Na Grã-Bretanha, assassinato brutal inspirou redução da maioridade para 10 anos

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Jornal GGN – Até o final de junho, com patrocínio de Eduardo Cunha (PMDB), o plenário da Câmara Federal deve votar se é a favor ou contra a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos, homicídio doloso, roubo qualificado e lesão corporal grave seguida de morte. A comissão especial da Casa que discutia o tema aprovou um primeiro relatório nesta quarta-feira (17), sob forte protestos de movimentos sociais contrários à medida.

Nesta quinta-feira (18), a BBC Brasil resgatou um caso que pode fornecer mais ferramentas para a discussão da redução da maioridade penal. Há 20 anos, dois meninos de 10 anos foram condenados pela justiça comum pelo assassinato brutal de um bebê de dois anos. Àquela época, na Grã-Bretanha, palco do crime que chocou o mundo, a maioridade penal era de 14 anos. Cinco anos após o caso, o País reduziu para 10 anos. Mas estabeleceu que jovens de 10 a 17 anos devem cumprir pena em estabelecimento próprio para esta faixa etária.

“A ONU critica periodicamente o governo britânico pelo que considera uma faixa etária inadequada, e organizações de defesa dos direitos da criança regularmente tentam forçar uma discussão mais formal no Legislativo”, publicou o portal.

No Brasil, há outras propostas, como alterar o Estatuto da Criança e Adolescente para aumentar o tempo de internação de jovens que cometem crimes, além de endurecer a pena do adulto que fizer uso da criança para tal finalidade. Esta ideia é defendida por uma ala do PSDB ligada ao governador Geraldo Alckmin, e pelo governo Dilma Rousseff. Na Câmara, porém, a tendência é de vitória de alas mais conservadoras.

Assassinato brutal inspirou redução polêmica de maioridade penal para 10 anos na Grã-Bretanha

Da BBC Brasil

Mais de 20 anos depois, o assassinato de um menino de dois anos por dois garotos de 10 anos permanece sendo uma das principais referências em discussões sobre maioridade penal na Grã-Bretanha.
 
O caso oferece interessantes pontos de comparação no debate sobre o tema no Brasil, especialmente depois da redução da idade de 18 para 16 anos ter sido aprovada por uma comissão especial do Congresso, em sessão realizada na noite de quarta-feira.
 
Na época, a maioridade penal era de 14 anos. Mas a promotoria conseguiu levar Thompson e Venables a julgamento por tribunal comum porque conseguira provar que a dupla tinha plena consciência de que tinha cometido uma ação extremamente errada.
 
Cinco anos depois, durante o governo trabalhista de Tony Blair, político que era da oposição durante o caso Bulger e criticara abertamente a estrutura legal vigente, a maioridade penal britânica foi reduzida de 14 para 10 anos de idade.
 
No entanto, diferentemente do que aconteceu com os assassinos de Bulger, a lei estabelece que crianças e adolescentes de 10 a 17 anos presos e levados ao tribunal por crimes têm direito a tribunais especiais, sentenças mais brandas que as equivalentes para adultos. E, assim como Venables e Thompson, são mandadas para reformatórios especiais. Mesmo jovens de 18 anos são enviados para prisões adultas com limite de idade de 25 anos.
 
No mundo ocidental, apenas Escócia (oito anos), Nigéria e Suíça (sete) têm idade criminal mais baixa.
A ONU critica periodicamente o governo britânico pelo que considera uma faixa etária inadequada, e organizações de defesa dos direitos da criança regularmente tentam forçar uma discussão mais formal no Legislativo.
 
E mesmo vozes favoráveis ao status quo mostram preocupação. E elas, a de Laurence Lee, advogado de defesa de Venables no julgamento de 1993.
 
Em entrevista à BBC Brasil, Lee descreveu o julgamento dos meninos como “um circo alimentado pela mídia e por uma sociedade sedenta de vingança”.
 
Mesmo assim, ele defende o patamar de 10 anos para crimes violentos, “porque no mundo de hoje, em que há tanta disponibilidade de informações, crianças dessa idade sabem muito bem a gravidade de um ato como o homicídio, por exemplo”.
 
Mas Lee faz a ressalva de que a maioridade penal “é apenas um número se não for acompanhada de uma estrutura que simplesmente não criminalize crianças ou adolescentes”.
 
“Eles foram tratados como adultos, não tiveram o acompanhamento psicológico necessário e isso os marcou para sempre. Isso, na minha opinião, é o principal ponto na discussão sobre criminalidade juvenil. Se queremos reabilitação ou retribuição. Caso contrário, discutir a maioridade penal é apenas uma questão de números”, completa Lee.
 
Tal argumento é endossado por um dos mais vocais defensores de uma elevação da idade mínima no país. Richard Garside, diretor do Centro para Estudos Criminais e Jurídicos, acredita que “o primeiro passo é acabar com a ideia de que é preciso viver em extremos”.
 
