Hannah Arendt e uma escolha fundamental: Brasil ou Lava Jato?, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Hannah Arendt e uma escolha fundamental: Brasil ou Lava Jato?

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Muito embora não possa ser considerada uma especialista no fenômeno jurídico, em razão de meditar sobre as relações entre Direito, Política e Civilização, Hannah Arendt escreveu algumas coisas que merecem ser objeto de citação e de reflexão no momento de crise do discurso jurídico que estamos vivendo. Diz ela:

“Nenhuma civilização – o artefato humano para abrigar gerações sucessivas – teria sido jamais possível sem uma estrutura de estabilidade que proporcionasse o cenário para o fluxo de mudança. Entre os fatores estabilizantes vêm em primeiro lugar os sistemas legais que regulam nossa vida no mundo e nossas questões diárias uns com os outros, e são mais duradouros que modas, costumes e tradições. Eis a razão porque a lei parece, numa época de rápidas transformações, inevitavelmente uma ‘força repressiva, e desta forma uma influência negativa num mundo que admira a ação positiva’ [LEVI, Edward H. Op. cit.]. A variedade de tais sistemas é enorme, tanto em tempo como em espaço, mas todos têm algo em comum, algo que justifica usarmos a mesma palavra para fenômenos tão diferentes como lex romana, vóµς grego  e a torah hebraica: o fato de eles terem sido planejados para assegurar estabilidade.” (Crises da República, Hannah Arendt, editora Perspectiva, São Paulo, 2013 p. 72) 

Dois conceitos fundamentais estruturam o Direito Constitucional moderno: soberania e autonomia política. Eles estão interligados e definem tanto o espaço físico quanto o espaço simbólico em que o Estado exerce sua autoridade. Eles também estabelecem o limite da autoridade de todos os outros Estados.

A higidez de um Estado é, portanto, diretamente proporcional à sua capacidade de aplicar sua Lei dentro do seu espaço. O Estado perde a capacidade de fazer isso é considerado um Estado falido. Aquele que impõe a força da sua lei fora de seu espaço territorial tem ambições imperiais.

Há alguns dias Sérgio Moro invocou uma lei norte-americana para impedir a utilização, por outros órgãos brasileiros, de provas colhidas na Lava Jato contra os empresários que se tornaram delatores. O jornalista Kennedy Alencar disse que a decisão é correta apesar de ser ilegal. Suponho que o jornalista não consultou um jurista antes de opinar sobre uma questão tão profunda e delicada.

A decisão de Sérgio Moro não é apenas ilegal. Ela é monstruosa, pois contém e espalha a ideologia de que o Brasil perdeu ou deve perder sua soberania e autonomia política. Se levarmos em conta a arquitetura atual das relações internacionais nenhuma lei brasileira jamais produzirá efeitos fora do território brasileiro. O fato de uma lei norte-americana se tornar obrigatória dentro do Brasil por intermédio da ação de uma autoridade brasileira é prova de que na prática a Lava Jato transformou nosso país num puxadinho do império dos olhos azuis.

Isso equivale a dizer que nós já estamos vivendo num Estado fracassado, numa província despida de soberania ou num Estado vassalo dos EUA (algo que certamente será rechaçado com força por dezenas de milhões de brasileiros, armados ou não). Sérgio Moro, que adora viajar para os EUA e receber prêmios de seus amigos norte-americanos, pode até considerar a submissão do Brasil uma necessidade ou fatalidade.

Não há nada de louvável na atitude do juiz da Lava Jato. Muito pelo contrário. A decisão dele ofende a dignidade nacional. Ao impor no Brasil a autoridade de uma lei dos EUA, Sérgio Moro se colocou fora do Direito, acima da nossa lei e abaixo da dignidade que ele deveria preservar em função do cargo que exerce. A decisão dele pode interessar aos protegidos dele ou ao mercado, mas ela certamente não representa a vontade soberana de nenhum cidadão brasileiro. Na pior das hipóteses, referida decisão representa apenas a submissão da nossa pátria à da nova pátria que o juiz da Lava Jato adotou. Ele esqueceu que somos nós que pagamos os salários e privilégios que ele desfruta em razão da lei brasileira?

