Meu nome não é Sininho: Elisa Quadros fala sobre prisões e ameaças

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Foto: Marcio Isensee e Sá/Agência Pública

Da Agência Pública

Meu nome não é Sininho
 
Três anos depois de estampar capas de jornais e o noticiário de TV acusada de liderar os adeptos do black bloc, Elisa Quadros recebeu a Pública para uma longa entrevista sobre as prisões, as ameaças e os traumas que ainda tenta superar
 
por Mariana Simões, Natalia Viana

Depois de dois anos parado, o processo que procura condenar Elisa Quadros Pinto Sanzi e outros 22 ativistas presos durante os protestos de 2013 e 2014 no Rio de Janeiro deve chegar ao fim. Em abril, O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar um habeas corpus que pedia a anulação de provas colhidas por um policial militar infiltrado nas manifestações sem autorização judicial (leia mais aqui).

Assim que o STJ proferir sua decisão, o caso que ficou conhecido como “processo dos 23”, no qual os jovens manifestantes são acusados de “associação criminosa agravada pelo uso de arma e a participação de adolescentes”, deve finalmente ser julgado pelo juiz Flávio Itabaiana, do Tribunal de Justiça fluminense. Itabaiana é conhecido como “linha-dura” e concedeu diversos pedidos de prisão temporária dos ativistas, incluindo no final da Copa do Mundo de 2014.

Há dois anos, Elisa, 31 anos, evita falar à imprensa, traumatizada pelos ataques à sua reputação capitaneados pelo governo do estado, à época comandado por Sérgio Cabral. Ela foi uma das jovens que participaram ativamente do “Ocupa Cabral”, um acampamento diante da casa do ex-governador em meados de 2013 que o acusava de corrupção. O impacto foi surpreendente: Reeleito em 2010 com 66% dos votos, a popularidade de Cabral despencou de 45% para 12% durante as jornadas de junho. Hoje, é um dos presos da Lava Jato.

“Querendo ou não, a gente destruiu a carreira de um político”, diz Elisa. Nacionalmente ela é conhecida como “Sininho”, a figura que estampou capas das principais revistas do país nas jornadas de junho. A capa de Veja, por exemplo, trazia a manchete “Os Segredos de Sininho”, com o subtítulo: “A militante Elisa Quadros, protetora dos Black Blocks, é a chave para descobrir quem financia, arma e treina os vândalos”.

Como consequência da fama repentina, Elisa foi presa duas vezes em Bangu, perdeu o emprego, a estabilidade financeira e emocional. “Eu já cheguei a me machucar. E eu falo abertamente porque isso não tem que ser vergonha para ninguém não, nem para mim, nem para ninguém que passa por isso.”

Formada em cinema, a ex-produtora recebeu a Pública no final de 2016, quando tentava refazer a vida: confeccionava acessórios de couro e buscava trabalhos free-lancers. Em abril, voltou a nos receber para mais uma conversa. Para ela – que nega ser adepta da tática Black Bloc – a Sininho “é uma construção midiática”. Hoje, longe dos grandes protestos, ela ainda carrega as marcas da fama. “A mídia é muito mais poderosa do que a prisão. A destruição da identidade é eterna”, diz.

Elisa está no “processo dos 23”, cujo alvo são ativistas que integraram os protestos de 2013 e 2014 (Fotos: Marcio Isensee e Sá/Agência Pública)
 

Qual a sua expectativa com relação ao julgamento do processo dos 23?

Eu acho que na primeira instância – acho não, tenho certeza – vai ter condenação. Não tenho certeza se vai ter prisão, mas condenação vai ter. Depois, quando chegar na segunda e terceira instância, esse processo vai acabar sendo anistiado, porque ele está muito vergonhoso já.

A gente está respondendo por formação de quadrilha armada, mas sem arma, porque a arma que acharam é da menina secundarista, que era do pai dela, que é segurança da Uerj. Ele tem autorização, tudo certinho. Por isso ele tem uma arma em casa.

Agora, se me prenderem, eu tenho muito medo de ser bombardeada na mídia de novo. Mas nada mais do que eu já não vivi. A questão é o que eles fizeram comigo, não tem como voltar. Foi bem ruim.

Como é que foi que você virou a Sininho? Teve um momento?

