No dia 23 de março – Wallace Simonsen e Lucio Bellantani, presentes!

Foram mais de 400 intervenções apenas no ano de 1964, com depredação das respectivas sedes, prisões, torturas e execuções de líderes sindicais.

do Vozes do Silêncio

No dia de hoje, 23 de março – Wallace Simonsen e Lucio Bellantani, presentes!

PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA, PARA QUE NUNCA MAIS SE REPITA

Em 23 de março de 2013, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) realizou uma audiência pública inédita para tratar de um tema incômodo: as relações da ditadura com as empresas privadas do período. O caso abordado foi o da Panair, companhia aérea proibida de voar pelo governo militar em 10 de fevereiro de 1965 e que, semanas depois, teve a falência fraudulentamente decretada. Em meio a tais desgostos, morre o seu sócio principal, Mário Wallace Simonsen, em 24 de março de 1965.

Conforme concluiu a CNV, a aniquilação da Panair foi coordenada por síndicos militares de uma falência atípica e que teve a ativa participação do Serviço Nacional de Informações (SNI), bem como de procuradores especialmente nomeados com esse objetivo.

O empresário Wallace Simonsen, que também era sócio-fundador da TV Excelsior, outra das empresas fechadas pela ditadura, foi um caso isolado no meio empresarial. Este, em sua esmagadora maioria, apoiou totalmente a ditadura militar e também as violações de direitos humanos perpetradas. Algumas empresas não apenas apoiaram como também praticaram tais violações em suas dependências privadas.

Conforme consta do Volume II, do Relatório Final da CNV (Texto 2), os trabalhadores em geral e seus movimentos sindicais foram o alvo primordial do golpe civil-militar de Estado de 1964, pois eles vinham se articulando fortemente desde os anos 50 na busca por seus direitos trabalhistas. No mesmo dia em que o golpe se concretizou, em 1º de abril de 1964, começaram as intervenções nas direções dos sindicatos.

Foram mais de 400 intervenções apenas no ano de 1964, com depredação das respectivas sedes, prisões, torturas e execuções de líderes sindicais. O objetivo era quebrar a espinha dorsal do movimento para beneficiar as empresas e, ao mesmo tempo, impedir que a partir dele se estruturasse algum tipo de resistência à ditadura.

O apoio das empresas ao golpe foi tão ostensivo que criaram o Grupo Permanente de Mobilização Industrial (GPMI) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que tinha como principal finalidade a colaboração com as Forças Armadas e Forças Auxiliares na repressão política. Entre os produtos dessa parceria está a instituição da Oban (Operação Bandeirantes), depois transformada em Doi/Codi/SP, que se tornou um dos maiores centros de tortura da ditadura, e inspirou a criação de outros Doi´s (ironia da sigla) nas demais capitais brasileiras, tão violentos quanto o primeiro.

Além de se unirem para recusar emprego (em todo o país) a perseguidos políticos cujos nomes constassem das listas fornecidas pelas forças repressivas, algumas empresas operavam como verdadeiras bases militares. Lúcio Bellentani, ex-empregado da Volkswagen de São Bernardo do Campo, relatou à CNV que: “- estava trabalhando e chegaram dois indivíduos com metralhadora, encostaram nas minhas costas, já me algemaram. Na hora em que cheguei à sala de segurança da Volkswagen já começou a tortura, já comecei a apanhar ali, comecei a levar tapa, soco”. Foram presos no mesmo episódio mais de 20 metalúrgicos, a maioria da Volkswagen e o restante da Mercedes, da Perkins e da Metal Leve.

Os trabalhadores vitimados por esse tipo de repressão ainda lutam para obter reparação moral e material por parte das empresas. Lúcio Bellentani, que era um ícone nessa luta, faleceu em junho de 2019 sem ter realizado seu objetivo.

Em relação aos empresários “assimétricos”, como Wallace Simonsen, a ditadura passou a estrangulá-los economicamente mediante atos de Estado que dificultavam suas atividades e processos de todos os tipos, oriundos de acusações falsas. Além da bizarra falência da Panair e do fechamento da TV Excelsior, pioneira no país na implantação da televisão, promoveram, por exemplo, a interdição dos armazéns das empresas Wasim e Comal, expoentes na exportação de café e o cancelamento de todos os seguros de órgãos do governo realizados pela AJAX Corretora de Seguros, a maior corretora de seguros da América Latina.

A destruição dessas empresas ocorria ao mesmo tempo em que suas concorrentes, apoiadoras do regime, eram beneficiadas, como se deu com a Varig, do empresário Ruben Berta, que assumiu todas as linhas internacionais do país no exato momento em que a Panair foi fechada.

A filha de Mário Wallace Simonsen relatou nessa Audiência Pública de 23 de março de 2013 que, no mesmo dia da morte de seu pai, ela havia dito para ele que nunca mais voltaria ao Brasil, mas “ele olhou nos meus olhos, segurou minhas mãos e disse para que eu amasse o Brasil, pois os homens passam, mas o Brasil fica”.

A lembrança da Panair do Brasil ficou imortalizada em umas das músicas de Milton Nascimento e de Fernando Brant, cujo refrão fala saudosamente dos tempos e das asas da Panair.

– Mário Simonsem, presente!

– Lúcio Bellentani, presente!

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Este texto faz parte da campanha de divulgação da II Caminhada do Silêncio pelas Vítimas de Violência do Estado e pela Democracia que será realizada em São Paulo/SP, no dia 29/03/2020, no Parque do Ibirapuera, que foi suspensa e será substituída por atos realizados em meio virtual nos dias 31 e 1º de abril de 2020.

Responsável: Eugênia Augusta Gonzaga, procuradora regional da República, mestre em Direito Constitucional e coautora das primeiras ações judiciais contra agentes da ditadura.

Fonte: Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, Volume II, Livro 2.

Redação

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