Hannah Arendt nos ensina que os mais diversos sistemas legais foram “planejados para assegurar estabilidade”. A decisão de Sérgio Moro de aplicar uma capitis diminutio maxima ao Estado brasileiro parece ter sido planejada para amplificar a instabilidade do país dentro e fora do seu espaço territorial e simbólico. Ela foi proferida num momento em que o Brasil já está fragilizado em razão da incompetência econômica do (des)governo Michel Temer e da estupidez diplomática manifesta do chanceler que ele escolheu.

Qual será a próxima afronta judiciária à autonomia política e à soberania brasileira? Fazer aplicar no Brasil a lei aprovada por Stalin para facilitar os expurgos na URSS durante os anos 1930? Alguém ficará surpreso ou triste se um juiz aproveitar a oportunidade para assinar sentenças de morte em branco para possibilitar a execução sumárias dos inimigos da nossa democracia? Kennedy Alencar deveria tomar mais cuidado antes de elogiar a ação destrutiva do juiz da Lava Jato. Nunca é demais lembrar que o fracasso de um Estado quase sempre prenuncia uma guerra civil dolorosa para todos (juízes e jornalistas incluídos).

O momento da verdade chegou. Sérgio Moro deu ao país duas opções: ser destruído por dentro mediante a ação política de um juiz que já age como se tivesse poderes plenipotenciários da potência estrangeira que ele serve; cumprir e fazer cumprir a lei brasileira, revogando a decisão monstruosa de aplicar dentro do Brasil a lei norte-americana. Na segunda hipótese, o juiz da Lavajateiro deve ser imediatamente afastado do cargo em virtude de ter afrontado a dignidade nacional ao pressupor que nosso Estado é fracassado, submisso aos EUA e, portanto, despido de autonomia política e de soberania.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

7 Comentários

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  1. que beleza de considerações…

    aplaudindo de pé aqui, parabenizando e acrescentando ou reforçando:

    que Lava Jato nada mais é que uma anomia

    principalmente pela ofensa ao Princípio da Legalidade que entre outras coisas assegura que nenhum nacional pode sofrer ou ser prejudicado ou punido internamente com base em princípios, regras ou leis de outro país

  2. Organização e Consciência popular

    Fábio: sua argumentação é consistente. Porém, permita-me discordar de parte da conclusão.

    Moro não deve apenas ser exonerado de suas funções judiciais. Ele cometeu e comete crimes de Lesa Pátria. Portanto, ele deve ser denunciado e processado por estas ações criminosas.

    No entanto, qual poder institucional poderia desencadear essa justa ação ?

  3. A principal contribuição do

    A principal contribuição do trecho de Arendt para o debate passou despercebida pelo autor do texto.

    Ela nos diz, nas linhas e entrelinhas, que os estamentos normativos são, via de regra, dispositivos destinados a estabilização (conservação) do convívio social, a fim de que seus que a identificam como uma sociedade possam ser transmitidos.

    Em suma, todos os sistemas jurídicos-legais (strictu sensu) inseridos nesses estamentos normativos (lato sensu) estatais têm por objetivo a manutenção de uma ordem, que deve ser reconhecida (legitimada) como tal, e desse modo funcionam como desestimuladores da subervsão dessa ordem.

    No entanto, sabemos todos que os processos de legitimação de tais ordens e de construção desses sistemas, e do próprio estamento são, por natureza, não-lineares e permeados pelos conflitos das classes que estão em luta pelo controle do Estado, e claro, dessa ordem.

    Essa pequena introdução é para dizer algo em tom rude:

    Como o autor do texto esperava que fosse diferente?

    Ou seja, em um mundo onde as barreiras soberanas (que se expressam, de modo raso, no poder de tributar e de declarar guerra) parecem ter perdido o sentido, qual é o sentido de imaginar que o nosso sistema jurídico representasse algum tipo de soberania?

    No pós-capitalismo dos intensos fluxos e refluxos de capitais que se auto-alavancam, qual o sentido em acreditar que temos pleno direito sobre nossos sistemas legais nacionais?

    Piada não?

    E não me refiro a era curitibana e outras instâncias da cosa nostra de toga.

    Falo da própria e celebradíssima CRFB de 88.

    Aliás, o grande mérito desse “novo sistema jurídico mundial” é fazer com que percebamos nossa Constituição como algo nosso.

    Não é.

    A conformação do mp, por exemplo, é uma cópia mal ajambrada do empoderamento das promotorias dos EUA, só que por lá, eles guardaram os “segredos” de controle, e nos empurraram o protagonismo sem controle que hoje experimentamos, e hoje sabemos os motivos.

