O chatíssimo exercício de enxergar um lado único em qualquer coisa, por Matê da Luz

por Matê da Luz

Confesso: vez ou outra escrevo, apago, escrevo, apago o que vou postar por aqui. Isso porquê minha pauta quase sempre trata de temas pessoais, que escapam pelos dedos na intenção de compartilhar com (alguns) leitores que, de repente, podem se interessar pelo que me interesso – ou não, cada um tem um ponto de vista e tal, e o que me importa, na raiz da questão, é escrever pra receber algo em troca e, então, somar conhecimento, mudar pensamento e caminhar pra frente.  Daí coloco um post sobre o prazer de levar minha filha de quase 18 anos pra escola e o que recebo é 3/4 de crítica: mimo, cultuo o carro, não a deixo crescer. Dá uma preguiça danada quando você resolve compartilhar algo bacana – o estar junto em tempos de presença online, o estar junto numa idade convencionalmente de afastamento – e o retorno passa longe de ser troca: vem em forma de crítica desaforada, desabafada quase como se o outro ali estivesse ofendido com a minha prática. 

Daí penso: escrevo sobre isso? Escrevo sobre aquilo? Pra quê? Pra quem? Será que quero escrever só praqueles que concordam comigo? Hum… O tipo de troca que vem nos comentários não é de fato minha responsabilidade. Escrevo pra pensar, pra refletir, pra trocar. Se o que o outro lado tem a me ofertar de volta é agressivo, isso não é responsabilidade minha. “Ah, mas você se expressa e não quer que os outros se expressem?” – quero, quero muito, quero sim: só desejo que a expressão do outro não esgote o assunto ali, mas sim que permita o diálogo fluído, aquela troca rica que só é possível quando a gente não encerra um assunto com nossa opinião-e-ponto-final. 

Por exemplo, num dos comentários sobre o texto da carona pra filha, um dos leitores sugere que estou enaltecendo a cultura dos carros. E ponto final. Fosse uma opinião contrária mas ainda assim aberta, quem sabe ele teria recebido de volta a informação de que compartilho o carro com uma tia que mora no mesmo prédio e que, portanto, já estamos em atividade mais viável do que um carro por pessoa – quer dizer, este é meu ponto de vista, eu ainda preciso do carro, eu entendo que carro é um dos males do mundo etc, mas não concordo que então a gente deva ser extremista a ponto de reclamar de todo mundo que usa carro porque este é o mal da vida, entende? E o leitor, será que não anda mais de carro? Não sei, se limitou a criticar o daqui e não revelou o dali, fica difícil trocar assim, não é? 

Outro comentário dá conta de que eu ainda estou brincando de boneca porque levo a moça pra escola. Como se o único fator a ser considerado na criação de um indivíduo fosse este: a independência na locomoção nas grandes metrópoles. Como se o único ponto relevante da vida adulta fosse o saber pegar transoporte público – em tempo, ela sabe, e não só volta da escola de ônibus como vai pra lá e pra cá de metrô, além de não ter interesse algum em ter carro no ano que vem. A questão da carona e o porquê eu publiquei aquele post passa tão longe dessa temática de mobilidade urbana e mimo que eu me pergunto: cadê o romance nos olhos das pessoas? Cadê a relevância do compartilhar a vida, fazer a manutenção das relações quando e onde houver espaço e tempo? Não, eu evito que ela pegue um ônibus por dia e isso me torna uma pessoa que está brincando de boneca ao invés de educar. Uhun… 

Será que falar sobre maternagem ativa é besteira mesmo? Será que a gente deveria soltar esses filhos no mundo sem amparo algum, lançando um “se fode aí, qualquer coisa me chama” como mantra da boa educação? Será que uma carona às seis da manhã é tão prejudicial e contrária aos valores de independência, liberdade e responsabilidade assim? Ou será que andamos tão extremistas em tudo que não conseguimos trabalhar nas nuances que a vida oferece?

Vale pensar, vale pensar, vale pensar – e, ao escolher a manifestação, estar aberto ao diálogo que, mesmo aqui, no mundo online, anda chato e definitivo demais, sem espaço cibernético pra debate que faz crescer. Dá mesmo, de fato, uma preguiça de escrever.  

Mariana A. Nassif

20 Comentários

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  1. Comentários lidos

    Penso da mesma forma. Percebo pouco interesse por determinados assuntos. Há uma hidrofobia doentia em muitos comentários que assusta e muito. Querer partilhar uma alegria, uma dor, uma injustiça… nada interessa. Tudo fica parecendo egolatria, cultura de quem só fala do próprio umbigo, discurso solo. Percebo muita desumanização em certos comentários por aqui, também. Tenho me reservado apenas a ler e observar o ser humano. Tenho me omitido de manifestar meu ponto de vista, senão me torno machista, retrógrada, velha, louca, atrasada, entre outros adjetivos cruéis. Por menos que se queria, isso afeta a gente sim.

    É verdadeiramente uma pena ver isso acontecendo. Opiniões tendo que prevalecer como leis, regras etc.Isso vai desde escolhas de candidatos e partidos políticos, até expressões em relação a escolha de músicas, de literatura etc.

    Apagam-se comentários que geram encadeamentos nas respostas, desfiguram-se reflexões etc. Lamentável mesmo.Cansa demais.

    Ainda prefiro quem reflete o coletivo e isto passa por se refletir o individual no coletivo.

    Tenho me sentido com 250 anos. Abraço 

    1.  
      A gente diz que vai mas não

       

      A gente diz que vai mas não vai.

      Este blog é afrodosíaco.

      Saudações efuzivas em revê-la.

      Detalhe: Pra vc é fácil ”voltar” porque o blog escreve de acordo com sua linha de pensamento.

      Imagina eu, que não concordo com a linha do blog.

      Igualzinho uma namorada que tinha : me corneava  e eu não desistia dela.

         Abração !

    2. opinião

      Opinar é um exercício que nos tira do eusó para o conosco ou contraquem.

      Sempre vale a pena quando se quer aprender com os outros sobre si mesmo.

      Abraços

  2. únicas pessoas que enxergam

    únicas pessoas que enxergam de um lado só: Vamos chama-los de fanáticos,

    Corinthiano

    Petista

    Evangélico.

    E,geralmente, são os 3.

     Campeoníssimos !

  3. “Daí coloco um post sobre o

    “Daí coloco um post sobre o prazer de levar minha filha de quase 18 anos pra escola e o que recebo é 3/4 de crítica: mimo, cultuo o carro, não a deixo crescer”:

    Nuntendi tampouco:  eu levo minha filha ate a porta do onibus e ainda espero o onibus comecar a andar pra ir embora tambem.  Como os meninos estao prohibidos de correr pra pegar o onibus da escola, aas vezes tem alguem laaaaa atraz…  andando, nao pode correr.

    (Ah, o ponto do onibus eh 5 quarteiroes de casa, a escola dela eh a meia hora daqui, e ela tem 15 anos. E se depender de mim, levo ate ela ter 40 anos.)

  4. Matê

    Eu nunca apago o que eu escrevo. Posso não tornar público nunca, mas não apago o que escrevo, porque considero o  fato de escrever quase como uma necessidade fisiológica.

    Quem gosta de escrever ou precisa escrever sabe disso.

    Abrs.

  5. Cara senhora.
    Permita-me

    Cara senhora.

