Editorial da Folha atacando Dilma: a voz do dono e o dono da voz, por Sylvia Moretzsohn

Sim, é um editorial, portanto é "o que a Folha pensa". Mas a Folha, como qualquer jornal, é feita por jornalistas. São jornalistas os responsáveis por essas vilezas.

Editorial da Folha contra Dilma: a voz do dono e o dono da voz

por Sylvia Moretzsohn

A resposta da Dilma ao editorial infame que a Folha ousou publicar ontem é muito contundente (no início, depois se perde em argumentos que podem ser muito importantes mas tiram o foco do principal, que é a denúncia da vileza e da má fé do jornal), mas resvala para uma ressalva lamentável porém recorrente nesse tipo de manifestação.

Ela diz, no quarto parágrafo:

“Os erros mais graves da Folha, como estes, não são de boa-fé. São deliberados e eticamente indefensáveis. Quero deixar claro que falo, sobretudo, do grupo econômico Folha, e não de jornalistas.”

Em primeiro lugar: erros, por definição, são involuntários. (Sim, eu sei que a questão do erro é filosófica e complexa, mas não estou enveredando por esse rumo, estou tomando a palavra na acepção do senso comum mesmo: erro é um equívoco, um acidente, provocado por desatenção, incúria, incompetência. Uma ação deliberada não é um erro, é uma decisão. Resta saber se quem a toma entende o que está fazendo, compreende o sentido e as consequências dessa ação).

Mas o mais importante é atribuir esse “erro” à empresa e não a jornalistas.

Sim, é um editorial, portanto é “o que a Folha pensa”. Mas a Folha, como qualquer jornal, é feita por jornalistas. São jornalistas os responsáveis por essas vilezas. Que se multiplicam, e o texto da Dilma relaciona apenas algumas das mais flagrantes, que a vêm atingindo direta e recorrentemente há mais de uma década, desde o preâmbulo do lançamento de sua primeira candidatura à presidência, com aquele notável episódio da ficha falsa do Dops, pelo qual a Folha jamais pediu desculpas.

É preciso responsabilizar os jornalistas que cometem essas indignidades. Não é possível que permaneçam escondidos atrás do manto da empresa que os remunera.

Eu gostaria de saber quem foi que teve a brilhante ideia daquele título, que consegue a proeza de nivelar um defensor da tortura à vítima desse crime inominável. Certamente esse (ou essa, quem sabe?) jornalista sabia que causaria impacto. Causou mesmo (a Folha, aliás, notabilizou-se por ser o jornal que todos amam odiar, não é isso? Porque é claro que seduziu muita gente com sua esperteza de assumir a causa das diretas naquele longínquo ano de 84, para logo depois fechar o caixão com seu projeto editorial que “considera notícias e ideias como mercadorias a serem tratadas com rigor técnico”).

Causou impacto e agora procura explorar as consequências, abrindo espaço para os leitores “discutirem” o editorial. Mas eu gostaria de saber, mesmo, se o/a responsável por aquele título percebeu a dimensão da monstruosidade que produziu. Ou se incorporou tão profundamente a falácia do “rigor técnico” exigido pelo jornal que perdeu qualquer laivo de sensibilidade, se é que algum dia o teve.

Não foi o “Grupo Folha” que fez isso. Foi alguém.

Essas pessoas têm de ser expostas. Têm de ser hostilizadas. Têm de sofrer constrangimento moral. Têm de saber que sua vileza gera consequências. Mesmo que finjam não se importar, mesmo que reajam cinicamente a esses constrangimentos.

Isso é o mínimo que a decência requer.

PS: Para evitar mal-entendidos, como parece estar havendo nos comentários, quero esclarecer que não estou sugerindo que a Dilma nomeasse o/a responsável pelo editorial. Nem me passou pela cabeça isso, mas o que a gente escreve às vezes é interpretado de maneira imprevista. Eu quis apontar a necessidade de identificar essas pessoas (e isso deveria partir dos próprios colegas, na redação) e não isentá-las como se não fossem elas as responsáveis por essas barbaridades. Como se uma empresa não fosse feita por pessoas, como se o constrangimento a que essas pessoas são submetidas justificasse tudo. “Eu tenho que sobreviver, entende?”, era o mote de uma série de cartuns do Henfil, nos tempos da ditadura, e não por acaso foi o mais significativo e atemporal desses cartuns, o de um soldado romano pregando Cristo na cruz ao mesmo tempo em que se desculpava dessa forma, canhestramente, pelo ato abominável, o que escolhemos para ilustrar a capa de um livrinho sobre ética que editamos em… 1989. Em suma: bastaria a Dilma não ter feito a ressalva nesse texto, afinal ela já tinha acusado a responsabilidade “da Folha”. Eu apenas acho que essa ressalva não foi acidental, porque é recorrente em manifestações assim, aliás infelizmente muito raras.

Redação

8 Comentários

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  1. Certíssima a autora do artigo. Mas a decência e a humanidade de Dilma a fez isentar no conjunto os jornalistas da empresa, mas a identidade do canalha(s) deveria vir a público.

