No dia 21 de março – Alex e Iuri Xavier Pereira, presentes!

Alex foi morto aos 22 anos de idade e Iuri, aos 23, ambos por ação perpetrada por agentes do Estado.

do Vozes do Silêncio

No dia de hoje, 21 de março – Alex e Iuri Xavier Pereira, presentes!

PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA, PARA QUE NUNCA MAIS SE REPITA

Em 21 de março de 2014, o Instituto Nacional de Criminalística (INC) emitiu um laudo pericial que permitiu a identificação definitiva dos remanescentes ósseos de Alex de Paula Xavier Pereira. O laudo atestou que o corpo do jovem enterrado como indigente no Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo/SP, em 1972, era geneticamente compatível com o perfil de Zilda Paula Xavier Pereira, mãe de Alex e de Iuri Xavier Pereira.

Nascidos no Rio de Janeiro em uma família assumidamente comunista, Alex e Iuri ingressaram, ainda muito jovens, no PCB e praticaram uma aguerrida militância política. Alex foi morto aos 22 anos de idade e Iuri, aos 23, ambos por ação perpetrada por agentes do Estado.

As versões apresentadas para as mortes, que ocorreram em ocasiões distintas, mas com apenas 05 meses entre uma e outra, foi a de sempre: foram mortos em confrontos armados. Na verdade, os documentos do IML/SP, produzidos na época, permitiram constatar que, além de ferimentos produzidos por projétil de arma de fogo, os corpos continham equimoses e escoriações visíveis nos olhos, no nariz, no tórax e nos dois braços. A conclusão foi a de que tais lesões são incompatíveis com as lesões que teriam pessoas mortas em tiroteio; que tais marcas, também vistas nas fotografias dos corpos que acompanhavam os laudos do IML, apontam que ambos foram torturados e depois executados.

Assim como ocorria (e ainda ocorre) com outras milhares de vítimas de morte violenta, Alex e Iuri foram enterrados diretamente no cemitério de Perus, em São Paulo/SP, sem dar à família direito ao sepultamento. E, assim como outras milhares de famílias, a família de dona Zilda não se conformou e entrou na luta pela localização dos corpos dos seus meninos.

Em 1973, localizaram a sepultura de Iuri, pois ele havia sido enterrado com o nome verdadeiro. Algum tempo depois localizaram também um jovem enterrado como indigente que aparentemente seria Alex. Entretanto, diante da repressão ainda vigente, não puderam exumar nenhum deles.

Em 1990, após ser publicamente denunciada a existência de uma vala clandestina naquele cemitério de Perus, a Prefeita Luiza Erundina autorizou a sua abertura e a investigação de tudo o que havia nos livros daquele cemitério. Apesar de terem sido encontrados naquela vala mais de 2.000 sacos com remanescentes ósseos, ainda havia muitas sepulturas no cemitério que não tinham sido objeto de exumação pela Prefeitura, para envio o conteúdo para a vala.

As sepulturas de Alex e de Iuri estavam entre elas, mas isto foi constatado apenas em 1996. A família, então, finalmente pôde trasladar os corpos para o seu jazigo, no Rio de Janeiro/RJ. Mas os exames feitos na documentação e nos corpos, nessa ocasião, confirmaram apenas a identidade de Iuri, sendo que a identificação de Alex não foi conclusiva. A família o sepultou mesmo assim.

Mais de 20 anos depois, no ápice do funcionamento da Comissão Nacional da Verdade e, ainda consumidos pela dor da dúvida, solicitaram ao MPF/RJ apoio para novos exames e lograram em êxito em chegar ao laudo produzido em 21.03.2014. Alex estava finalmente identificado. O corpo que acolheram em seu jazigo era mesmo do seu ente querido.

Paralelamente a tudo isso, num período em que ninguém mais tinha medo algum em identificar corpos e em que a presença das ossadas de Perus no cemitério do Araçá, ainda aguardando identificação, finalmente foi vista como uma prioridade para a Prefeitura de São Paulo/SP, foi criado o Grupo de Trabalho Perus/GTP. A sua instituição foi formalizada em 2014, a partir da assinatura de um acordo entre a então Secretaria Especial de Direitos Humanos, a Unifesp e o Município de São Paulo, com a coordenação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

Em 2016, o GTP estava em pleno funcionamento, mas com o impeachment da presidenta Dilma Roussef e, depois, com a posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro, o GTP quase foi extinto. Isto apenas não se concretizou porque o caso é regularmente acompanhado pelo Gabinete de Conciliação da Justiça Federal em São Paulo, pois a omissão do governo brasileiro quanto às ossadas de Perus já tinha sido objeto de ação judicial proposta no ano de 2008.

Graças a esse acompanhamento, o GTP não foi extinto e já está próximo do término dos trabalhos. Seus profissionais já anunciaram duas identificações de desaparecidos políticos: Dimas Casemiro e Aluizio Palhano.

Ocorre que o GTP, nesta fase que vai ser concluída em breve, está se dedicando apenas às ossadas oriundas da vala, que hoje estão acondicionadas em 1.047 caixas. Porém, além dessas ossadas, ainda há corpos de militantes políticos inumados em suas sepulturas originais, como ocorreu com os irmãos Xavier Pereira. O problema está em localizar essas sepulturas antigas.

O cemitério de Perus é muito simples e pouco organizado. Talvez essa desorganização seja de propósito no tocante às vítimas de violência, mas, com certeza, só é assim porque é um cemitério público e de sepultamento gratuito.

Esta é mais uma faceta da desigualdade social em nosso país, pois, para as famílias pobres e sem tradição, o desaparecimento de corpos é um fenômeno já assimilado. Nesses lugares, as sepulturas são cavadas diretamente na terra e as placas de identificação são meros pedaços de concreto, metal ou madeira, que são facilmente extraviados ao longo do tempo. Além disso, em geral, não há numeração de sepulturas, placas ou ruas, e, quando há, essa numeração é frequentemente alterada, ao bel prazer de cada nova administração, sem a cautela de providenciar um mapa de equivalência em relação às numerações anteriores. Tudo isso ocorre porque no Brasil não há, até hoje, uma disciplina nacional para sepultamentos. O tema ainda é convenientemente tratado como sendo de interesse local.

Portanto, esse laudo de 21 de março de 2014, que confirmou a identidade de Alex, demonstra que o critério de localização da sua sepultura, em 1996, apesar da renumeração, foi correto. Assim, se o GTP não for extinto após a conclusão da análise das ossadas da vala, ele já tem um bom critério a ser seguido para a localização de outras sepulturas de militantes políticos inumados em Perus.

Esse aspecto que apontamos como tão positivo na busca de Alex pode parecer pequeno, mas representa um grande degrau que foi vencido na luta pela busca dos corpos ocultados e, como sempre, só foi alcançado graças às famílias que nunca, jamais desistiram de dar um enterro digno a seus entes queridos.

– Alex Xavier Pereira, presente!

– Iuri Xavier Pereira, presente!

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Este texto faz parte da campanha de divulgação da II Caminhada do Silêncio pelas Vítimas de Violência do Estado e pela Democracia que foi suspensa e substituída por atos realizados em meio virtual nos dias 31 e 1º de abril de 2020.

Responsável: Eugênia Augusta Gonzaga, procuradora regional da República, mestre em Direito Constitucional e coautora das primeiras ações judiciais contra agentes da ditadura.

Fonte: Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, Volume III, páginas 812 a 818.

Redação

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