Teve. Foi o dia 15 de outubro de 2013.

Esse foi o dia em que 201 pessoas foram detidas em um protesto na greve dos professores no Rio. Foi quando apareceu aquela primeira foto na Folha de S.Paulo. Você estava em um ônibus abraçando o seu então namorado, Luiz Carlos Rendeiro Júnior, o “Game Over”, antes de ser encaminhada para a delegacia.

Foi tudo muito traumatizante. Mas o 15 de outubro, para mim, tem um significado. Você nunca vai achar que vai ser presa, né? Você é classe média, branca, isso nunca vai passar pela sua cabeça. Então foi uma série de rupturas na minha vida. Ali tudo se iniciou. 15 de outubro foi visível, foi chocante, foi agressivo. A polícia separou homens e mulheres na Câmara [dos Deputados]. Duas pessoas que eu conhecia levaram tiro. E ali eles me destacaram. Me tiraram da escada, me destacaram de todo mundo e me colocaram ali com todos os coronéis, os chefes do Bope, do Core, da Polícia Militar. “Ah, você que é a Sininho? Você que é a grande líder?”

Eu tive escolta particular, eu tive que entrar num carro diferente. Foram 40 mulheres detidas, e eu fui a única presa mandada para Bangu.

Ali foi quando eu virei capa [de jornal] pela primeira vez. A foto é chocante, histórica. A mise-en-scène com aquilo ali… Foi ali que criaram essa personagem, a liderança Sininho. E aí foi quando fui para Bangu pela primeira vez.

Eles me colocaram no carro do Core [Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil fluminense] e os policiais foram até gentis. Quando a porta daquele carro fechou, que minha amiga saiu correndo e me entregou o lanchinho da minha mãe, eu, apavorada, falei: “Agora a minha vida não me pertence mais”.

“Se me prenderem, eu tenho muito medo de ser bombardeada na mídia de novo”, diz Elisa (Foto: Marcio Isensee e Sá/Agência Pública)

Como foi a sua prisão?

Eu não chorei dentro do carro, eu não chorei quando cheguei em Bangu. Eles não me viram chorando em nenhum momento. E aí eu entrei na cidade prisional, que é gigantesca, e acordei já na frente de Bangu 8. Minha vontade era abraçar essas pessoas e dizer “me deixa nesse carro, eu não quero entrar”. Eu não conseguia nem andar, ficava paralisada.

Eu entro no presídio e eles fecham aquele portão. Foi uma sensação de morte. Eu fui entrando na recepção, onde você tem que tirar toda roupa, que é outra humilhação, e aí você tem que ficar fazendo posições, você tem que abrir a boceta para mostrar se tem alguma coisa dentro. Eu me encostei porque estava muito cansada. Tinha mais presas que tinham entrado, e [uma delas] se encostou também. E aí veio a carcereira e deu um soco na cara da menina, na minha frente. Na verdade, ela queria bater em mim, mas ela não podia. E falou: “Você pensa que você está onde, na tua casa? Aqui tem regra, aqui quem manda é a gente. Abaixa a cabeça, mão para trás, senão vai levar”. Eu sabia que era para mim. Imediatamente botei a mão [para trás].

Você ficou quanto tempo lá?

Cinco dias. Eu fui sequestrada durante 24 horas na delegacia. Para mim, é um sequestro. Se não existe crime, se existe só perseguição, é um sequestro. Eu saí da prisão em choque. Mas não sabia que eu era midiaticamente a Sininho. Eu descobri isso saindo de Bangu.

De onde vem o nome Sininho?

No Ocupa Cabral, até por uma questão de proteção, a gente fez uma roda, e nos davam um apelido. Então a Disney reinou, tinha Pocahontas, e eu era “Sininho” porque eu era bravinha, pequeninha, e sempre com as minhas botinhas, sapatinho de bailarina, sabe? Tipo de fadinha mesmo. Ali foi Sininho. Que eu gostava até então. Agora eu não gosto mais não.

Por quê?

A “Sininho” é uma construção midiática. Eu estou começando a entender um pouco melhor e a parar para pensar sobre tudo o que aconteceu. É assim que eles funcionam: a mídia, o Estado, eles precisam de uma liderança. Mas não teve liderança. Tinha pessoas que têm facilidade de assumir mais coisas, mas isso não significa uma liderança. Eu sou produtora, então sou muito rápida. Eu não tenho paciência, sou muito brava. Eu avalio hoje que, das pessoas que estavam mais ativas, eu fui escolhida para ser o bode expiatório.

E aí você faz uma avaliação de critérios morais. Nesse país machista em que a gente vive, destruir mulher é fácil. Branca, hétero, classe média. Usaram muito o argumento de “rebelde sem causa”. E o moralismo do machismo. Moralismo religioso: cara de vagabunda, destruidora de lares, “ela usa sedução para conseguir as coisas”… Virei “líder de Black Blocs”. Gente, pelo amor de deus, eles não têm líder, eles usam uma tática, começa por aí. Eu nunca usei a tática, sou de outras táticas, por isso que eu nunca tampei o rosto. Gente, é uma tática política de ataque ao capital!

Mas ali no caso, o Cabral foi destruído. Querendo ou não, a gente destruiu a carreira de um político. No “Ocupa Câmara”, por exemplo, estávamos mexendo com uma das maiores máfias do Brasil, que é a máfia do transporte e a máfia do combustível. Mexendo com duas máfias poderosíssimas no Brasil.

Você procurou se proteger?

Você vai pirando, vai se protegendo. Vai pirando mais do que se protegendo, porque você não está acostumada a isso. O máximo que você pode fazer é tomar todos os cuidados. Mas eu percebia que os telefones, todos eles, tinham uma interferência. Já teve, por exemplo, várias vezes que o computador mexia sozinho. Eu estava fazendo umas coisas e ele ia abrindo pastas, e aí eu descobri que eram pessoas invadindo meu computador. E aí você fica apavorada. Já teve, por exemplo, [eu falando] no Facebook, meio apavorada: “Eu acho que tem alguém no computador”. Daqui a pouco alguém fala com você no Facebook: “Ah, estou adorando as suas fotos, deveria ser modelo. Sua mãe é tão fofa. Quem é esse cachorrinho?”. 

Como você reagiu a isso tudo?

Quanto mais você vai peitando, mais você vai sendo destruída. Foi o que aconteceu comigo. Se eu tivesse abaixado a cabeça, não acredito que a criminalização ia diminuir. Você cria um símbolo. Essa pessoa não precisa fazer mais nada, vai continuar sendo citada. Eu fui citada no estupro coletivo [ocorrido no morro da Barão em maio de 2016]. Eu estou arrolada no processo. Também foi citado [na coluna do] Ancelmo Góis que eu estava influenciando a molecada a ocupar as escolas, a ocupar a Secretaria de Estado da Educação [Seduc]. Eu não sei nem onde fica a Seduc! Agora o processo do Santiago está andando, e onde fala do caso do Santiago eu sou citada.

Você está falando do cinegrafista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes, que foi morto por um rojão atirado em 6 de fevereiro de 2014. Os dois acusados, Fábio Raposo e Caio Silva de Souza, ficaram presos por cerca de um ano…

Sim. Eu não tenho absolutamente nada a ver com isso. Tanto que nem no processo estou. Eu conhecia o Fábio, o Fox, da ocupação, mas era mais um menino que estava lá. Nunca tinha visto o Caio na minha vida. Eu estava presa dentro da Central do Brasil, presa pelos policiais. A polícia estava espancando as pessoas: criança, idoso, mulher, homem… De manhã, um amigo que é jornalista, que tinha sido amigo dele [de Santiago], estava com olho inchado, vermelho, me abraçou assim: “Cara, um amigo meu vai morrer”. Me abraçava e chorava.

Ali eu já tinha sido massacrada, já tinha sido várias capas, mas não da Veja. Uma semana depois eu fui capa da Veja.

Para Elisa, “‘Sininho’ é uma construção midiática” (Foto: Marcio Isensee e Sá/Agência Pública)

Como foi?

O maior erro que cometi foi ter ido na delegacia quando o Fábio se apresentou. Eu acordei de manhã com umas amigas minhas, apavoradas, falando que o Fábio tinha se entregado. E o que a gente fez? Começou a ligar para [o pessoal dos] direitos humanos. O Marcelo Freixo é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj. É obrigação dele saber o que está acontecendo. E eu tenho telefone da Comissão dos Direitos Humanos, não tenho o telefone do Freixo, até porque eu vi ele duas vezes na minha vida.

