Dois anos depois, Justiça ainda guarda marcas do Pinheirinho

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – Passaram-se dois anos desde que 1800 famílias foram brutalmente retiradas de suas casas, na ocupação conhecida como Pinheirinho, em São José dos Campos. Duas mortes e processos de denúncias de violação de direitos humanos, incluindo de crime de estupro, ainda estão sem ponto final. Somados a um auxílio moradia de R$ 500 mensais incompatíveis com a realidade imobiliária da cidade e perdas irresgatáveis – fotografias, cartas e sonhos que não entram no crediário – ainda marcam angústia para os que lutam pela vida que tinham.

Essa foi a bandeira mais uma vez levantada pelos persistentes ex-pinheirenses. O terreno de 645 mil metros conquistado para a construção de 1700 residências de 47 metros, em bairro afastado na cidade, já batizado como “Pinheirinho dos Palmares” ajuda, mas não tampa aquela lembrança. Por isso, reuniram hoje (22) no futuro terreno cerca de 200 pessoas, em ato, pedindo para começar logo as obras das casas e mostrando que eles não se esqueceram dos danos.

O Pinheirinho foi um dos maiores e mais organizados assentamentos urbanos do país. Foram oito anos de luta para a construção, com as próprias mãos, de cada casa, quintal e rua, até formar uma grande comunidade, com igrejas, mercadinhos e toda organização comunitária.

De surpresa, entre 4h e 5h do início de um domingo, muita truculência, com tropas de choque da Polícia Militar, ROTA, Guarda Municipal, cachorros, cavalos e helicóptero não enxergaram crianças, idosos ou moradores com necessidades especiais. Estavam lá para obedecer a uma ordem. O resultado teve repercussão no país e no mundo.

Processos criminais pedem a condenação do governador, do comandante da polícia, da guarda municipal e do então prefeito, Eduardo Cury (PSDB). Processos de reparação de danos morais e materiais, pelo constrangimento, violência, perda de materiais; representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e denúncia na Organização dos Estados Americanos (OEA) ainda tramitam.

Mas, como de costume desde que existia o Pinheirinho, os moradores se reúnem – com menos frequência e presenças, por viverem espalhados pela cidade – para repassar informações de direitos, lutas e o que vem pela frente.

“A vida mudou muito. Ali no Pinheirinho a solidariedade era muito grande, era uma comunidade organizada. Hoje isto não existe mais. Principalmente para as crianças e adolescentes, a vida mudou muito. Tiveram que mudar de escolas, de amigos, muitos ainda não suportam ouvir barulho de helicópteros. Ficou o trauma”, disse o advogado dos moradores, Antônio Ferreira, em entrevista ao PSTU, partido a que pertence.

“Chego a pensar que a luta do Pinheirinho, a resistência, questionando o monopólio da violência por parte do Estado, levou à mudança de postura em vários movimentos. Passou a se ter a visão da resistência como legítima. Pode parecer presunçoso, mas creio até que teve reflexo nas mobilizações de junho e julho. Quando a polícia bateu, houve reação da sociedade. O movimento cresce”, disse.

Herança do Pinheirinho

Um dia antes da mobilização, ontem (21), o Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu uma ordem de despejo dos moradores da ocupação Vila Soma, em Sumaré. O pedido veio da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que afirma a necessidade de discutir o direito de moradia das famílias.

Na decisão, o desembargador Marcelo Semer defendeu que não se pode desconsiderar “os danos sociais pelo abrupto desalojar de milhares de pessoas, da noite para o dia, sem que até o momento tenham se demonstrado, pelos órgãos públicos envolvidos, a capacidade de absorção em outras moradias”.

O juiz Gilberto Vasconcelos, que proferiu a ordem de desocupação, publicou no Diário da Justiça, ontem, que o processo em 1ª instância ainda corre, mesmo que paralisadas a ordem de desocupação.

“Já foram expedidos ofícios e todos os Entes da Federação estão cientes do problema. Desnecessário reiterar ofício para a Polícia Militar, pois já foi feito extra autos em várias ocasiões. Por se tratar de operação complexa, deve ser precedida de planejamento, que é o que se tem justificado. Assim, deve o processo prosseguir, independente do cumprimento da ordem, que deverá ocorrer em momento oportuno”.

Ainda que o ato de reintegração de posse ocorra, marcas deixadas pelo Pinheirinho permanecem quando a Justiça entende que uma ação como essa “deve ser precedida de planejamento”.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

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  1. A juiza Marcia Faria Mathey
    A juiza Marcia Faria Mathey Loureiro será sempre lembrada por este triste episodio, resultado de sua decisão.

    Segundo ela, a ação da PM foi “admirável”. Não devemos nos esquecer daquela deprimente cerimônia de entrega do terreno pela PM para a Justiça em frente a terra arrasada.

    O saldo político disto foi o então prefeito Eduardo Cury (PSDB) não ter conseguido fazer Alexandre Blanco, enteado do deputado Emanuel Fernandes (grão-tucano local) seu sucessor após 16 anos de domínio na cidade.

    1. Infelizmente, caro Álvaro, os

      Infelizmente, caro Álvaro, os vários juízes cheios de “sensibilidade social” que ao longo dos anos negam a reintegração de posse de áreas invadidas, permitindo que ocupações se tornem pouco a pouco favelas, assim incentivando a invasão de novas áreas públicas e particulares (uma praga que se alastra pelo país, ao ponto de algumas construtoras, segundo me foi dito, colocarem vigilantes armados em suas obras para coibir a bala se necessário for a ação de sem-teto), esses são esquecidos. Ou se são lembrados, são incensados como heróis.

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