Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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Dos Jardins da Civilização aos Muros da Exclusão, por André Motta Araújo

A fase civilizatória dos Jardins, que veio de sua urbanização nos anos 20 até os anos 70, começou a ser desconstruída especialmente a partir dos anos 1990 e agora chega a um HORROR urbanístico, um bairro de altos muros, padrão PENITENCIÁRIA

Jardim América – Arquivo USP

Dos Jardins da Civilização aos Muros da Exclusão

por André Motta Araújo

O bairro dos “Jardins” em São Paulo, um aglomerado de quatro núcleos, os Jardins América, Europa, Paulista e Paulistano, sendo que dois são os mais icônicos, Jardim América e Jardim Europa, ambos criados por uma companhia inglesa, a City of S.Paulo Freehold Land and Improvements Co.Ltd., mais conhecida como Companhia City, são uma ilha verde que surpreende quem chega a S. Paulo de avião pela 1ª vez, uma imensa área cheia de arvores.

Os arquitetos ingleses desenharam as ruas curvas e as pracinhas elegantes e vieram em seguida as belas casas de época, em estilo bangalô californiano, colonial espanhol, provençal francês, georgiano, art deco, com muretas baixas circundando jardins tropicais, as casas, palacetes e mansões dialogando com a rua e a cidade, essa era a ideia dos planejadores britânicos, uma releitura de outras áreas-jardins em grandes cidades como Beverly Hills em Los Angelles, Beverly Drive em Dallas, Palermo Chico em Buenos Aires, Miraflores em Lima, sempre na ideia de integração dos bairros com a cidade.

Essa fase civilizatória dos Jardins, que veio de sua urbanização nos anos 20 até os anos 70, começou a ser desconstruída especialmente a partir dos anos 1990 e agora chega a um HORROR urbanístico, um bairro de altos muros, padrão PENITENCIÁRIA, isolando  os terrenos da cidade, como se fossem projeções de outro País, uma espécie de enclave estrangeiro como havia em Shangai no começo do Século XX, onde chinês não entrava ou os bairros brancos de Johanesburgo nos tempos do “apartheid”.

Além do horror visual, os muros são, na maioria, ILEGAIS, muito acima do limite da lei municipal, mas a fiscalização da Prefeitura é zero, quando a agressão dos muros altos é de tal forma chocante que só um fiscal cego poderia alegar ignorância. Pior ainda, no Jardim América, um banco, CREFISA, comprou várias mansões onde provavelmente funcionam seus escritórios sem placa, com muros mais altos ainda, dignos de uma fortaleza belga, tudo completamente irregular no coração de uma grande metrópole, a Prefeitura dá salvo conduto a esse bairro, que é tombado.

Para agravar a deterioração dos Jardins, muitas casas foram vendidas por morte de seus donos originais e os novos donos, obviamente “novos ricos” de comédia de Marcos Caruso, derrubaram mansões lindas, históricas, de época, para no lugar enfiar casamatas de concreto sem janelas, estilo bunker alemão na invasão da Normandia, a arquitetura mais grotesca que um ser humano pode criar, estruturas agressivas, deprimentes, que enfeiam qualquer rua pelo seu aspecto de negação de humanidade. Junta-se então o muro alto estilo presídio de segurança máxima com um bunker sem janelas e teremos os horrores da arquitetura e do urbanismo a destruir um outrora lindo bairro residencial, um bairro que as pessoas visitavam como atração turística.

As casas vendidas eram em sua grande maioria de industriais e fazendeiros, os compradores são em sua quase totalidade do mercado financeiro.

O SENTIDO POLÍTICO DOS JARDINS DE HOJE

O sentido consciente ou subliminar é o do novo morador que quer distância da cidade e especialmente dos pobres que passam pelas ruas. É uma proposta clara de exclusão social, de agressão aos “outros”, de desprezo aos mais humildes, ao País, e a população transeunte que classificam como “povão”.

Aos que dão a escusa da “segurança”, a resposta pode ser a de que grades de ferro protegem a casa tanto quanto o muro, sem esconder o prédio, o Palácio de Buckingham não tem muros, tem grades de ferro e não há nada mais rico e nobre em função de residência do que esse palácio magnífico.

