“Meu coração está na Síria. Este é um extermínio”

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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Foto: Saad AboBrahim/Reuters

Do Instituto Humanitas Unisinos 

“Meu coração está na Síria. Este é um extermínio”

O seu grito pela Síria dura há anos. E agora estamos diante do assédio final de Aleppo, com o êxodo de civis sob a mira dos atiradores. Nibras Breigheche ontem estava na praça do Duomo, para denunciar o genocídio do povo sírio. Filha do iman da região do trentino, Aboulkheir Breigheche, Nibras é uma mulher muçulmana de 40 anos, mãe de duas filhas adolescentes, professora de línguas e mediadora intercultural, membro do quadro diretivo da associação islâmica italiana dos imans e guias religiosos.

Nasceu na Itália, onde seus pais chegaram nos anos de 1970.

A entrevista é de Chiara Bert, publicada por Trentino, 18-12-2016. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a entrevista.

Nibras, com que sentimentos você vivencia as notícias que chegam de Aleppo?

Com muita angústia. Estamos assistindo a um extermínio, à deportação de civis depois de anos de assédio para dar lugar aos ocupantes da vez, o Irã que está completando o próprio plano de hegemonia na região, e a Rússia.

O que poderia fazer o Ocidente? Entrar em guerra contra Assad?

Não necessariamente deveria ser uma intervenção militar, poderia ser feito algo em termos de pressão política. Na Síria existe um regime sustentado por outros regimes para que Assad permaneça no poder à custa da aniquilação do País. O acordo entre Estados Unidos e Irã deixou o caminho livre.

Você ainda tem parentes na Síria? Como eles estão?

Desde o início da guerra, em 2011, pouco mais da metade da nossa família fugiu da Síria. Mas a outra metade ainda continua lá, principalmente tios que devido à idade não tiveram ânimo de abandonar as próprias casas. Vivem numa cidade a 30 quilômetros de Damasco que nesse período acolheu um milhão de refugiados, e hoje está cercada pelas milícias do regime. Mas quando tem energia elétrica, conseguimos nos comunicar.

O que acredita que poderá acontecer?

A história nos ensina que a vontade popular sempre vence no final. Acontecerá isso novamente.

Você falava dos refugiados na Síria. Centenas de milhares chegaram também na Itália. Na Europa vimos acolhimento, mas também muros. E mesmo na região do Trentino ocorreram casos de recusa à entrada, em Soraga e Lavarone. Isso a preocupa?

A manifestação de 6 de dezembro em Trento demonstrou que a imensa maioria das trentinos é de pessoas acolhedoras. Se como Associação Insieme per la Siria livre chegamos ao 20º container de gêneros de primeira necessidade e medicamentos para enviar para a Síria, também se deve à ajuda de tantos trentinos. Os episódios de recusa parecem casos isolados.

O que responde àqueles italianos e trentinos que falam “Tudo bem com os refugiados, mas não podemos acolher todos, os outros imigrantes precisam ser mandados para casa”?

Eu creio que se uma pessoa arrisca sua vida e tudo aquilo que tem para entrar num bote e enfrentar o mar, quer dizer que está fugindo de uma situação dramática. O direito à vida deve vir antes de qualquer outro.

Você atua como mediadora cultural. Como lhe parece o grau de integração entre italianos e estrangeiros na Itália?

A França escolheu, em relação aos imigrantes, uma política de assimilação que chegou até a proibir os símbolos religiosos e que fracassou, na Grã Bretanha o multiculturalismo frequentemente se traduz numa segregação em guetos. Na Itália está sendo experimentada uma terceira via que leva ao reconhecimento recíproco das culturas e das religiões. O desafio é evitar que as terceiras e quartas gerações de imigrantes sintam-se na Itália “cidadãos de segunda classe”.

Alguns anos atrás numa entrevista, você respondia não ter vivido pessoalmente episódios de racismo. O clima mudou?

Tenho a sorte de trabalhar no âmbito cultural e interreligioso. Pessoalmente nunca sofri episódios de islamofobia. Embora as estatísticas mostrem que na Itália o clima lamentavelmente tenha piorado, ligado ao fenômeno de quem instrumentaliza a aponta os muçulmanos como causa do terrorismo.

É uma realidade, porém, que na Europa muitos jovens muçulmanos tenham se tornado terroristas e que partem para combater ao lado do Isis na Síria e no Iraque. O fato que façam isso em nome da religião não gera um problema ao Islã?

As pesquisas mostram que os jovens aliciados pelo Isis são pessoas crescidas em contextos distantes das mesquitas e dos centros islâmicos. Isso nos indica que seu integralismo é muitas vezes o fruto da marginalização social, combinada com uma fragilidade pessoal. E isso torna ainda mais importante o papel dos guias religiosos para a prevenção e a educação.

Você veste o véu. Como explica que muitas garotas imigradas de segunda geração usem o véu quando suas mães já o dispensaram? Existe nisso uma reação ao fato de sentir a própria identidade sob ataque?

Sinceramente lido todos os dias, pelo meu trabalho, com muitas garotas e não percebo a escolha do véu como reação. Inclusive porque o véu é uma prática religiosa exigente, requer convicção.

Por quê?

Porque muitos partem do princípio que seja uma imposição, enquanto em 99% dos casos não é isso, é fruto de um amadurecimento espiritual. O Alcorão reza “não há compulsão na religião”. Lembro quando, ainda adolescente, uma professora que eu respeitava muito me perguntou: “Quantas chibatadas levaste para ter que usar o véu?”. Fiquei chocada.

Suas filhas têm 18 e 17 anos. Usam véu?

Sim, com estilo próprio, por sua escolha. Têm amigas que frequentam também fora da escola e fico feliz de ver que por parte de muitas meninas existe respeito por essa escolha.

E a amizade com os garotos?

religião islâmica não impede de interagir com o outro sexo, estabelece limites para o contato físico aos praticantes. Nem por esse ponto de vista jamais tive problemas. Resta o fato que em nome da religião em muitos Países islâmicos as mulheres não têm direitos. O problema existe, mas é preciso olhar com mais atenção. Estamos falando de Países onde os direitos civis não são garantidos, de regimes que exploram a opressão, a pobreza, a ignorância, inclusive religiosa. É nesse contexto que as mulheres pagam o preço mais alto.

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

9 Comentários

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  1. Aliados

    Que a Russia e o Irã estão ajudando a sustentar o ditador sírio é fato notório, sem contestação. O que ninguém parece interessado em saber é quem sustenta os revoltosos: são milhões e milhões de dólares POR DIA, que naturalmente não caem do céu. Os financiadores da revolta devem repartir com o ditador a conta dessa enorme tragédia. Vamos descobrir quem são?

    1. Eu tenho uma pergunta

      Eu tenho uma pergunta melhor… Quem são os “revoltosos”?

      Porque o termo “revoltosos” implicitamente se refere a pessoas que pertencem ao lugar. Se são de fora o termo correto é “invasores”.

       

  2. Lamentável
    Que o site escolha publicar o testemunho de uma pessoa que mora a 3 mil km da região para falar sobre a realidade da região.

    Desinformação pura.
    Acordo entre EUA é Irã. ….bla bla bla. Reclamando do governo mole dos EUA que não foi a guerra…lol.
    Este jornal pedindo GUERRA! Nassif pedindo Guerra….

    Tipo Russos e iranianos são maus porque atenderam ao pedido de socorro do presidente do país.

    Ela defende o Estado Islâmico que só ganhava território até a entre da da Rússia que literalmente desintegrou o movimento terrorista Dentro da Síria.

    Agora ele sobrevive nas partes controladas pelos EUA.

  3. SÍRIA – 4 artigos:
    1.

    SÍRIA – 4 artigos:

    1.  http://port.pravda.ru/news/russa/13-12-2016/42298-vitoria_assad-0/

    Vitória de Bashar al-Assad e Putin em Aleppo pôs o ocidente em surto de pânico

    2. http://www.brasil247.com/pt/247/mundo/272418/Turquia-diz-ter-provas-de-que-coaliz%C3%A3o-liderada-pelos-EUA-apoia-terroristas-na-S%C3%ADria.htm

    TURQUIA DIZ TER PROVAS DE QUE COALIZÃO LIDERADA PELOS EUA APOIA TERRORISTAS NA SÍRIA

    3.  http://port.pravda.ru/russa/20-12-2016/42347-vexame_estadunidense-0/

    O vexame estadunidense na Síria e o assassinato do embaixador russo.

    4.  http://port.pravda.ru/news/russa/20-12-2016/42342-histeria_midia-0/

    Jornalista destaca histeria da mídia do Ocidente em torno da situação em Aleppo oriental

  4. Eita!

    Eita!

    Quando o objeto é Oriente Medio o portal faz de tudo para publicar “coisas” desse tipo. Se surprende o baixo nivel de informação, ou a completa falta dela, mais ainda a completa incapacidade cognitiva ou, talvez seja apenas problemas com a matematica e nunca aprenderam a somar 1 + 1

  5. A máquina de propaganda

    A máquina de propaganda ocidental nem disfarça sua solidariedade seletiva com os civis que estavam em situação de risco em Aleppo (estão chamando o domínio da cidade pelo governo sírio de “A Queda de Aleppo”), ignorando completamente os civis sitiados há anos por terrorist- digo “rebeldes” em Deir Ezzor, Palmyra, Fuah e Kufraya apenas porque são favoráveis ao governo sírio. Sinceramente é lamentável que o GGN reproduza esse tipo de propaganda.

  6. FALÁCIAS E FACTÓIDES

    É lamentável que o Jornal GGN, que parece ser bem intencionado, se preste a amplificar a enganosa propaganda de guerra da mídia hegemônica, que visa distorcer a realidade dos fatos para esconder os crimes do fascismo imperialista.

    As pessoas que acompanham a conjuntura internacional através da mídia independente sabem que as potências ocidentais e seus torpes asseclas mercenários são os verdadeiros responsáveis pelas tragédias vivenciadas na Síria, na Líbia, na Ucrânia, no Iraque, na ex-Iugoslávia, na Albânia, entre outros.

    Há muito já perderam toda a credibilidade aqueles que não reconhecem a importância política e humanitária da expulsão dos terroristas que mantinham sitiada a população de Aleppo, que usurpavam todos os meios de vida dessa população e utilizavam civis como escudo humano. Há muito está claro que os serviços secretos das potências ocidentais manipularam desde a origem, através de organizações paramilitares travestidas de ongs beneficentes, as tentativas de mudança de regime dissimuladas sob a falsa denominação de “primaveras” democráticas (sic). Há muito que a pseudo oposição moderada foi já desmascarada como cúmplice assessória dos terroristas mais criminosos. E há muito foi comprovado que os criminosos inimigos do governo sírio preferem massacrar a população ao invés de aceitar a anistia e a conciliação, por contarem com o apoio abjeto das falácias, falcatruas e factóides promovidos pelo fascismo imperialista.

  7. Follow the money

    Siga o dinheiro, descubra quem é o maior interessado e beneficiário, e estará a um passo de encontrar o criminoso.

    O depoimento mais objetivo e isento de um estrangeiro que viveu desde o início o conflito na Síria, como a missionária Irmã Guadalupe, destoa bastante do discurso de Nibras Breigheche nessa entrevista.

    Aqui o depoimento da Irmã Guadalupe:

    [video:https://youtu.be/Xb959nKgtZg%5D

     

     

     

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