    Permita-me discordar. Quando se expressa e externa um sentimento personalíssimo (olha o plágio aí, gente!) no blogue estás, sim, sujeita a discordância. É do jogo. Mas, se me permite novamente, não tome isso tão radicalmente. Se estás dando carona,e por consequente segurança, para sua cria, isso é um prazer seu e ninguem tem nada com isso. Curta, lamba sua cria até onde der. Antigamente, sou desse tempo, dizia-se que somente na grande cidade havia violência urbana. O mundo mudou e isso se espalhou para até as pequenas e remotas cidades. O mundo está, sim, de dar medo só em ir à padaria na esquina. Os que lhe dirijiram “críticas” provavelmente o fizeram só para posarem de fortes. Aparecem de montão por aqui. E, apostaria duas mariolas, outros concordam com seu “prazeroso excesso”, mas não quiseram dar o braço a torcer. Outra mariola: Daqui a uns 10-15 anos vocês darão boas gargalhadas sobre isso.

  6. Preguiça
    Acredito que a finalidade de escrever neste sítio seja formar a opinião defendida por ele, assim como vem sendo feito há muito tempo nos avessos.
    Não quero nem saber se é remunerada por isso, mas suplico que tenha empenho em defender aquilo que acreditamos e que se abstenha de perder tempo com minudências da espécie.
    Vivemos um momento político e social muito importante, no qual não podemos sequer pensar em ter preguiça, principalmente os que tem o dom e o poder da escrita.
    Precisamos que a ideologia deste sítio se propague, sob pena de a liberdade de escrever e lutar por direitos se extingua.

    1. Como o sítio é interessante
      Eu, inocentemente, acreditando que escrever, ler, trocar figurinhas sobre as minudências da espécie estava incluso na ideologia do blog.

  7. Ainda bem

         Desconsidere opiniões exaltadas, pessoas criticam pelo “espelho” retrovisor, pegaram a mórbida mania das redes sociais, nas quais qualquer comportamento ou atitude deve ser incompreendida, o ato de extravasar frustações foi elevado a enésima potencia, ou o do que porque sofri, todos tb. tem que sofrer, se eu não tive mãe/pai presente, tenho por obrigação confrontar quem teve.

          Ainda bem que vc. ainda tem este espaço, até curto, um simples trajeto de minutos, para ouvir sua adolescente, OUVIR, ESCUTA-LA, pois vc. complementa uma necessidade dela, bom para vc., melhor para ela, que a cada dia sabe que terá alguem para ouvi-la, até mesmo para critica-la, lhe fornecer um parametro de limites.

  8. Matê, não conheço você, nem

    Matê, não conheço você, nem li o que você escreveu e está contando aqui, só sei o que você está dizendo agora e é sobre o que você disse que quero lhe falar que não se importe com essas pessoas que não a conhecem, que lêem alguma coisa que você contou e querem fazer monografia em cima do dito. Quero lhe dizer que levei minha filha de carro e trouxe de volta da universidade até a sua última aula no curso de direito e não me arrependo nunca. Ela se casou mudou de cidade, tem sua vida e seu trabalho longe de mim, é uma excelente dona de casa e profissional. Por isso não me arrependo de cada minuto em que fiquei perto dela, que a protegi, que a curti mesmo. Se voltasse o tempo faria tudo de novo. Aproveite o tempo que você tem com ela, abrace, beije, acaricie, proteja, acompanhe e converse muito, muito com ela, é para isso que serve mãe, porque um dia ela vai seguir seu caminho e a gente nunca sabe se estará por perto ou não. Vejo minha filha duas ou três vezes por ano, tenho muita saudade dela.

  9. O escritor é a única medida
    O escritor é a única medida de leitura que ele conhece. Dito isto, ele precisa reconhecer uma verdade: ele escreve apenas para si mesmo. Os demais leitores são apenas efeitos colaterais desejados ou indesejados de um subproduto do que ele fez (o fato do texto adquir vida própria ao ser divulgado).

    Se escrever lhe dá prazer, continue escrevendo. De um foda-se para os leitores após colocar o ponto final ou faça como eu, que adoro trollar os trolladores.