    Assim temos a mesma coisa com o controle constitucional e toda sorte de princípios constitucionais que parecem ter saído do Departamento de Estado dos EUA, quando eles se cansaram de bancar os gorilas de farda por aqui.

    Fez-se a Pax estadunidense, na latinoamérica e no resto do mundo.

    Querem exemplos mais claros?

    Em pleno século XXI, as empresas de internet espionaram brasileiros dentro do nosso território e fora dele, atendendo aos atos baixados pelos EUA no controle da informação. Até nossos presidentes foram alvo da arapongagem digital, e o que houve? Nada. Nadica de nada.

    Quer outro exemplo mais sutil:

    Fomos impedidos (no governo Lula ou Dilma, não me recordo) a vender super tucanos a Venezuela por causa de restrições impostas pelo fabricante de componentes estadunidense.

    E a Copa 2014 e o “regime jurídico Fifa” que revogou leis brasileiras? Um escândalo que nós da esquerda engolimos sem reclamar.

    O que são as patentes da indústria farmacêutica?

    A reivindicação de uma lei estrangeira para balizar alguma decisão não é a pior coisa do mundo. Muito pior é usar a nossa própria lei para manter um ex-presidente sob sequestro, chamando isso de processo legal.

    Não quero exagerar, mas eu acho que não contamos com algo parecido com soberania desde 64, senão me engano.

    E das vezes que pareceu que tínhamos, era só para dizer: Si señor, patrón.

    Soberania só tem quem tem poder, meu caro, e poder no mundo capitalista é pela força das armas e da grana.

    Soft power e soberania são partes de um chocalhinho que balançam para nós enquanto nos ninam.

     

    Ontem estava assistindo um filmeco chamado Atomic Blonde, com Charllize Teron e James McAvoy como principais, e um bom elenco de apoio, dentre eles John Goodman e Toby Jones.

    Ambientando nos estertores do mundo “antigo”, a queda do Muro de Berlim, narra uma intensa luta de espiões de todos os lados por uma lista com informações obre espiões.

    O personagem da McAvoy, lá pelo meio da fita nos diz, mais ou menos assim: “para ganhar a guerra (jogo) é preciso saber quem e onde (de que lado) está seu adversário”.

    O texto do Fábio é um decreto que revela porque a esquerda está pastando até hoje.

    Não sabemos quem, onde e pior, porque estamos lutando.

    Trágico.

    1. Você não entendeu o texto de

      Você não entendeu o texto de Hannah Arendt, não pode aceitar a conclusão do meu texto por razões partidárias ou é apenas defensor hipócrita da submissão do Brasil aos EUA e tem vergonha de dizer isso abertamente?

      1. ôblesqbom ?

        Meu filho, qual é o seu problema, dislexia?

        Minha pergunta é justamente um aprofundamento da noção superficial que você tentou veicular citando Arendt.

        Trecho aliás, que nem tem coerência com o que você escreveu, porque ela cita a natureza conservadora intrínseca dos sistemas legais, que se opõe a ação positiva de subversão dessas ordens conservadoras, já prenunciando um outro debate: A noção de legalidade positiva (sempre contrarrevolucionária) e de Justiça(sempre revolucionária).

        A pergunta que meu texto faz é:

        – Será que tolos como você imaginam alguma soberania a que se apegar?

        Quando você critica o nazimoro, você o faz dizendo que ele atacou nossa soberania.

        Eu pergunto: que soberania?

        Portanto, parece cristalino que eu não concordo com a nossa submissão, só não posso deixar de enxergar que ela exista.

        Você prefere negar essa submissão dizendo que há alguma soberania (que foi supostamente violado por moro) para dizer, depois que existe tal submissão.

        ôblesqbom?

        Acho bom você procurar ajuda.

        Eu sinto muito dizer a pessoas como você (acho que você pensa que é advogado) que o mundo jurídico como você imagina, fiote, não existe.

        Lendo gente como você fica fácil explicar porque tem lugar nesse mundo para stfs e moros. É essa (auto) visão messiânica que os operadores do direito (salvo honrosas e raríssimas exceções) fazem de si mesmos.

        Pobres coitados.

        Ai meus sais.

  4. Mais que afastado, o torquemada deve se preso imediatamente

    Um sujeito que ocupa o cargo de juiz federal e comete crimes em série, contra a soberania nacional e contra o Estado de Direito Democrático deve não apenas ser afastado do serviço público, mas preso, processado, julgado e condenado de forma exemplar.

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