A QUESTÃO DA FACHADA

O mesmo novo rico que agride a cidade com seus muros viaja a Paris e Londres e se encanta com as casas, prédios e a harmonia das ruas com os prédios, sabe que isso só foi possível porque a FACHADA DE BAIRROS HISTÓRICOS PERTENCE À CIDADE e não ao dono do prédio. O dono não pode mudar a fachada, erguer muros e quebrar a harmonia urbana alterando seu imóvel. Há um padrão de INTERESSE GERAL a ser respeitado, acima do direito de propriedade, há uma clara noção de coletividade, de vida em sociedade que não admite uma cidade murada e de postura agressiva contra a cidadania.

Infelizmente não chegamos a esse estágio de civilização e cada um faz o que bem entende com seu imóvel, dane-se o coletivo e viva o meu interesse, tanto que os Jardins têm grande quantidade de imóveis recém construídos onde havia um tombado, todos fingem que não veem ou não sabem.

Mas além do lado de fiscalização da Prefeitura há um lado social em São Paulo. O Rio de Janeiro, com todas as suas mazelas, tem muito maior consciência urbanística do que São Paulo, há maior interesse na conservação de mansões de época, de prédios de época, do que em São Paulo com sua grande churrascaria de novos ricos incultos e que desprezam história, cultura, civilização, um grupo muito afinado  ao Brasil de hoje.

A QUESTÃO SOCIAL

A história dos Jardins é muito a história do Brasil social. Até os anos 50 havia em São Paulo um considerável número de pessoas bem-educadas, refinadas, de cultua e civilidade, uma sólida classe média que respeitava valores e conhecimento. Se é possível fixar um corte na história, a derrocada social dessa classe de paulista civilizado se deu a partir do governo Collor, que marcou o fim de um ciclo e o início de outro.

O paulista da civilização do café, da Semana de Arte Moderna, do chá das cinco com orquestra na Vienense, do Teatro Brasileiro de Comédia, foi desaparecendo para dar lugar ao tipo grosso, boçal, a arrotar dinheiro com carro importado, muitas vezes não é paulista, apenas morador da cidade, sem modos e sem educação, se reconhece à distância nos restaurantes e shoppings, tudo a ver com uma cidade cada vez menos paulista.

Para não dizerem que comento de passagem, fui morador dos Jardins por mais de 50 anos e conheço a história de cada casa.

AMA

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

16 Comentários

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  1. Concordo com o André quanto à lastimável perda de quase todas as referências arquitetônicas e civilizatórias não somente da região dos jardins, mas quase toda boa e velha São Paulo. Apenas pontuo, em relação aos muros altos, que infelizmente a violência tomou de assalto os moradores das mais diversas casas deste país e estes acreditam, não sem sentido, que os muros podem lhes salvar as vidas. É um problema de Estado cuidar da violência, mas, como o André, também acredito que seja um problema de (falta) educação e de cultura.

    1. Para ilustrar a questão dos muros. Há pouco tempo la fui eu de Itabirito para Ouro Preto, passando pr dentro de Congonhas do Campo e São Bartolomeu. Na periferia (pobre) de Congonhas do Campo uma profusão de muros com mais de dois metros e cerca ou elétrica ou farpada. Está extrapolando o medo, é algo difícil de entender.

  2. “Há um padrão de INTERESSE GERAL a ser respeitado, acima do direito de propriedade, há uma clara noção de coletividade, de vida em sociedade que não admite uma cidade murada e de postura agressiva contra a cidadania.”

    Bem vindo à “esquerdolandia”…

    “…para dar lugar ao tipo grosso, boçal, a arrotar dinheiro com carro importado, muitas vezes não é paulista, apenas morador da cidade, sem modos e sem educação, se reconhece à distância nos restaurantes e shoppings,…”

    Esse tipo PAULISTA se alastrou pelo país inteiro.