  10. Lugar inadequado

    Sou incondicionalmente  favoravel à liberdade de expressão, mas, com todo respeito, para tudo há hora e lugar. Não me parece que este aqui seja adequado às suas manifestações de amor maternal, referências à sua depressão e demais questões de ordem pessoal que teriam apeço e convidariam ao diálogo desejado nas revistas destinadas a isso, Pais e filhos, Claudia etc. Entendo que este espaço aqui destina-se a questões de ordem coletiva,  políticas, cidadãs. Discorrer sobre suas preocupções individuais aqui é tão inoportuno quanto discutir receitas de pudim num blog de informática.

    1. Tem gente que não se enxerga

      Tem gente que não se enxerga inadequada. Se este não a agrada pule para outro post, mas não venha se dando ares de dona do Blog.

  11. Matê luz,

    é importante frisar que a edição (imagens, retitulação etc.) dos posts que são escritos nos blogs ficam por conta da editoria, por suposto.

    Friso isso porque li críticas à imagem que foi inserida no seu texto anterior, do qual você faz aqui a avaliação dos comentários.

    Ver: https://jornalggn.com.br/blog/mate-da-luz/eu-levo-minha-filha-de-quase-18-anos-para-a-escola-todos-os-dias-por-mate-da-luz

    O blog do Luís Nassif tem linha única? Ou trata-se de um blog/ jornal e agora Revista com seções diversas? Porque se houver linha única aqui, elitismo seletivo de comentários,  a quem escreve sem erros ortográficos, músicas cabeça, de vanguarda ou over, apenas, talvez isso afaste os assinantes que estejam querendo chegar.

    Muitas vezes alguém chega de viés, autoritário ( isso é a primeira página de qualquer processo de convencimento, sabe-se) mas depois, vendo o conteúdo, o estofo, a base do discurso exposto, passa por uma transformação/evolução.

    Se refinarmos demais os temas e as abordagens, estaremos, creio eu, afastando ao invés de aproximando pessoas a participar, interagir.

    Estamos no Brasil e não na Suécia, na Suíça… Temos níveis de instrução e também de conhecimento muito diferentes. Não me parece razoável pretender que aqui nesse blog só se postem esses ou aqueles assuntos sociais, polítcos, macroeconômicos …

    Somos seres humanos, temos dores, alegrias e infelicidades. Todos nós. E falar disso pode sim ser muito interessante. Salvo engano.

    De resto, é só não ler o que não lhes agradar. 

  12.  Matê, perceba que aquelas

     Matê, perceba que aquelas pessoas que mais são tocadas pelos seus textos nem sempre farão comentários. Eu mesmo dispenso de comentar pois simplesmente não vejo como agregar algo se for apenas para expressar concordância. Convenhamos, é até mais fácil comentar quando não concordamos sobre algo.

     

    Não se acanhe em expressar o que pensa, mesmo sob a enxurrada de críticas que possam aparecer. Aliás, vejam-nas como algo natural. Filtre-as de sua aparência rude, analise apenas  o aspecto relevante do que elas tratam. Dispense-as se considerar vazios de conteúdo. Tente extrair aquilo houver de didático. Isto é, se houver.

     

      Ao contrário do que o título dá a entender, chato mesmo é justamente tentar ver mais que um lado. É muito mais cômodo permanecer naquilo que já concedemos assentimento prévio. Ir além do lado escolhido para entreter os lados opostos ou as possíveis alternativas é que dá trabalho. Por isso esperar que outros enxerguem seu lado é bem frustrante.

     

     Às vezes, o diálogo e a troca que você espera podem ser bem sutis. Algo que se encerra na reflexão daqueles que lêem silenciosamente seus textos, repercutindo ao longo de suas vidas. 

     

  13. Se escreveu e o outro leu, f@&#*”
    Meu caro Matê,
    Não tive o prazer de ter uma filha,, mas se tivesse gostaria de fazer o que você está fazendo, pois é justamente o que faço com minhas netas.
    No mais, é repetir o q está escrito no para choque traseiro de muitos caminhões q rodam por esse Brasilzão: -“A inveja é uma merda!” e desejar q você possa aproveitar os bons momentos junto com os seus. É isso aí!

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