E aí eu liguei, e ele que atendeu. E aí começou tudo. Eles tiveram um prato cheio para falar que eu tinha envolvimento com o caso e inventar essa história de ligação com o Marcelo Freixo. É tão boçal esse negócio de ligação com o Marcelo Freixo!

Eu acompanhava as pessoas que tinham sido presas e eu vi muita tortura lá dentro. Minha preocupação era ele [Fábio] ser torturado lá dentro. Na hora que eu cheguei lá, estava um zunzunzum e eu não entendia absolutamente nada. E aí que teve a confusão. A mídia começou a ficar muito agressiva com a gente, e teve aquela confusão de eu ter chamado eles de “carniceiros”.

A morte do Santiago significa uma dor que eu não consigo imaginar para a família dele. Mas tudo o que eles precisavam era eu ir para a delegacia. Porque aí eles pegam a criação midiática da liderança e juntam com o maior caso da destruição dos movimentos sociais que estava acontecendo.

“A mídia é muito mais poderosa do que a prisão”

Quando foi o momento em que você percebeu que isso a estava afetando pessoalmente?

A capa da Veja foi bem ruim. Quando começou a surgir o boato que eu ia sair na próxima capa da Veja, eu já estava me preparando. Só que uma coisa é você se preparar, outra é você sentir. Eles publicam a capa na internet antes. Sentaram três amigas na minha frente. Eu comecei a achar estranho, elas estavam nervosas e não queriam que eu mexesse no meu celular.

Nem consegui dormir. Fui na banca e fui direto na capa. Tinha um menino olhando, o menino deu uns pulinhos para trás. E eu sentei com óculos, com o jornal na cara. Apavorada. Todo mundo me olhava, sem exceção. Ali chegou um cara do Washington Post: “Olha, queria te pedir desculpa, mas eu sou do Washington Post”… É muita tensão. Todo mundo te reconhece. Em vez de você ficar normal, você vai chamando mais atenção ainda porque está tão nervosa. E isso é o estado da paranoia, né? Isso é uma tortura. É torturante, é aterrorizador.

Você foi buscar ajuda profissional?

Sim. O grupo Tortura Nunca Mais me deu todo o suporte psicológico, de carinho, de troca de experiência. E aí você descobre que não está sozinha. Não são só as pessoas de 2013, de 2012, que estão sendo perseguidas, mas pessoas de outros momentos, da ditadura, dos anos 90, do Diretas-Já. E isso me ajudou muito. Conhecer os meus heróis, para mim, foi incrível. Eu tive acompanhamento psiquiátrico, psicológico, desde a primeira vez que eu fui presa, 15 de outubro de 2013. Eu tenho psicólogos até hoje que me acompanham. Eu tenho esse estresse pós-traumático, que foi diagnosticado. 

Qual foi o diagnóstico?

Você passa por um processo intenso de perseguição, e você vai tendo uns tiques. Que é a paranoia, que é a depressão. Você tem muita raiva, tem muita raiva das pessoas próximas de você. Então você agride, você grita. Aí tem a raiva de você mesma. Eu já cheguei a me machucar. E eu falo abertamente porque isso não tem que ser vergonha para ninguém, não. Nem para mim nem para ninguém que passa por isso. A própria clandestinidade foi, na minha visão, o momento mais intenso de paranoia.

Conte sobre a sua prisão no final da Copa do Mundo.

 

Eles me pegaram em Porto Alegre. Eu estava indo pra Porto Alegre para visitar o meu avô – que estava doente e morreu dias depois –, eu não consegui encontrar porque eles fizeram o favor de fazer a mise-en-scène deles. Não foi tão traumático em relação à prisão em si, mas bem traumático em relação à mídia. Teve muita mídia. Eu fui pega [em Porto Alegre] às cinco e meia, seis horas da manhã, e só cheguei na DRCI às 9 ou 10 horas aqui no Rio.

Sobre o período em que você ficou foragida, o que aconteceu exatamente?

Eu não digo foragida, mas clandestina. Eu fiquei clandestina no dia 13 de agosto de 2014. Nós já éramos processados pelo [processo dos] 23, e uma das restrições é que você não pode sair da comarca da cidade do Rio de Janeiro. Não posso ir para Niterói. E não pode participar de reuniões públicas. Então, na verdade, não posso beber aqui embaixo porque é uma reunião pública.

Você, o Igor Mendes da Silva e a Karlayne Moraes da Silva Pinheiro, a Moá, foram a um encontro público, sendo que havia uma medida cautelar para não participarem de atos públicos. Por que você decidiu se esconder?

Eu não considero nem “esconder” nem “foragida”. Porque a gente não cometeu crime nenhum. O Estado me colocou em clandestinidade. Eu não fugi, eu me defendi. Então eu e Moá ficamos sete meses clandestinas, e o Igor infelizmente ficou preso.

Elisa “chegou a se machucar”: “falo abertamente porque não tem que ser vergonha para ninguém” (Foto: Marcio Isensee e Sá/Agência Pública)
 

Como assim, clandestinas? Usando outra identidade?

Não, não, não tem esse grau de organização. Para a Moá deve ter sido muito difícil, mas ela não era conhecida midiaticamente. Para mim foi tanto que, na época, eu falava “eu quero ir para Bangu, eu prefiro ir me apresentar”, porque pelo menos na prisão eu tenho contato com as pessoas, eu posso falar com meus advogados. Na clandestinidade é tudo muito difícil. Ainda mais tendo sua cara, no disque-denúncia, com recompensa a dinheiro. Estava lá, profissão: “ativista política”.

Como era o aviso do disque-denúncia? Qual era a recompensa?

R$ 2 mil. Passou no Fantástico o disque-denúncia. Apareceu no Fantástico a foto do meu RG e ficou na internet muito tempo até eu sair [da clandestinidade].

Você não podia sair na rua?

Não. Eu vou te falar, é barra pesada, eu não desejo isso a ninguém. Eu não podia nem tomar sol porque, se ficasse na janela, uma pessoa podia me reconhecer. Então eu ficava o tempo inteiro dentro de lugares fechados. Uma loucura.

Depois da clandestinidade, eu surtei, eu caí em um tipo de depressão mesmo, crise de pânico. Me machucando, machucando as pessoas que estão perto de mim, tendo que tomar muito remédio pesado. Não era possível levantar da cama. Ali eu despenquei.

 
Perfil de Elisa Quadros no Disque-Denúncia (Imagem: Divulgação)

O Habeas Corpus foi suspenso em junho de 2015, e desde então você responde ao processo em, liberdade, certo? Você continua tomando remédios?

Eu tenho acompanhamento psicológico e psiquiátrico.

Mas eu tive que me reinventar, em todos os aspectos. Tive que me reinventar como pessoa. Tive que me reinventar no meu profissional. Eu estou me reinventando ainda, tentando trabalhar com sustentabilidade.

Você acha que ainda hoje é espionada?

Sou, eu vou ser sempre. Meu telefone com certeza é grampeado, o telefone de minha família com certeza é grampeado, os telefones dos meus amigos com certeza são grampeados. Sempre vai ter vigilância.

Esse processo impediu você de seguir como militante?

A minha atividade política é quase zero hoje em dia. Eu nunca vou deixar de militar. Não quero viver nessa ilusão de classe média, de ter meus privilégios, ser mulher branca e morar na zona sul do Rio.

Como é que você se cuida dessa espionagem agora?

Tem umas coisas ruins, porque você não faz novas amizades. Eu acabei fechando meu núcleo de amizade. Você tenta voltar para a vida normal, mas você vai ser a eterna Sininho terrorista, entendeu? Você perde a tua vida pessoal, você perde tua militância. Não foi engraçado ser vasculhada e destruída midiaticamente. A mídia é muito mais poderosa do que a prisão. Porque a prisão você vai para a sua análise, e tem a força de teus amigos, e aí você escreve um livro, você faz um filme. A destruição da identidade, ela é eterna.

Que marcas psicológicas você ainda carrega?

Acho que tentar resgatar a Elisa da melhor forma possível. E isso é o que me machuca mesmo. Eu quero a Elisa de volta. Eu estou totalmente depressiva. Eu estou assim há um tempão. Eu fico paralisada porque eu fico com medo. Um pânico de ser sempre julgada. Todo mundo parece que tem o direito de me julgar. Todo mundo tem o direito de me colocar na fogueira. Sabe?

O que é que eu me tornei? Essa Sininho, que tem todo o poder sobre me dizer quem eu sou. As vontades, os desejos e as dores da Elisa, é como se não existissem. É como se todo mundo tivesse uma verdade sobre mim que não sou eu, e essa verdade se cristalizou. Essa entrevista não vai dar em nada e com certeza vai ter gente dizendo: “Ah, olha lá ela chamando atenção. Olha lá ela querendo aparecer”. Nada que eu faça é o suficiente. Nada.

 
“Eles destruíram uma pessoa: a Elisa. Eles não vão destruir um movimento” (Foto: Marcio Isensee e Sá/Agência Pública)
 
O que você diria hoje para as pessoas que a chamam de Sininho?

O ser humano tem necessidade de achar monstros e heróis. E um monstro com carinha de anjinha. Ou uma heroína menininha. Eu sou um monstro e uma heroína. Mas ter me atingido não atingiu o movimento em si. Eles destruíram uma pessoa: a Elisa. Eles não vão destruir um movimento.

Eles destruíram a Elisa ou a Sininho?

É isso que eu estou falando. Eles não destruíram a Sininho. Eles destruíram a Elisa. Eu me chamo Elisa. Eu tenho sentimento. Eu tenho dor. Eu tenho vontade. Eu tenho erros e acertos. Eu tenho defeitos. Eu tenho qualidades. Como qualquer pessoa. 

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Redação

16 Comentários

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  1. jornada de 2013

    Tenho repulsa pelos “lideres” da jornada de 2013. Movimento apolitico que destruiu um governo de centro-esquerda, elegeu um Congresso “conservador” e gerou 13 milhões de desempregados. Pode ser que no futuro, a “história” coloque esses “lideres” no pedestal. Certamente eu não concordarei.

    Para Sininho, desejo, “justiça”. Seja o que isso signifique hoje no Brasil.

  2. O brasil precisa “tentar

    O brasil precisa “tentar superar” o estrago que esta gente fez. Como já foi dito, sinto verdadeiro asco pelos que participaram daquela palhaçada que acabou desembocando “nisto tudo que está aí.”

  3. “Assim que o STJ proferir sua

    “Assim que o STJ proferir sua decisão, o caso que ficou conhecido como “processo dos 23”, no qual os jovens manifestantes são acusados de “associação criminosa agravada pelo uso de arma e a participação de adolescentes”, deve finalmente ser julgado pelo juiz naomerecenomevaisefuder”:

    A ultima vez que eu comentei o assunto “Sininho” ela tinha um ano de pena de prisao por nao cumprir o que ela tinha assinado e concordado na justica.

    Ainda estou lendo o item mas por enquanto…  nao da pra saber se ela so tem ralas e parcas merdas na cabeca.

    Por sinal, acabei de assistir um hilario documentario sobre “terrorismo” de terceira categoria no Canada.  Histericamente engracado.  Se achar o link eu posto mais tarde.  Nao sei se eh bom ou mau que Sininho esta na mesma categoria dos “terroristas” do video ainda -e como disse, ainda nao li o item inteiro.

    Isso NAO eh dizer que ela eh culpada -talvez, quem sabe?, muito pelo contrario.  (Eu so tou com pena dela lidando com essa putaiada, alias.)

    Porem…  vou ter que achar o hilario documentario canadense pra voces compararem com a situacao na qual ela pode ou nao ter se metido voluntariamente.

    (mesma hora, mesmo canal., dia tal, hora tal…)

  4. Sininho

    O que ela pregou até hoje existe. Meninos e meninas violentos que se vestem de preto, que já é uma cor sinistra, e aparecem no final de uma passeata contra os arbitrios que estão acontecendo no Brasil , para fazer com que a polícia atue e acabe com a manifestação, até aquele momento pacífica,Não sei até onde há uma relação entre os black bolcs e a polícia.