  3. Uma amiga que mora em São paulo me disse esta semana que está impressionada com o número de pedintes nas rua, inclusive na Av. Paulista. disse que nunca tinha visto isso antes. São famílias inteiras. Esses muros serão cada vez mais úteis.
    Em Brasília, no Plano Piloto, NENHUM prédio tem grade. É caso único no Brasil. Todos passam livremente por todos os locais. Mesmo o Palácio do Planalto, não tinha nenhuma grade, até o início das manifestações de 2013. Acho que era o único Palácio Sede de Governo sem grade no mundo. Agora tem, uma grade removível de 1.20m, assim como o STF.
    Nas casas no Lago Sul e Norte, algumas tem muros altos, outras cercas mais baixas.

  4. A ultima vez que fui à São Paulo e ao Rio fiquei com vontade de chorar de ver tanta destruição do patrimônio publico que inclui os bairros, as praças e a arquitetura. E não apenas nos bairros de classe média e média alta. No Rio, os famosos bairros que aparecem nos livros de Machado de Assis ou Lima Barreto foram destruidos, estão descuidados, é uma decadência terrivel.
    Os “bunkers” tomaram conta das cidades e até do campo no Centro-Oeste, por exemplo. Meu pai que chegou para trabalhar em Brasilia nos anos 70 e depois foi para Goias e MT, não se consola em ver a detruição das casas coloniais, das palmeiras e da vegetação em geral.
    Acho que essa dificuldade que se tem no Brasil de compreensão de que dinheiro e status social não é o maximo que se possa almejar numa vida passa também pela instrução. E estética passa por conhecimento da cultura.

  5. Entramos em decadência sem ter tido um auge, a sociedade brasileira está se esvaindo em velocidade de Concorde, não sei como sairemos desse buraco, temos uma elite cada vez mais inculta, ultraindividualista, que so pensa em sua conta bancária, mas que não sabe como desfrutar de todo esse dinheiro, a frase icônico do filme Cosmópolis traduz perfeitamente nossa era: ” O dinheiro perdeu sua qualidade narrativa, virou um fim em si mesmo. ” Caro André, você poderia fazer uma análise sobre os caros que o paulistano compra, trocou-se os modelos europeus por monstrengos mais usados na Zona Rural americana, outra priva da breguice da nossa elite.

  6. “E o chiquê, que fim levou?” https://piaui.folha.uol.com.br/materia/e-o-chique-que-fim-levou/

    Talvez a tal “crise de 2008” tenha sido justamente uma reação dos ricos “de raiz” ao aumento numérico de milionários, causado pela facilidade de manipulação da tal mão invisível do mercado por qualquer moleque operador financeiro no eixo Wall Street-City de Londres. Os tradicionais não estavam se acostumando a que qualquer cocainômano lascivo tivesse mais dinheiro e poder político que eles, acharam melhor reconcentrar o poder em uma pequena elite dando um tranco na economia mundial, o que faz desses tradicionais mais inconsequentes do que a molecada desregulada, desvairada. Ou seja, talvez quem tenha jogado o capitalismo na zorra que está hoje tenha sido o próprio elitista. Não adianta a elite estragar tudo só porque está perdendo.

    Acho temeroso, caro André, tentar conter a onda democrática, o fato de que todas as pessoas têm cada vez mais acesso ao que era privilégio de poucos. O melhor que a elite faz, a meu ver, para evitar enlamear o mundo todo (ou pelo menos o mundo chamado ocidental, do dólar), é largar o osso e facilitar o acesso da pessoa comum ao democrático, à Educação, à Cidadania, à Civilidade e à Prosperidade. Note: prosperidade e não acúmulo de dinheiro. Quanto mais pessoas forem educadas, melhor estará o mundo. Se todas forem bem educadas, não haverá elites, isso é certo. Mas aí o mundo todo será bom para todos, que tal?

    Fato é que todos nós, humanos, sem exceção nascemos com potencial para a boa educação. Questão só de ensinar…

  7. Os muros gritam “eu tenho e você não tem e nem pode ter; por isso vou dificultar sua aquisição”. E isso está na contramão, por exemplo, da Internet ou da co-responsabilidade ambiental, na contramão do mundo e da história, da evolução civilizatória.