    1. O jornalista Alceu Castilho [1] deu os nomes aos principais bois da Folha Amarela de São Paulo neste episódio em que o Grupo Folha na verdade relembra que participou ativamente – e não apenas com suas caminhonetes – da ascensão e manutenção da ditadura de 1964. Seu texto, QUE DEVERIA SER ELEVADO a artigo no GGN, é o seguinte:

      “O Conselho Editorial da Folha é formado pelos seguintes jornalistas:

      Rogério Cezar de Cerqueira Leite, Marcelo Coelho, Ana Estela de Sousa Pinto, Cláudia Collucci, Hélio Schwartsman, Mônica Bergamo, Patrícia Campos Mello, Suzana Singer, Vinicius Mota, Antonio Manuel Teixeira Mendes, Luiz Frias e Sérgio Dávila (secretário).

      Não consta ainda que nenhum deles tenha pedido demissão por causa do editorial que associa o presidente genocida e torturador à ex-presidente Dilma Rousseff.

      Não são simples assalariados. Eles fazem parte do Conselho Editorial.

      O que eles dizem sobre enfiar ratos em vaginas?

      Detalhe: eu continuo a apoiar Hélio Schwartsman, investigado pela Polícia Federal (de maneira abusiva) por ter desejado, em artigo, a morte de Bolsonaro.

      Tudo bem desejar a morte de Luiz Frias, caro articulista?

      Só que Luiz Frias é o patrão bilionário. Ele não vai largar esse osso e será difícil imaginar que tenha algum tipo de escrúpulo.

      Esses senhores e senhoras (adiciono também o editor de Opinião, Gustavo Patu), em tese, não precisariam estar no posto que estão.

      Ou apenas emprestam seus nomes para o jornal ganhar uma aparência maior de diversidade e inclusão e o Luiz Frias entupir ainda mais seus cofres?

      Isso não é bem venda da força de trabalho, coleguinhas ou ex-coleguinhas. Por quanto vocês se vendem?”
      – – – – – – – – – – – – – – – –
      [1] https://www.facebook.com/alceucastilho/posts/3410556339005943?_rdc=1&_rdr

  2. Certíssima a autora do artigo. Mas a decência e a humanidade de Dilma a fez isentar no conjunto os jornalistas da empresa, mas a identidade do(s) canalha(s) deveria vir a público.

    1. Marco

      Parabéns pelo gesto.

      É uma maneira simples e eficaz de protestar contra mais esta calhordice da “Falha”, uma das empresas da bilionária família Frias.

      Para ampliar o resultado de sua ação, proponho aos incomodados com o editorial promoverem um boicote a todas as empresas do grupo (“Falha”, UOL, PagSeguro”)?

  3. Nossa mídia é, por comprovação histórica,golpista.
    É da sua natureza,escravista,misógina ,homofobica e pseudoelitista.
    Estranho é ainda alguém se surpreender com essa gente.
    No caso específico, este panfleto político escolheu um rato e uma mosca para representá-los ,isso ,tempos atrás.
    Hoje,sem medo de errar, tenho certeza que escolheriam o esgoto como simbolo.

  4. Em tempos de “lacração e mitagem”, Dilma poderia lacrar com apenas um comentário e, ao tempo, enterrar o mito, eis que periódicos querem apenas “causar”
    Ao “bolsonaro Roussef” a dona do nome perguntaria:
    “Ué, se adotou meu nome sem se casar é porque me ama”
    Ia lacrar, conseguir um tempo mostrando que é durona e imperturbável, quebrando o impacto da notícia, desmoralizando a reportagem e constrangendo o veículo.
    Quem sabe até enterrasse a provocação ou, pelo menos, deixaria que o bozo se aborecesse.
    Política não é só poder: é fama, influência e tudo mais envolva a dominação branda sobre coisas e pessoas.
    Inverdade, cinismo, tergiversação,usurpação de ideias alheias, entre outras, são armas que artistas, advogados, religiosos, políticos especialmente, devem saber utilizar.
    O Cinismo em particular, como bem o souberam utilizar Hugh Grant quando foi flagrado em companhia de uma profissional do sexo, ou como quando Maluf respondia que o dinheiro encontrado na Suiça em sua conta “não era dele”, é uma arma poderosa de contra-ataque e desarmamento do inimigo, com a vantagem de tornar-se uma armadura.
    Responder a provocações é alimentar o insulto.
    Dilma tem um forte ego, o que é natural, e um poderoso alter ego – Gustavo Mendes, por exemplo – que poderia ser o seu “ministro das comunicações” ou como ele mesmo diria “porta voz do seu planalto”. Ela bem que poderia consultá-lo nessas horas.
    A mídia vive de espetáculo, de novidades, fofocas e tragédias.
    Hoje, a COVID mata, mas não assusta a mais ninguém, portanto, não é mais notícia interessante.
    Bozo fazendo palhaçada já não “causa”. A menina vítima das torpezas do parente e da sociedade já é notícia estabilizada.
    Que outra carniça apresentar aos abutres que não provocação de quem está quieto?
    Folha e outros meios híbridos de comunicação, como bons amigos/inimigos oportunistas batem onde sabem que vai doer mais ou alisam onde sabem dá mais prazer. Há que se estar alerta.
    A propósito, não tive o trabalho de ler a reportagem da folha e não o farei, assim como ela não deveria ser lida por ninguém.

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