  5. Acredito que todas as pessoas

    Acredito que todas as pessoas merecem uma segunda chance na vida. Após esta entrevista, acredito que Sininho voltará ser ser procurada pela mídia para relembrar fatos importantes da vida política recente do Brasil. Nada trará novamente a vida de Santiago de volta, mas espero sinceramnte que este triste episódio sirva de reflexão para Sininho e que ela encontre forças para voltar a exercer a sua liderança no campo da esquerda. Como ela mesma admite, é bem possível que seja condenada, mas será uma pena leve, ela é jovem e tem tudo para se reerguer dignamente na vida.

    1. Que liderança de esquerda?

      Essa mulher foi uma ferramenta da Direita, isso sim! E foi com orgulho! Ajudou a jogar o país nessa panela do Diabo de hoje. O melhor que ela faz pelo país é levar uma vida anônima pelo resto da vida.

  6. Depois de ler a entrevista

    Depois de ler a entrevista toda…  francamente, ainda preferiria ver Sininho na Playboy.  Que ela eh linda, isso eh.

    Achei!!!

    Esse eh o documentario canadense, em ingles somente.  Eh hilario, merece ser visto!

    Eh um pedacinho aqui de “ideologia” e outro pedacinho ali de “ideologia”!!!  Nao aparece uma unica ideia ideologia com comeco, meio, e fim, e que faz sentido por mais que duas sentencas -e muito menos um paragrafo inteiro!  Eh a aleijamento mental em seu “melhor” estado:

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=Tjn1XMvlP7k%5D

  7. O tempo passa e algumas

    O tempo passa e algumas imagens se desbotam, daí lembrar-me de Sininho em alguns momentos daquelas manifestações. 

    Na verdade, não aprovaria jamais aquela reunião de uns poucos, no uso de muita brutalidade, se distinguindo da maioria com as caras tapadas pra praticarem horrores. Por exemplo: cena horrível aquela em que eles fizeram uma verdadeira fogueira do mobiliário de um dos imóveis do governo, não me recordo se da ALERJ ou da Câmara. Alguns jogavam o mobiliário pela janela e outros, na rua continuavam a destruição do patriônio público. 

    Na minha visão, esses black blocs teriam que ser contidos. Os próprios manifestantes, de cara limpa, foram contra aquelas atitudes fascistas. 

    Lembro-me de Sininho, por diversas vezes, se empoderando, se achando, como se estivesse acima do bem do mal, ou como se por ser o que ela mesma diz “branca, hétero, classe média” fossem a razão de sua altivez. 

    Detesto saber de qualquer pessoa no mundo sendo tratada com a ignorância dos ditadores, por meio de torturas, humilhação, entre outras práticas policiais horrorosas. Disso eu sou contra, mas acho que ela e seus comparsas não tinham os ideais da maioria; eram uns baderneiros. Infelizmente ela e alguns já pagaram e pagam até hoje por terem agido de forma imprudente, e até desleal em relação ao conjunto dos manifestantes. 

    Quanto às posições da imprensa, a gente sabe como funciona. Nem precisa ser Sininho pra sofrer as agruras por ela impostas. Lula que o diga.

    Espero que essa entrevista sirva para que outros pensem melhor antes de sair por aí metendo medo na população, destruindo e matando pessoas inocentes. 

     

     

  8. Entendemos seu sofrimento,

    Entendemos seu sofrimento, Dirceu, Genoíno, Lula, filhos e. D, Marisa que, infelizmente, morreu sem ter tempo pra uma entrevista…. É duro… Nossos companheiros passam por isso e Junho de 2013,, colaborou o qto pode com a tortura deles. Eu espero que o Grupo Tortura Nunca mais tb tenha se lembrado dos torturados da AP470 e Lava Jato.

    Lendo essa entrevista, percebi como esse golpe do midiciário nos deixou duros. Não consegui me emocionar, sentir empatia… Na verdade, não senti nada. 

    1. Comprehensivel, Cristiana.

      Ela fala de duas Sininhos distintas.  Uma que nasceu em reuniao, com nomes da Disney sendo usados.  Mas comeca o proximo paragrafo falando em Sininho como “criacao mediatica”.  Ao fim do item ela volta a falar que destruiram Elisa mas nao destruiram Sininho -presumivelmente a “Sininho” dela e nao a criacao mediatica.