  8. Prezado André, coincidentemente estava lendo agora de manhã o livro “Tudo que é sólido desmancha no ar” de Marshall Berman. Em certa altura, em análise do Manifesto Comunista de Marx ele é literal (perdão se for longo):
    “Engels, pouco anos antes do Manifesto em “A situação da classe operária na Inglaterra em 1844”, escandalizou-se ao descobrir que as casas dos trabalhadores, erigidas por especuladores em busca de lucros rápidos, eram construídas para durar apenas 40 anos. Ele estava longe de suspeitar que isso viria a se tornar o padrão na sociedade burguesa. Ironicamente, até as mais esplêndidas mansões dos mais ricos capitalistas durariam menos de 40 anos – não apenas em Manchester mas virtualmente em toda cidade capitalista – alugadas ou vendidas para empresários que as poriam abaixo, movidos pelos mesmos impulsos insaciáveis que os tinham levado a erguê-las. (A Quinta Avenida em Nova York é um bom exemplo, mas isso pode ser observado em qualquer parte). Levando em conta a rapidez e a brutalidade do desenvolvimento capitalista, a verdadeira surpresa não está no quanto de nossa herança arquitetônica foi destruida, mas no fato de que alguma coisa chegou a ser preservada.”…

    1. ‘Conheceis a Verdade. E a Verdade Vos Libertará’. 1990. Exatamente a década onde os ‘Socialistas AntiCapitalistas Honestos’, perseguidos do Regime Militar chegam ao Poder. O Espaço Público precisa ser distribuído e tomado pela População, diziam. Alguém se lembra de Condomínios Fechados antes da década de 1990? Se existiam, era algo para a exceção da exceção da Sociedade. Hoje são as Prisões Particulares em qualquer pequena ou média Cidade Brasileira. O caminho do inferno realmente é pavimentado por boas intenções. O Brasil de muito fácil explicação.

    1. ‘Conheceis a Verdade. E a Verdade Vos Libertará’. 1990. Exatamente a década onde os ‘Socialistas AntiCapitalistas Honestos’, perseguidos do Regime Militar chegam ao Poder. O Espaço Público precisa ser distribuído e tomado pela População, diziam. Alguém se lembra de Condomínios Fechados antes da década de 1990? Se existiam, era algo para a exceção da exceção da Sociedade. Hoje são as Prisões Particulares em qualquer pequena ou média Cidade Brasileira. O caminho do inferno realmente é pavimentado por boas intenções. O Brasil de muito fácil explicação.

  9. ‘Conheceis a Verdade. E a Verdade Vos Libertará’. 1990. Exatamente a década onde os ‘Socialistas AntiCapitalistas Honestos’, perseguidos do Regime Militar chegam ao Poder. O Espaço Público precisa ser distribuído e tomado pela População, diziam. Alguém se lembra de Condomínios Fechados antes da década de 1990? Se existiam, era algo para a exceção da exceção da Sociedade. Hoje são as Prisões Particulares em qualquer pequena ou média Cidade Brasileira. O caminho do inferno realmente é pavimentado por boas intenções. O Brasil de muito fácil explicação.

    1. Tu és historiador? Se não és, vai te catar. Quanta platitude e achismo para despejar teu ódio por aqui. Se não foste irônico, me explica esta ascensão dos socialistas ao poder na década 1990, pois não lembro de nenhum no poder.

  10. Que a nossa elite de hoje é a mais miserável eu não tenho dúvida. Mas não quer dizer que a anterior era uma maravilha. Se a elite industrial dos anos 50 até os 80 fez o pais crescer muito, por outro lado ela não fez nada para fundar uma escola pública de qualidade para todos e viu uma massa enorme de pessoas virem do campo pra cidade sem o menor planejamento e esse descado qumm deu nesse caos urbano de São Paulo, em que hoje se criam periferias em torno de bairros já periféricos. Se nossa elite do passado tivesse mais antevisão não deixaria que as coisas chegassem a esse ponto.

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