“Não fazer coisa alguma ou simplesmente prender crianças e adolescentes são medidas que não levam em como baixos níveis de bem-estar social e educação, por exemplo. Isso antes mesmo de discutirmos o absurdo da legislação na Grã-Bretanha, que simplesmente dá poderes para que crianças de 10 anos sejam presas.”, diz Garside.
 
Para o especialista, a maioridade de 10 anos é um disparate diante de outros limites etários impostos para crianças de adolescentes britânicos.
 
“Na Grã-Bretanha, jovens só podem fazer tatuagens e votar aos 18 anos, e a idade legal de consentimento sexual é 16. São todas decisões baseadas em julgamentos sobre a maturidade intelectual, moral e mental de crianças, então fico sem entender como a mesma lógica não é aplicada ao sistema penal”.
 
Bem estar a criança x demanda do público por retribuição
 
Chloe Darlington, porta-voz da Children England, rede britânica de ONGs ligadas aos direitos da criança, vê na baixa idade de responsabilidade criminal um fator que deixa ainda mais vulneráveis crianças em dificuldades socioeconômicas.
 
“Criminalizar crianças que já vivem em circunstâncias difíceis não é benéfico nem para essas crianças nem para a sociedade. O bem-estar das crianças precisa estar à frente de qualquer demanda do público por retribuição (para algum delito cometido)”, diz Darlington.
 
Como no Brasil, o assunto da maioridade penal é polêmico na Grã-Bretanha e tentativas de mudanças na legislação de 1998 foram travadas no Parlamento Britânico.
 
O impacto da redução da maioridade penal de 14 para 10 anos é incerto. As estatísticas oficiais mostram delitos cometidos por menores de 18 anos – e não revelam dados de idades específicas.
 
O mais recente relatório do Ministério da Justiça britânico, diz que cerca de 90.800 delitos foram cometidos por menores de 18 anos no biênio 2013/14. Diz também que menos de 3 mil receberam sentença de prisão.
 
Entre os casos de crimes cometidos por menores de 14 anos e que viraram notícia, o que mais chamou a atenção, desde o caso Bulger, foi o de dois meninos de 10 e 11 anos de idade condenados a cinco anos de prisão em 2010 depois de um violento ataque contra duas crianças em Doncaster, no norte da Inglaterra.
 
Os assassinos de Bulger, Thompson e Venables, foram colocados em um programa especial de detenção e enviados para duas unidades especializadas na reabilitação de menores, onde ficaram detidos por oito anos, com acompanhamento psicológico e educacional e o direito de receber visita de parentes.
 
Ao saírem da prisão, eles e os pais receberam novas identidades e as famílias foram transferidas para diferentes áreas da Grã-Bretanha, depois de receberem ameaças de morte.
 
Venables, porém, voltou a ser preso em 2010, por distribuir e baixar vídeos de pornografia infantil na internet. Foi solto novamente em 2013, sob nova identidade e com nova relocação.
 
James Bulger foi raptado em um shopping center de Liverpool e morto, com requintes de crueldade, pelos garotos Robert Thompson e Jon Venables. O caso teve repercussão internacional e causou surpresa em vários países pela decisão das autoridades britânicas de julgar Thompson e Venables em um tribunal comum, em 1993.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Os esquerdopatas como sempre preocupam-se apenas…

    …com a punição do criminoso, jamais com a morte da vítima. Afinal a vítima, ora, a vítima qual importância tem?

    1. Também não é assim, Jorge

      Também não é assim, Jorge Rebolla. E tu bem sabes disso. Fazes uso de falácia(espantalho) nesse contraditório.

      Apesar de avaliar como carente de contextualização esses conceitos ou determinações de Esquerda e Direita, estas, grosseiramente ainda demarcam algumas visões e anseios de cunho político-econômico-social atinentes ao mundo real e não ideológico. Por essa abordagem é que me avalio como de Esquerda. 

      Eu e muita gente que não descuram jamais, mesmo porque seria uma aberração moral, das vítimas de delinquentes menores de idade na forma prevista na legislação. A empatia com relação aos sofrimentos dos que  perdem filhos, filhas, pais é imperativa. Nunca, jamais pode ser questionada e muito menos menosprezada ou minimizada. 

      O problema é que a vitimização ou a incorporação da condição de vítima pode ocorrer não só no sofrimento singularizado, nas tragédias pessoais provindas do acaso do destino ou de condições favoráveis e previsíveis(caso da onda de criminalidade que assola o país). Há, isso a meu ver é inquestionável, as vítimas dos ambientes, dos sistemas, das imposições não contingentes do meio social. 

      O que esperar em termos de comportamento social um adolescente egresso de um meio social degradante, de lares desajustados, carente do mínimo necessário para sua evolução como cidadão sujeito de direitos e deveres? Será que por conta de seus eventuais crimes poderemos esquecer a indução provinda desses fatores? 

