#EleNão perpetua em plataformas para denunciar ameaças

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Foto: Reprodução

Da Agência RFI Brasil

Iniciativas no Brasil e exterior ajudam minorias que se sentem ameaçadas por Bolsonaro

Por Daniella Franco

Diante de uma campanha eleitoral turbulenta e permeada de violência, brasileiros dentro e fora do país começaram a criar grupos de solidariedade e apoio aos conterrâneos. Embaladas pela força do movimento #EleNão, plataformas de ajuda voluntária vêm sendo fundadas em todo o mundo para apoiar quem se sente ameaçado pelo presidente recém-eleito, Jair Bolsonaro.

A consultora de projetos sociais Julia Gomes, de Sorocaba (SP), sempre teve vontade de ter uma experiência de estudos e trabalho fora do Brasil. Mas a campanha eleitoral e o período pós-eleição foram fatores determinantes para que ela e o marido começassem a colocar em prática o projeto de deixar o país com os dois filhos pequenos. À RFI, ela revelou que vários de seus amigos e familiares também passaram a avaliar, nos últimos meses, a ideia de se mudar para outro país.

“O clima de intolerância, de perda de direitos, de racismo, de homofobia atinge diretamente aquilo que a gente acredita como uma sociedade justa. Está ficando cada vez mais difícil permanecer no Brasil. Eu, por exemplo, tenho intenção de fazer um mestrado na área de feminismo. Como vou conseguir me dedicar ao estudo desta realidade em um país onde as pessoas acham que tudo é frescura, onde os índices de violência aumentam, onde é cada vez mais complicado discutir direitos humanos? A gente está percebendo que esse clima de intolerância vai nos atingir cada vez mais no dia a dia”, diz.  

Julia vem contando com a ajuda de amigos e familiares que moram na Europa para organizar seu projeto. O objetivo dela e da família é se mudar para Portugal, onde espera que, com o marido e os filhos, poderá ter uma vida melhor. A consultora está ciente das dificuldades que pode encontrar deixando o país onde sempre viveu, mas está decidida a encarar o desafio diante da deterioração da situação política no Brasil.

“Uma questão muito importante para a gente é que como mãe de uma criança com deficiência – meu filho de 3 anos de idade tem Síndrome de Down – nós batalhamos para que ele tenha as melhores condições para se desenvolver. Vemos que as políticas públicas propostas pelo futuro governo são de muita exclusão e de retirada de direitos. Quero que meu filho frequente uma escola regular, que ele tenha acesso a terapias. E o que eu vejo de propostas? Sala de aula exclusiva, segregação, separação. Como se as pessoas com deficiência não tivessem o direito de estar em sociedade ou fechadas em seu ambiente familiar. Isso me assusta bastante”, diz.

Me tirem daqui!

Foi com o objetivo de ajudar pessoas como Julia, que a artista Nalu Romano Lister, brasileira radicada em Nova York, criou o site Me Tirem Daqui!. À RFI, ela contou que o objetivo do projeto, que ainda está sendo desenvolvido, é reunir informações sobre como deixar o Brasil para viver no exterior.

“Quando uma pessoa está desesperada e quer ir embora do país, ela não sabe nem por onde começar. Então quero que o Me Tirem Daqui! seja o primeiro passo para quem quer sair do Brasil. Não temos vias imigratórias ou parcerias com instituições. Infelizmente, não estamos oferecendo abrigo ou dinheiro, mas um ombro amigo, para dar informações, para motivar e encorajar, e contando com pessoas dispostas a compartilharem a experiência delas no exterior com quem quer deixar o Brasil”, explica.

A ideia surgiu depois da eleição de Jair Bolsonaro para presidente. Extremamente decepcionada e temendo por muitos conterrâneos, Nalu conversou com a artista plástica Pérola Navarro, brasileira radicada em Los Angeles, e ambas resolveram criar essa plataforma. Desde o final de outubro, mais de 200 voluntários em diversos países se inscreveram no site, que conta hoje com outros dez colaboradores.

“Muita gente aderiu à causa muito rápido. É muito lindo ver os brasileiros se unindo! Não é algo que acontece sempre ver tanta gente se juntando com esse objetivo de apoiar outras pessoas”, comemora.

Segundo Nalu, a plataforma vem recebendo “uma tonelada de pedidos de ajuda”. Ela salienta, no entanto, que a prioridade é para minorias, pessoas que correm risco por se sentirem ameaçadas pelo governo de extrema direita ou pela onda de ultraconservadorismo no Brasil. “Recebi a mensagem de uma mulher que foi estuprada e engravidou e a família não quer que ela aborte. Ela me escreveu implorando por ajuda para deixar o Brasil e ir para um país onde ela possa abortar legalmente”, conta.

