preceitua:

“Emenda XIV – Votada pelo Congresso em 13 de junho de 1866. Ratificada em 9 de julho de 1868

Seção 1.  Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas a sua jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiverem residência.

Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis. “

Vejam que o nosso art. 19 c/c art. 5º tem o mesmo princípio da consagração da igualdade formal, contido na Emenda 14 da americana. Aquela mesma que fora violada pela Suprema Corte, pelo acolhimento da doutrina de ´separados mas iguais´, que foi a fonte das leis de segregação de direitos raciais vigentes até os anos 1960 somente derrotadas pelo movimento por Direitos e Liberdades Civis, liderados pelo dr. Luther King.

Portanto, que me desculpem os defensores dessa excrescência jurídica – segregar direitos raciais – deliberada pela mais Alta Corte, por unanimidade – admitindo conforme a Constituição o tratamento diferente e privilegiado em razão de um direito ´racial´-  porém, como diz a sabedoria dos Hebreus, nas leis do Torá: toda unanimidade é burra, eternizada por Nelson Rodrigues.

Pelas leis do Torá, qualquer julgamento decidido por unanimidade era, automaticamente, anulado, por ausência de melhor interpretação do fato apreciado.

Por falar em mesquinharias, Michel Foucault nos ensinou que todas as grandes tragédias da humanidade sempre se iniciaram por pequenas mesquinharias.

 

Redação

15 Comentários

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  1. cotas…

    AMÉM. O caminho do inferno é calçado por boas intenções. Nossa Constituição dita Libertária, Democrática e Cidadã foi rebaixada a uma República que institucionaliza o racismo. Pelo menos uma parte da Imprensa nacional não censura o contraditório, abrindo espaço para crermos ainda em Democracia neste país.  Por enquanto vivemos na farsa da Ditadura do  Politicamente Correto, dos Representantes dos representados, nossa Ditadura de Federações como citado pelo autor,  tal OAB.   De quase sua centena de conselheiros talvez 2 ou 3% se indiquem afrodescendentes. A mesma OAB que clama por Democracia, enquanto implanta com apoio do STF,  e vejam que curiosos, também  de forma unânime, a ditadura da carteirinha, da propriedade da profissão de advocacia, enquanto repelem a eleição direta para a escolha da sua liderança e comando. O Brasil se explica. Parabéns ao autor. Forma clara, direta e contundente quanto a seus argumentos.  

  2. Conversa bonita, mas…
    Preto só entra nos gabinetes pra limpar o chão ou servir cafezinho.
    Até que se criem no Brasil outras formas para reparações históricas e inclusão do negro na sociedade, de forma igualitária, tem que ser assim mesmo. A fórceps.

  3. Prezado Militão,

    1. Discordo frontalmente dos seus “sólidos argumentos”, e não vou entrar no mérito dessa discussão, prefiro outra;

    2. Na condição de advogado, e militante histórico do movimento negro e do PSB, aliado do Alckmin e do Dória, gostaria de ouvir uma defesa do prefeito de São Paulo, que você ajudou a eleger. Graças à sua militância incansável e apoio entusiasmado e incondicional, somado à sua penentração junto ao público das periferias, temos Dória prefeito. Comente. 

    1. Alckmin, Dória, Haddad, Marta, Dilma e Lula

         Prezado Fernando,

         Não poderia deixar de consignar que o PSB também apoiou, de forma incondicional a eleição de Haddad, Dilma, Marta e Lula e sempre fomos leais no esforço de dar governabilidade a projetos nacionais e de interesse social.

         Infelizmente, a partir de 2013, o desgoverno da Pres. Dilma – que não dialogava com aliados – afastou o PSB da aliança natural – em razão das críticas que Eduardo Campos formulava á política econômica e, se Lula tivesse retornado em 2014 – conforme o desejo do PSB – certamente estaríamos juntos.

          De outro lado, um partido político que almeja representar segmentos da população não pode ser omisso e, diante de circunstâncias, sempre nos comprometemos a juntar as partes boas do PT e do PSDB a fim de se edificar programas de governo de centro-esquerda.

          Em São Paulo, diante da desastrosa gestão do Haddad que perdeu a periferia, e da ameaça de um Russomano da vida, consideramos o mal menor e na gestão, procuramos influir para que o fascimo não impere soberano.

         Enfim, comentei.

       

      abç

         

  4. A mesquinharia do STF

    Nem mulher, nem preto, nem gay , nem pobre, nem transgênero , nem favelado, nem egresso, ninguém dessa escória merece ser FAVORECIDO COM COTAS.

    Essa gentinha que ousa nascer e quer crescer neste mundo branco, limpo, ordeiro e masculino tem que sobreviver com o espaço que possa conseguir e que apenas exista para servir!

  5. Conclamar a constituição para

    Conclamar a constituição para recriminar a política de cotas nesse puteiro que virou o país, onde essa mesma constituição não é respeitada pelos juizes nem na hora de receberem seus salários, um país onde as leis só servem aos ricos e poderosos, onde 99% deles são brancos, é uma coisa muita nojenta.

  6. Seguinte

    Sou favorável às cotas raciais para Ingresso na universidade, mas não no Serviço Público. A razão é simples: educação é direito, ingresso no Serviço Público é opção, escolha de carreira.

    Agora, não nego que vai ser lindo ver uns lugares onde imperam os brancos coxinhas (tipo a minha carreira, da AGU) ganhar de cara, no próximo concurso, 20% de negros. Pense como é estranho trabalhar num andar com umas 100 pessoas e só ver terceirizados negros (notadamente os da copa e da limpeza). Absolutamente NENHUM procurador negro…

  7. Luta desigual ou Militância

    Militão é um cruzado de esquerda nas políticas afirmativas. No início do debate das cotas nas universidades, lançou mão da obra de Frantz Fanon, um ícone, para defender, com vigor, a melhoria nas escolas públicas. No mesmo sentido e direção, quando o Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado no STF, peleou, com força, com a percepção da pele preta percebida igualmente como a pele branca. Agora, ataca novamente (retoricamente), com menos teor, no mesmo córner, as cotas no serviço público, por “uma doutrina de políticas públicas indutoras da igualdade de tratamento e de oportunidades”. No ringue, a luta contínua.

  8. fale mais sobre o Doria ser

    fale mais sobre o Doria ser um mal menor….?

    e sobre + de 20 anos de de corrupção nos governos do PSDB em São Paulo, o que tem a dizer?

  9. Comentários e conceitos de direito racial:

    Agradeço aos comentários. Defendo políticas de Ação Afirmativas, porém, elas devem promover a igualdade de tratamento e de oportunidades sem que o estado faça a perversa segregação de direitos raciais, contrariando a natureza humana e os ideais iluministas da igualdade humana.

    Muitos apoiadores de cotas raciais não conseguem dimensionar a repercussão disso nas futuras gerações de brasileiros: conforme dizia o saudo prof. MILTON SANTOS: “nós queremos ser apenas brasileiros” sem apologia racial.

    Minha crítica é que o estado – por legisladores brancos – por reitores brancos – por Ministros e Juízes brancos – não fazem Ações Afirmativas. Fazem a segregação de direitos em bases raciais e, visam, no fundo nos impor um pertencimento racial que jamais tivemos, e confomre pesquisas, os afro-brasileiros não desejam pertencer a uma ´raça´ dita inferior. A indução à apologia do pertencimento racial foi expresso no Relatório da Senadora Ana Rita-PT/ES ao PLS 180/2006 que aprovou a ´Lei de Cotas´ nas universidades.

    A questão é que nenhuma nação que fez segregação de direitos em bases raciais produziu bons resultados sociais; Tutsis e Hutus receberam status jurídicos distintos outorgado pelo colonizador belga a partir de 1890. Um século depois as duas etnias que viviam no mesmo território a milhares de anos, protagonizaram o maior genocídio da sofrida história africana com mais de 10 milhões de mortos ou desterrados, refugiados. Na Índia, desde 1912 os ingleses outorgaram ´cotas´ para os Dallits. Criaram uma elite de 10% mas demais 90% – 400 milhões de Dallit´s continuam ´intocáveis´ à margem da sociedade.

    Os EUA acolheram a doutrina de ´Iguais, mas separados´, segregaram direitos de brancos e pretos, e edificou uma sociedade racista e profundamente doentia. Introduziram as ´cotas raciais´ para fins de compensação histórica e os afro-americanos, em média, ficaram mais empobrecidos e vulneráveis. 