      Minha divergência com a Esquerda, ou de resto com quem quer que seja, é fazer da condicionante social, que é real, efetiva, uma justificativa para o comportamento criminoso. Ao aceitarmos acriticamente tal defesa simplesmente incidiremos numa crassa injustiça para os milhares, milhões de carentes sociais que merce de condições sociais deploráveis não aceita nem jamais enveredarão pelas sendas do crime. 

      Repudio, por esses e outros motivos, o egoísmo e a autossuficiência por ânimo ideológico que impede o debate franco, honesto e compromissado com a solução dos problemas e não em demarcar posições por pura veleidade intelectual ou alienação. 

  2. Considerações (que deveriam ser) óbvias

    1. Na base do tipo de violência que temos no Brasil encontramos a política proibicionista, que transforma o tráfico de drogas numa atividade altamente rentável desenvolvida em ambientes miseráveis. Ou se mexe nisso, ou nada muda, pouco importa o que se faça em qualquer outro nível.

    2. É um crime manter QUALQUER pessoa presa nas condições carcerárias que temos no Brasil – seja criança, adolescente ou adulto. Temos que ter uma política de desencarceramente, e isso (mais uma vez) passa necessariamente pela descriminalização das drogas. Sem isso, nada feito.

    3. Em casos de crime contra a vida, a “recuperação” do preso é o que menos importa. Importa (e muito) a retribuição social do dano – o castigo infligido ritualmente a quem cometeu o crime. É para isso (e APENAS para isso) que a cadeia deveria servir. A ideia de que cadeia seja “regeneradora” seria macabra, se não fosse um pouco cômica. A esquerda não consegue enxergar isso, e fica à mercê do discurso oportunista dos Eduardos Cunhas da vida.

    4.Apenas uma parcela ínfima dos crimes contra a vida são cometidos por menores de idade. Menores que assassinaram pessoas devem, sim, pagar pelo que fizeram. Não nas cadeias que existem atualmente – nessas, nem animais deveriam ser admitidos, que dirá seres humanos, tenham eles a idade que tiverem.

    5. A esquerda precisa ter um discurso abrangente sobre segurança pública e, nesse discurso, tem que haver lugar para a ideia de PUNIÇÃO. Sem disfarces, sem meias palavras. Acima de tudo, sem subterfúgios ingênuos, do tipo – “isso não vai diminuir a criminalidade”. Certo, não vai. O que fazemos com uma criança que mata? Três anos de Fundação Casa? Se a esquerda continuar repetindo isso, continuará apanhando. Temos que discutir quais são os RARÍSSIMOS casos em que o encarceramente de um menor seria justificável. Nesses casos, é encarceramente, mesmo, e ponto final. Nas cadeias que temos? Repito: nas cadeias que temos, nem cachorros deveriam entrar. As cadeias que temos são, antes de mais nada, INCONSTITUCIONAIS. São toleradas porque abrigam pobres, pretos, putas e de, vez em quando, um petista. Não são lugares nem para adultos, nem para crianças. 

    Esse é um discurso que pode ser apresentado à sociedade e tem chances reais de vencer o discurso brucutu que é vendido pelos programas policiais de TV todos os dias. Descriminalização das drogas, desencarceramento dos que não cometeram crimes contra a vida, e encarceramento minuciosamente ritualizado (vejam o exemplo suíço, onde nem uma fruta a mais é dada ao José Maria Marin pelo fato de ele ser rico!) para crianças, adolescentes, adultos e velhos que cometem crimes bárbaros.

  3. Sou plenamente a favor de

    Sou plenamente a favor de aumentar brutalmente a pena para as TVs e criadores de jogos eletrônicos que estão incentivando, despudoradamente, nossos jovens a matar e a torturar!

  4. reflexão

    Tempos bicudos esses. Sempre existiu punição para menores (e maiores) por pena capital no Brasil. 

    Cresci em um lugar que era comum os “mão branca”, esquadrões da morte, fixarem em postes nomes de pessoas marcadas para morrer.

    No bairro próximo ao que morava a moda era queimar pessoas no pneu. Deixe esclarecer,era nos anos 80, não era favela nem comunidade ou qualquer outro eufemismo, só era um lugar pobre.

    Por duas vezes antes dos 15 anos quase virei estatística, numa voltava do trabalho já muito tarde da noite e na outra ao voltar da padaria com um pão embaixo do braço.

    Tá certo então, que se mate, que se morra, que se prenda e arrebente.

    Vai resolver? Não, mas o que vou fazer, não querem.

  5. E a prescricão de crimes? E os autos de resistência?

    Uma das maiores causas da impunidade no nosso país é, sem sombra de dúvidas, a prescricao de crimes. Se vc tiver dinheiro suficiente para pagar bons advogados ou for sufucientemente influente, talvez vc nem sofra um processo, pois pode acontecer de um juiz não acolher a tempo o seu caso. Vejam o mensalão tucano e o próprio rei do baixo clero…

    Outro fator que aumenta e muito as estatisticas de morte, são os autos de resistência, que permitem a polícia matar sem qualquer risco de investigacão posterior…

    Porque a câmara não discute essas coisas, se ela quer combater a impunidade…

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador