Militarização em protestos: infiltrados, lei antiterrorismo e inquérito black block

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Monier

Imagem do perfil no Tinder de Wilian Botelho.

Comentário ao post “Xadrez da volta da comunidade de informações

Discordo do marco temporal. A notícia é que o camarada aí estava atuando há 1 ano no setor de inteligência, hospedado em casa de general. Há 3 anos já estava envolvido com coisa parecida, e é militar há mais de 5 anos. Em qualquer caso, a preparação para esse estado bizarro de coisas começou ainda no governo Dilma, com ou sem o conhecimento de sua equipe, que teoricamente controlava do Exército à Abin. Leia-se por dolo ou culpa. E não podemos esquecer alguns fatos da História.

Dez anos atrás, quando o que a OAB dizia ainda me interessava, estive em um evento em SP que se falou sobre a pressão americana para fazer passar uma lei antiterrorismo. E naquele tempo de Brasil mais avançado o argumento óbvio era que essa paranóia americana não poderia entrar aqui, que lá eles sofreram um ataque traumático nas torres gêmeas enquanto este aqui é o país da diversidade e da alegria e do oba-oba, e que terrorismo é um conceito fluido demais para virar tipo penal em um estado culturamente mais plural como era o brasileiro da década passada.

[Para os leigos palpiteiros em direito: tipo penal é igual tipo do Gutenberg. Ou encaixa perfeitamente, ou o estado que faça um lei melhor e aplique nos casos futuros. Assim se evita que o agente público resolva ampliar a interpretação do crime no calor da hora para que aquela cachacinha do mendigo incômodo vire porte de droga, que a gracinha do seu filho classe-média no volante vire crime de perigo abstrato, que porte de vinagre a caminho de manifestação contra a polícia vire associação para o terrorismo, dentre outras.]

Pois bem, a paranóia americana entrou na legislação brasileira pela sanção da lei antiterrorismo. Pela tinta da caneta da presidenta Dilma, pressionada pelo casuísmo dos casuísmos que é a realização de uma Olimpíada, e iluminada pela inabilidade petista em lidar com os protestos de 2013. Era menos grave ter declarado Estado de Sítio, que ao menos volta para a normalidade do Estado de Direito Democrático depois de um prazo determinado.

E não se pode esquecer outro fato histórico, que é foi o esquisito inquerito 01/2013 do DEIC – o Inquérito Black-Bloc – que parece ter sido o ensaio para esse tipo de operação. Apesar de todo o sigilo e da pouca informação, parece que ali se resolveu migrar a interpretação jurídica do tipo penal do vandalismo ou então crime de dano para o da associação criminosa [gravemente, associação criminosa com base em afinidade ou idéias políticas, uma bomba totalitária].

Não por coincidência, elegeu-se o DEIC para tratar das questões nessas manifestações de 2016, com orientação para que os manifestantes fossem encaminhados para lá. É de a esquerda pensar pensar se a garantia do juiz natural não deveria ser estendida para uma garantia do “delegado natural”, porque o futuro do direito penal é esse das conduções coercitivas por questões ideológicas. Moro ao lado do DEIC, e garanto que não fica mais perto da Paulista do que o distrito dos Jardins, por exemplo.

É grave essa livre manipulação do Direito Penal porque no crime de dano não há o que investigar antes da consumação. Prende-se no flagrante, e se não houver uma prova material, fica difícil de perseguir o indivíduo acusado. Associação criminosa admite esse auê penal que estamos vendo, de prisão cautelar, preventiva, detenção para averiguação, e outra totalitariedades que nossas mentes brilhantes vão inventando para atacar o livre direito à manifestação democrática.

Ao contrário da lei antiterrorismo, no inquérito do Deic não tem a digital da administração petista. Não é preciso dizer que o departamento é estadual, sujeito à dinastia tucana, com o Geraldo no poder. Mas também não se pode admitir ingenuidade de quem tinha todo o serviço de Inteligência nacional nas mãos. Se não consegue pilotar, não peça o tanque de guerra nas mãos. A reação contra essa arbitrariedade já deveria ter sido montada, preparando as leis e as instituições, em especial aquelas que lidam com a defesa de direitos humanos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

4 Comentários

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  1. O inimigo
    Perfeita análise: mas há uma luz no fim do túnel, há sempre um pouquinho de otimismo.Havera sempre resistência.Digo isso porque embora haja o árbitro de toda essa extrema direita que fecha. Eles não vão conseguir manter no imaginário dos coxas por muito tempo, a figura de um inimigo. Vão morrer de inanição. Toda essa história, da construção de um inimigo externo, lembrou-me o PCC (facção Paulista) que precisa constantemente pra sobreviver desse mito do inimigo. Ou seja, tínhamos o CRBC (criado na Penitenciária de Guarulhos) chamados de vermes pelo PCC

  2. Quem não se lembra que no Rio

    Quem não se lembra que no Rio de Janeiro até Bakunin foi indiciado? E lembro bem de amigos petistas que davam todo apoio à polícia nesse caso. Mesmo sabendo que a polícia invadia a casa das pessoas e coletava livros como provas de envolvimento com ideologias de esquerda e, portanto, com o crime.

    “Está coberta de razão a polícia do Rio ao se mobilizar, por determinação judicial, para a captura do suspeito Bakunin, de prenome não sabido e suposta nacionalidade estrangeira, criatura reconhecidamente de alta periculosidade, bastando para isso uma rápida consulta à sua folha corrida de anarquista, inimigo das instituições, da fé e da família, com vasta literatura publicada em prol de seus propósitos subversivos.”

    http://www.cartacapital.com.br/revista/812/procura-se-bakunin-9772.html

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