      Mesmo dado que a Sininho mediatica foi em sua maior parte invencao (e so o titulo de “lider” de uma organizacao sem lideres ja eh gafe mediatica de bom tamanho!) ela ainda clama por “sua” Sininho e deplora a outra.  A Sininho dela ja seria antipatizada sem ajuda da media, no entanto, entao…

      Eh uma confusao psicologica enorme!  Ela passa o item inteiro se defendendo…  emocionalmente!  Ao invez de falar o que ta acontecendo nos processos, o que seria importante para expor para sua defesa legal, ela se mostra animal ferido em toda sua “gloria” ao mesmo tempo que nao consegue despertar uma gota de empatia nos comentaristas exatamente por estar se defendendo psicologicamente e nao fazendo defesa em si.  Talvez nao tenha consultado advogado, de fato tem uma excelente chance disso.

      A confusa defesa psicologica que ela faz de si mesma nesse item tem uma vantagem enorme, no entanto, que ainda vai aparecer em corte:  ela nao tem nem jamais teve perfil psicologico de “lider de Black Bloc”, e muito menos de membro de quadrilha -quem confiaria em alguem tao fragil em uma quadrilha sabendo que fragilidade psicologica eh a primeirissima coisa que a policia procura em uma quadrilha?  Mas depois de todo esse ataque (policial e processual) ela AINDA nao faz defesa legal de si mesma, nao conversou com advogado, nao tem media training, e nao tem talento para plantar duvidas em uma mera entrevista.

      Pensando bem, talvez ela tenha excesso de talento pois o que esta claro eh que ela nao eh e nunca foi membro de quadrilha nem “lider BB”.  Sobra ao juiz a “Sininho militante”.  Sem simpatia nenhuma de ninguem…  mas isso nao eh crime.

      Se voce entende ingles, veja o documentario que eu postei um pouco abaixo que voce vai reconhecer nele toda sentenca que eu acabei de escrever.  Um superbo estudo psicologico exatamente por nao tentar analise nenhuma.

  9. Duas coisas me chamam a

    Duas coisas me chamam a atenção nessa entrevista. Uma, uma pessoa que se diz militante, estranhar que uma jovem branca de classe média possa ser presa por seu atiivismo. Elisa não sabia de nada dos anos de chumbo? A maioria dos militantes presos, torturados,  incluindo alguns mortos, eram jovens brancos de classe média. Segunda, Elisa acha que foi destruída. Realmente não é fácil ser heroína da mídia num dia e acordar vilã em outro. Joaquim Barbosa viveu isso, claro que ele ainda é um privilegiado. Mas, o crime da mídia não foi destruir Sininho nem Elisa. Foi e é destruir um país inteiro. Coisa que as jornadas de junho não previram ou não quiseram enxergar. Enxergar que ou agiram de má fé ou foram usados de forma espetacular. Como os patos da FIESP.

  10. Pera lá!

    1) Em junho de 2013 ela já tinha 27 anos. Não era nenhum adolescente, sabia onde estava pisando. Sabia que quem assume papel de liderança vira vidraça, invariavelmente;

    2) Ela diz que a Sininho nasceu em outubro de 2013, que ficou chocada com a capa da Veja (que é de fevereiro de 2014), mas em setembro de 2014 estava lá, toda pimpona, no Globo e no Extra (http://glo.bo/1nbYee0), falando até do convite da Playboy que recebeu pra posar nua, fazendo “ensaio”. Ali ela não reclamou nada de ser a Sininho, e parecia bem orgulhosa da fama…

    3) Aí agora que manifestação murchou, sem emprego, possivelmente sem apoio da família (ela era brigada com os pais, pois eles eram petistas), com um processo criminal nas costas e abandonada pelos que a usaram pra bater no governo, ela quer dizer que o passado não existiu? Ou que pelo menos não foi o que nós vimos e lemos?

    Lamento por ela estar passando por esses perrengues, mas não dá pra acreditar que ela não soubesse, com 27, 28 anos, experiência em movimento, militância, que ela estava sendo usada, e que estava do lado errado da estória. 

    Ah, e pode ficar tranquila, Sininho, seu celular não tá grampeado, nem o de qualquer pessoa só por ser seu amigo ou familiar. Você não interessa mais a eles. O que os chacais queriam com você eles já conseguiram.

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