Brasileiras unidas no exterior

As brasileiras Ana Cláudia Dias e Luciana Kornalewski, radicadas em Nova York, fundaram juntas no Facebook o grupo Mulheres da Resistência no Exterior. A dupla, que já reunia brasileiras para discutir feminismo na megalópole americana, percebeu durante a campanha eleitoral que muitas brasileiras que se engajaram no #EleNão e no Mulheres Unidas Contra o Bolsonaro moram fora do país. Ana Cláudia e Luciane tiveram, então, a ideia de juntar essas cidadãs expatriadas para se aliar e fortalecer os movimentos feministas contra o fascismo no Brasil.

Em entrevista à RFI, Ana Cláudia explica que o objetivo do grupo é levar política e feminismo para todas as mulheres. Assim, além da discussão e debates realizados através do Facebook, o grupo também realiza palestras, workshops, atividades culturais, protestos e manifestações artísticas dentro da causa.

“Queremos informar e educar as pessoas a respeito do que está acontecendo no Brasil e no mundo com o objetivo de politizar as mulheres. A gente percebeu, durante essa onda de ódio, que muitas mulheres que não estavam inseridas nesse contexto político, que não se viam como seres políticos, passaram a se interessar por política. Elas perceberam que precisavam estar a par do que está acontecendo e que elas têm uma voz que precisa ser ouvida”, afirma.

A ativista diz que ficou surpresa pelo engajamento de brasileiras de todos os lugares do mundo. “É maravilhoso, principalmente por causa de mulheres que nunca se viram como militantes, e que passaram a estar fisicamente presentes em uma causa. A beleza do nosso grupo é essa: a gente conectou mulheres que se viam sozinhas em determinada parte do mundo e que conseguiram encontrar outras. E hoje elas se reúnem, conversam e estão engajadas. Nosso movimento levou essas brasileiras a buscarem informações, a questionarem e se mobilizarem”, comemora Ana Cláudia.

Segundo a co-fundadora do Mulheres da Resistência no Exterior, o grupo está rendendo muitos frutos. Várias das participantes vêm se organizando em seus países e realizando eventos à parte. “Temos pessoas formando células na Suécia, no Egito, no Líbano. Além disso, no grupo, há mulheres que já vinham fazendo outros tipos de campanha, por exemplo, em favor dos refugiados na Síria, de crianças das favelas no Brasil, temos brasileiras na África trabalhando com mulheres vítimas de violência sexual. Então, nosso grupo está fortalecendo outras causas também. Esse movimento incentivou a vontade de ajudar e de militar”, reitera.

Ninguém Fica Pra Trás

Outros movimentos de solidariedade, que foram fundados no Brasil, ganham agora uma dimensão internacional. É o caso da campanha “Ninguém Fica Pra Trás”, integrada por diversas ONGs brasileiras, entre elas, o laboratório de ativismo Nossas, a agência-rede Chama e o Instituto Update.

O objetivo da campanha é arrecadar doações para organizações brasileiras que acolhem e dão suporte a vítimas de ódio, intolerância e violência, como mulheres, negros, a comunidade LGBTQI, indígenas e refugiados. Na primeira fase do projeto, durante apenas 15 dias, R$ 250 mil foram angariados para cinco entidades que acolhem pessoas vítimas de violência, misoginia, homofobia e racismo: Casinha, Amac, Grupo Comunidade Assumindo Suas Crianças, Casa 01 e Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular.

O objetivo agora é arrecadar mais R$ 250 mil para outras cinco organizações que ajudam minorias e também vítimas de trabalho escravo. No foco da sequência da campanha estão o Centro de Trabalho Indigenista, o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascaran, Casa Miga, Mulheres Mirabal e Casa de Referência da Mulher Tina Martins.

Segundo Rodrigo Rodriguez, coordenador da Ninguém Fica Pra Trás, o sucesso da iniciativa foi tão grande que mobilizou pessoas em outros países. Assim, o site do movimento ganhou primeiramente uma versão em inglês, No One Left Behind, e, devido ao interesse na Europa, também foi traduzido para o francês e deve ganhar em breve uma versão em alemão.

“Entendemos que a questão do Bolsonaro, apesar de ser muito forte no Brasil, também afeta a comunidade internacional, que está preocupada com a pauta dos direitos humanose que se mobilizou muito fortemente após a eleição. Vimos que era importante dar essa possibilidade de estrangeiros se juntarem à campanha Ninguém Fica Pra Trás”, avalia Rodrigo.

Segundo o ativista, a internacionalização da causa se deu após brasileiros que vivem fora do país demonstrarem interesse em divulgarem a campanha no exterior. “Isso mostra que existe uma comunidade internacional muito atenta com o que pode vir a acontecer ou com o que está acontecendo no Brasil neste momento. O conceito do Ninguém Fica Pra Trás se estende para além do Brasil. E parte da nossa ideia de disponibilizar uma campanha internacional mostra aqui no Brasil que existe um grupo maior abraçando essa causa junto com os brasileiros”, conclui.

Caso a campanha consiga arrecadar mais R$ 250 mil nesta segunda etapa, a intenção é, na fase seguinte, estabelecer a meta de R$ 1 milhão em doações, dobrando a quantidade de organizações beneficiadas.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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