    Nas palavras do então candidato Obama (2008) a comunidade afro-americana vive uma catástrofe niilista. Em 1960 cerca de 13% das crianças eram filhas de mães-solteiras. Hoje mais de 70% não conhecem o pai. Em 1964, apenas 0,1% dos 30 milhões de afro-americanos estavam nas prisões. Em 2014, com Obama presidente, mais de 2,5milhões dos afro-americanos, jovens de 16-30 anos, estão cumprindo penas. Representam mais de 6% da população afro-americana. Em alguns estados do sul, mais de 40% dos jovens – masculinos – estão ou estiveram presos. 

    Para comparação, no Brasil, de 100 milhões de afro-brasileiros, cerca de 450 mil estão nas prisões. Ou seja, 0,45%.

    Outros exemplos não precisamos detalhar, como as experiências estatais, com base na segregação racial, na Alemanha nazista, ou do ´aphartheid´ na África do Sul.

    Enfim, segregar direitos raciais, na forma que está sendo feita no Brasil, trata-se de uma mesquinharia, em que os mais ricos, com melhor educação formal (primeiros colocados nos vestibulares e nos concursos públicos) nada perderão. Os perdedores serão os jovens brancos da mesma condição social dos jovens beneficiários, da mesma escola pública deficiente, todos da periferia, às vezes da mesma família miscigenada, tratando-se, pois, de uma perversa política pública promovida pelo estado que sem investir nenhum real, retira vagas de pobres para as entregar a outros pobres, sob o nome de uma falsidade ideológica: o direito racial.

    Neste sentido edifica-se também uma fraude antropológica: o pertencimento racial não é a legítima manifestação dos afro-brasileiros. Apenas 14% dos pretos e pardos se autodesignarm pertencentes à ´raça negra´, entretanto, o privilégio estatal, para ser usufruído, nos impõe esse pertencimento racial que, historicamente, renegamos. A resistência à escravidão foram por associações de Homens Pretos, Homens Pardos e Homens de Cor, em torno de Igrejas, Cemitérios e terras de Pretos. Nossos bisavós se autodesignavam por pretos ou homens de cor, jamais como ´raça negra´. A reverência à sabedoria ancestral do Preto Velho e para a matriarca Mãe Preta. Jamais nos sentimos pertencentes à ´raça negra´, aquela que o racismo edificou com a base da pirâmide humana: a raça inferior.

    A designação dos pretos e pardos como da raça ´negra´, foi uma imposição das elites, a partir das academias e florescem no início do século passado, anos 1910/1940, auge da ideologia eugenista e da crença da superioridade racial.

    A segregação de direitos raciais irá gerar ódios e divisões que não precisamos. Evidente que assim como Tutsis e Hutus demorou um século para o conflito genocida, significa o estado semeando uma competição ´racial´, atualmente esse direitos a ´cotas raciais´ tem sido objeto de debates em todas as escolas de ensino médio – já fui convidado em dezenas e dezenas delas – onde a juventude brasileira – pretos e brancos –  nessa fase crucial da vida, está diante de um debate e dilema perverso: usufruir ou não. Perder ou não. Em que disputa das oportunidades ganhas e perdidas se refletirão para sempre na vida deles!

    ORTEGA Y GASSET filosofou nos anos 1930: “a geração atual tem o dever de entregar à próxima um ambiente social melhor do que a recebida da geração anterior”.  A nossa geração, acolhendo a mesquinharia e a perversidade de leis que fazem segregação, não está cumprindo com esse dever para com as futuras gerações.

    Enfim, não há lei boa de segregação, pois a sua natureza é a de ser injusta, conforme ensinava a reflexão desde o cárcere pelo Doutor LUTHER KING em sua histórica ´Carta da Prisão´ (1963) com base na doutrina cristã de Santo Tomás de Aquino e Santos Agostinho: “As leis de segregação são injustas. Uma lei injusta é uma lei humana sem raízes na lei natural e eterna. Toda lei que eleva a personalidade humana é justa. Toda lei que impõe a segregação é injusta porque a segregação deforma a alma e prejudica a personalidade.”.

     

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